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A Castidade e sua Relação com a Temperança

No documento Elementos da ética sexual Tomista (páginas 54-57)

III. A TEMPERANÇA E SUA RELAÇÃO COM A CASTIDADE: ELEMENTOS DA SEXUALIDADE TOMISTA

2.2. A Castidade e sua Relação com a Temperança

A castidade é uma parte em essência, da própria temperança. É nomeada, por isso, de uma espécie subjetiva da temperança. Enquanto esta como virtude especial se detém nos prazeres do tato, e estes prazeres são bem mais abrangentes, como nos referimos anteriormente, pois envolve a abstinência, a bebida, a comida, entre outros. Já a castidade tem por objeto os prazeres sexuais. Vejamos o seguinte comentário sobre a castidade como parte da temperança e sua matéria: A temperança assinala o justo meio nos prazeres do tato, principalmente nos mais veementes [...] sua matéria própria [da castidade] sã os movimentos interiores do apetite, que busca o deleite carnal com paixão. Sua matéria remota, os atos físicos realizados ou realizáveis sob o regime desse impulso interior: coito, ósculos, tatos, polução, excitação de órgãos [...] Logo, é lógico admitir a existência de uma virtude chamada castidade, cujo fim é moderar as concupiscências carnais, principalmente enquanto ao coito carnal, a fim de não prejudicar à ordem racional nesta matéria. Mas não se identifica com nenhuma das espécies já conhecidas, a saber, abstinência, sobriedade (Introdução à Questão 151 In: TOMÁS DE AQUINO, 1955, p. 152).

A castidade busca refrear as concupiscências como vimos, pois elas aprisionam a razão com muito mais força que os demais vícios, diz Tomás de Aquino, falando da voluptuosidade que os instintos sexuais exercem sobre a inteligência humana. Ele diz ainda que os atos dos prazeres sexuais, uma vez consumados, tornam a alma escrava do corpo de tal forma, que o homem não consegue pensar em outra coisa no momento da relação sexual.

Por isso, os prazeres desordenados devem ser refreados com maior castigo22, pois à medida que se consente, eles crescem e simultaneamente a energia racional diminui. Em outras palavras, torna-se mais difícil de dominar.

Nesse particular, Agostinho evoca a autoridade de Cícero, que escrevendo sua obra Sobre a República, “diz serem os membros do corpo mandados como verdadeiros filhos, por estarem sempre prontos a obedecer, e serem as partes viciosas da alma verdadeiras escravas, que é preciso submeter a regime mais severo” (CÍCERO apud AGOSTINHO, 1990, p. 163, volume II). Aliás, a libido, responsável, segundo Agostinho, pela “rebelião” dos órgãos inferiores, é uma conseqüência do pecado dos primeiros pais, que passou a toda a humanidade (AGOSTINHO, 1990, p. 163, volume II). A desobediência desses órgãos à vontade humana seria justamente a pena imposta por causa da desobediência do homem ao criador (AGOSTINHO, 1990, p. 157, volume II).

Outro elemento da castidade é o pudor, ou seja, a vergonha. Diz respeito especificamente aos atos vergonhosos que um homem pode cometer, como por exemplo, ter uma atitude considerada indecorosa diante de outras pessoas. Nessa linha de raciocínio se incluem as relações sexuais. De acordo com Agostinho, a mulher, por ser mais fraca que o homem, tem a tendência maior à castidade. Lemos no apêndice do livro Dos Bens do Matrimônio:

Ela [a mulher] pode fazê-lo [ser mantida casta] mais facilmente, porque está muito mais resguardada pelo preceito da lei, pelos desvelos do marido, por temor das leis públicas e especialmente pelo próprio pudor e honestidade. As muitas defesas conseguem tornar a mulher mais casta; o homem deve ser casto pela sua própria virilidade. A mulher precisa de muitas defesas, porque é maior a sua fraqueza (AGOSTINHO, 2000, p. 72).

Numa consideração muito semelhante à do bispo de Hipona, Tomás de Aquino diz que até mesmo dentro do matrimônio pode ocorrer durante uma relação sexual, um ato de pudor. O motivo de isso acontecer é que os órgãos genitais não obedecem de pronto aos ditames da razão23.

23 Uma ótima discussão quanto a isso é apresentada por Agostinho na obra A Cidade de Deus, onde

ele diz que os homens se “escondem” no momento da relação sexual porque nesse instante sobressai a parte irracional da natureza humana, que são os apetites “concupiscíveis mais baixos”, isto é, os desejos sexuais em suas várias formas, coordenados pela libido. Ver, por exemplo, o Livro Décimo quarto, capítulo XVIII.

Assim, o pudor está mais relacionado ao que Tomás de Aquino chamou de atos externos. Esses atos são os toques libidinosos, as olhadas indecentes, as palavras obscenas, etc. coisas que podem despertar desejos lascivos, e que por sua vez, podem desencadear em relações sexuais ilícitas. Tais atos vergonhosos não existiam no estado de inocência, isto é, antes do pecado original24.

Vale lembrar que o pudor, como o classifica Tomás de Aquino, não é uma virtude em si, mas deriva da própria castidade, e serve como atitude temperante, para refrear as paixões que nascem de atos ilícitos.

A presença do pudor nos homens é resultado dos primeiros pais, segundo Tomás de Aquino, após terem pecado. Porém, é uma forma de escape que temos para não agirmos desenfreadamente. Nesse caso, apenas os seres humanos, que são dotados de razão, possuem o pudor; tal não se observa entre os animais.

24 O escritor sagrado

diz: “Ora, um e outro, o homem e sua mulher, estavam nus e não se envergonhavam”. O presente texto hebraico de Gênesis 2. 25 talvez apresente uma ligação mais forte com o pensamento agostiniano: vaihiu shneihem „arumim ha‟adam v‟ishto vl‟o itboshashu. O

verbo “envergonhar” e o substantivo “vergonha” pode significar “frustar”, pois como o hebraico é uma língua cujos substantivos e verbos muitas vezes são tomados por analogia de uma palavra que denota algo sensível, a idéia pode ser vista de forma mais clara. Isto reforçaria a tese de que os órgão inferiores não obedecem á vontade, mas à libido, o que é vergonhoso, como sugere Agostinho, na mesma obra (A Cidade de Deus).

No documento Elementos da ética sexual Tomista (páginas 54-57)