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CAPÍTULO 3: ANÁLISE DOS DADOS

3.1. A CC E SUAS RELAÇÕES COM O PTBT

3.1.1 A CC em tarefas baseadas em conteúdo significativo

A tarefa, segundo Nunan (1988, p. 11), “é um pedaço de trabalho com foco no significado que faz com que os alunos compreendam, produzam e/ou interajam na língua- alvo”53. No trecho da tarefa Quem é o cangaceiro?, os alunos listaram características sobre a personalidade dos cangaceiros. Consideramos esta como uma tarefa comunicativa, pois ela segue os princípios apontados por Barbirato (2005, p. 76): o foco recai no sentido, não há trilhos comunicativos, possui o tema como eixo, faz o aluno pensar, oferece oportunidades de uso da língua-alvo e o processo está centrado no aluno. As tarefas desenvolvidas, no material Brasilidades, foram elaboradas e organizadas possuindo como eixo norteador temas sobre alguns aspectos da cultura brasileira nas regiões do país. O conteúdo apresentado em aula deve ser relevante e motivar o aluno à produção e à interpretação de enunciados significativos na língua- alvo. No caso da tarefa Quem é o cangaceiro?, observamos que os alunos conseguem relacionar o tema a seus conhecimentos de mundo. Podemos observar esta questão no trecho a seguir:

(transcrição da aula 2012-11-14-turma 1 – 10’56’’)

Otto: És como/ é como a criminalidade. Pessoas que viajaram em Central América. Honduras, otros países (.) contaram que existem (.) agora existem criminais que vão alguma loja (.) a pessoas(.) e dizem que:: você tem que dar algum dinheiro cada mês! Algum dinheiro. E se não, a nossa organização talvez vai matar. Mas se nos dá dinheiro, nós vamos pro::teger. É um tipo de criminalidade que existe agora.

Kaleem: Existe!

Otto: Si. Me contaram pessoas que vi(.)a(.)jaram.

53 Tradução nossa para o trecho: is a piece of meaning-focused work involving learners in comprehending,

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No trecho, Otto relaciona o cangaceiro a organizações criminosas que exigem dinheiro de pessoas de comunidades mais pobres em troca de proteção familiar e individual. Apesar de a ideia não ser totalmente análoga ao que foi o cangaço, conforme discutido nas aulas, a consideração feita por Otto demonstra que o aluno foi capaz de estabelecer uma conexão sobre que está sendo estudado com seu conhecimento de mundo. A respeito do desdobramento da tarefa em conteúdos menores, Ellis (2006, p. 88) afirma que, em um planejamento baseado em tarefas, “os alunos conseguem controlar o desenvolvimento do tópico”54, assim, o tipo de conteúdo extra trazido por Otto durante a tarefa é bastante comum e produtivo nesse tipo de planejamento, pois faz com que os alunos percebam as relações do ensinado em sala de aula com o mundo fora dela. Quanto mais oportunidade de interação, mais chances os alunos têm de relacionarem seus conhecimentos ao tema da aula.

Durante o processo, o aluno tem oportunidade de desenvolver sua CC. Otto começa sua fala, ajustando a conjugação do verbo ser. Como ele possui conhecimentos de espanhol, muitas vezes apresenta interferências desta língua em sua fala. Apesar de o foco estar voltado para o significado, notamos que sua CG está ativa e que há também foco na forma quando o aluno está no processo de construção do enunciado. Podemos perceber tal cuidado quando ele diz pausadamente a palavra viajaram. Nesse momento, o aluno utiliza sua CE, caracterizada como protelação e ganho de tempo (CELCE-MURCIA; DÖRNYEI; THURRELL, 1995), para buscar em seu repertório linguístico a palavra e a conjugação adequadas para a situação. Contudo, o foco que o aluno dá para a forma é secundário e, por isso, não causa prejuízo ou quebra na comunicação.

