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2. AÇÕES PARA SER GENTE: A DIMENSÃO POLÍTICA E

2.3. A Capela

Diante da ação do sindicato e atuação das CEBs na comunidade temos o encontro de dois discursos, que é o laico político e o religioso, este último não se reduz apenas a atuação das CEBs, pois os moradores têm a prática do catolicismo tradicional. Esses dois discursos fundamentam a visão de mundo dos moradores, permeando o cotidiano com valores e práticas sociais que constituem a vida na comunidade. Se há um espaço privilegiado para entendermos como a visão laico-político se relaciona com os valores religiosos na comunidade é nas reuniões da associação, pois é lá onde os moradores discutiram a questão da promessa, para tentar construir a igreja, assim teremos a associação que é essencialmente um espaço de ação política se deparando com uma questão que é de cunho religioso.

Na reunião, ocorrida dia 11 de fevereiro de 2012, os moradores se reúnem por volta das 9h30 da manhã e debatem até as 11h20, durante este período são colocadas várias questões de demandas e disputas da comunidade tais como: a construção da igreja, necessidade de outro resfriador para armazenar leite, reivindicação de mais duas casas que faltaram ser construídas, discussões referentes ao uso da merenda escolar que estava escassa, reivindicação de mais dois tanques d’água, confirmação da data para construção das cercas das áreas coletivas e recomendações quanto ao aspecto religioso. Este último assunto se tratava de recomendações para frequentarem mais os catecismos.

Em meio a esses assuntos Dona Quitéria pede a palavra e começa a falar: “vocês estão todos falando disso, mas nós temos que se lembrar de Deus. Já disse a Suelder que a igreja já deveria ter sido feita (...)”. Então Suelder toma a palavra e diz “uma boa ideia é fazer a igreja na casa de Zé Piqueno, ele num vai receber a casa? (...)”. Antes mesmo do presidente da associação terminar sua fala, Dona Quitéria se levanta e questiona: “Você acha que vamos desmanchar uma casa para fazer a igreja? Já vamos com mais de dez anos nessa conversa. A igreja não vai ser lá não, tem que ser aqui no

pátio, no meio”. A casa fica 80 metros do pátio da fazenda, mas ela completa seu argumento dizendo: “nunca vi uma igreja no meio do mato. Quando vocês recebem um convidado em casa, chamam ele para a sala ou para o quintal? A igreja deve ser onde fica essa cruz. Foi ali que padre Antônio quis.”

O presidente da associação aciona um discurso que acaba calando várias pessoas que haviam pedido a palavra, o que demonstra a relevância do assunto. Ele diz que “não há verbas para igreja, se fosse uma casa, um tanque, uma escola ou coisa assim nós teríamos ou ia atrás, mas igreja não é coisa de governo”. Dona Zefinha balança a cabeça, depois perguntada lá fora, sobre o assunto, ela afirma que “essa conversa ainda vai rolar muito, já estou velha de ouvir isso”, e sai rindo. O presidente argumenta que se fosse para remodelar a casa, a igreja saia, Dona Quitéria diz que “se é para pagar a promessa? Que se pague certo, como foi feita”. O fato é que há uma unanimidade em relação à construção da igreja, entretanto, há divergência de como, onde e quando deve ser feita.

É perceptível que não houve cobrança em relação ao Estado, mas em relação aos moradores, uma vez que há compreensão de que o Estado é laico, não compete às instituições públicas financiarem a construção da igreja. Esse argumento de laicidade não foi contestado em nenhum momento, além do mais, a rezadeira deixou claro que a cobrança e responsabilidade recaem sobre os moradores, consequentemente era uma questão pertinente à associação que é quem gere as questões coletivas. O falatório depois da reunião era de que a associação não tem dinheiro sobrando, se tivesse a prioridade seria a construção de pontes e tanques que ainda faltam na comunidade. Por outro lado, as pessoas religiosas persistem na reivindicação da igreja, argumentando que “na hora do aperreio todo mundo procura as coisas de Deus, mas na hora de reconhecer ninguém se lembra”. Tanto religiosos quanto os representantes da Associação, reconhecem que há uma dívida para com Nossa Senhora das Dores, o próprio presidente da associação o reconhece. Falando sobre essa dívida o presidente afirma: “homem de bem é aquele que não deve nada a ninguém, dívida é dívida. Um Grande Homem é aquele que não deve a ninguém, o povo é que tem que dever a ele, se ele promete tem

que cumprir, quanto mais a um santo34”. O interessante é que há uma articulação incessante entre os discursos laicos e os religiosos. Dessa forma, a visão moderna de mundo e a tradição religiosa se complementam (GIUMBELLI; 2006), quando se trata de reconhecer a dívida da igreja mediante a graça da promessa.

Fica claro que a visão de mundo laico moderno que nos fala Weber (2005) é perceptível na comunidade, mas não exclui a cosmologia religiosa, uma vez que a própria religião acaba motivando posicionamentos éticos morais dentro do mundo secular. Um exemplo claro disso é a situação ligada às eleições municipais, uma vez que havendo dois candidatos no município de Iati, um deles é ex-padre, e os moradores não usaram a associação para fazer política, nem usaram do artifício de pedir a um dos possíveis candidatos favores para construção da igreja. Embora por parte dos candidatos tenha havido tentativas de prometer melhorias e ajudas nesse sentido, para barganhar apoio político dos líderes e da rezadeira. Inclusive várias pessoas ligadas às atividades religiosas, que celebravam junto com o padre no início do assentamento não votam nele, usando o argumento de que “nas coisas da igreja é uma coisa, na prefeitura é outra.” Muito embora não se possa negar que através da influência da igreja o candidato pode ter mais oportunidade de se apresentar e articular-se com as pessoas religiosas na comunidade, entretanto, os argumentos que prevalecem para a escolha de um dos candidatos são sempre ligados à administração e habilidades diante do poder público.

Dessa forma, os valores que fundamentam as ações políticas e religiosas na comunidade não se excluem, pelo contrário, juntos formam a cosmologia que dá sentido as ações cotidianas. Se há conflitos, são em relação às demandas, disputas para que haja mais atenção a determinadas práticas, como é o exemplo das rezas e dos catecismos, que a rezadeira sempre reivindica a necessidade de maior participação. No entanto, essa cobrança não vai contra os princípios da comunidade, muito pelo contrário, é recorrente os moradores afirmarem que são uma comunidade religiosa e que, graças a isso, estão hoje assentados e juntos.

34 Grande Homem é uma expressão usada por alguns moradores para se referir a Homens de negócios, honrados e bem sucedido economicamente. Eu perguntei para um nativo: o que seria um grande homem? Ele respondeu que seriam pessoas que têm um dom dado por Deus, e que desse dom dado por Deus fazem o bem. Disse-me ainda que eu seria um grande homem se usasse minha inteligência para o bem do povo, sem querer ser melhor que ninguém.

2.4. COTIDIANO PÓS-ASSENTAMENTO E RELAÇÕES DE

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