No trecho, Kaleem demonstra conhecimento sobre como afirmações curtas são realizadas em português. Em línguas como inglês, francês e espanhol, este tipo de afirmação como em Do you travel a lot? geralmente é respondida com uma afirmativa ou negativa Yes, I do, ou No I don’t. O sim e o não são formas corriqueiras para esse tipo de pergunta. Em português, no entanto, para a mesma interrogativa Você viaja muito?, é comum utilizarmos respostas curtas somente com o verbo conjugado, como em Viajo. Muitos alunos de PLE responderiam a pergunta em português com o advérbio Sim, possivelmente influenciados por suas línguas

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maternas ou pelo provável conhecimento da língua inglesa. Otto não realizou uma pergunta direta, contudo, a lógica da resposta de Kaleem segue o padrão do português brasileiro. O aluno não utiliza esse padrão a todo o momento, mas por diversas vezes, ao longo do curso, adotou esta regra para suas respostas. Podemos observar o mesmo comportamento no seguinte trecho:

(transcrição da aula 2012-11-21-turma 1 – 1º 10’)

Sophie: Então:: eu não entendi se a polpa depois vão vender-la ou não. Kaleem: Vão! (.) Vender para cidade, eu acho que para o estado.

Isso demonstra que sua percepção sobre respostas em português brasileiro foi além da CG propriamente. Sua CS também foi utilizada, uma vez que responder com verbos conjugados para perguntas afirmativas e negativas é também um comportamento social. A oportunidade de interação e a centralidade da aula no aluno fazem com que ele produza significados na língua- alvo e consiga colocar sua CC em uso de forma contextualizada.

Barbirato (2005, p. 76) afirma que uma tarefa deve oferecer oportunidade de reentrada de insumo e pensamento. Podemos observar que as reentradas em um PTBT são possíveis, pois o conteúdo age como eixo organizador das tarefas, conforme observamos a seguir. Ainda na tarefa Quem é o cangaceiro?, Kaleem e Otto produzem o seguinte trecho sobre as características dos cangaceiros:

(transcrição da aula 2012-11-14-turma 1 – 08’05’’)

Kaleem: Ele tem um rei. Um rei, né. Ele robe depois para rei. Entendeu? Otto: Rei?

Kaleem: Rei! King. King (.) rei. Otto: Lei? King. Hã (.) rei.

Kaleem: Rei. Ele tem um rei? (perguntando para professora) PP: Esse:: você tá falando que tem um rei do cangaço? Kaleem: Sim.

PP: Que que você acha Otto?

Otto: No se. Talv/talvez havia um chefe? PP: É:: num tem um rei, mas tem um líder. Otto: Um líder!

PP: Porque não é UM cangaceiro. São vários grupos de cangaceiros espalhados pelo sertão.

Otto não consegue compreender quando Kaleem diz rei, pois a pronúncia do r inicial de Kaleem sai próximo do som de l. A professora negocia a forma e o conteúdo com os alunos, ao

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explicar que os cangaceiros possuíam um líder. A negociação da forma ocorre pela explicação do item lexical líder. A negociação do conteúdo ocorre quando a professora afirma que os cangaceiros possuíam líderes, Posteriormente, Houkola e Sophie, que realizavam a tarefa separadas do primeiro grupo, apresentam seu resultado para a sala. As alunas queriam dizer que os cangaceiros eram solitários, entretanto ficaram com dúvida do vocabulário apropriado e negociam a forma com a professora:

(transcrição da aula 2012-11-14-turma 1 – 12’51’’) Sophie: Você pode falar solitário?

PP.: Solitários? Sim! (...) Eles são solitários porque eles são pessoas muito fechadas. Não tem uma boa convivência social. Mas o cangaceiro, ele nunca anda sozinho. Ele anda sempre em bandos. Então, no nordeste, você tinha vá::rios (.) bandos de cangaceiro e cada bando tinha um/ Kaleem: Chefe!

Otto: Líder.

PP: Isso. chefe, líder.

Quando Kaleem e Otto percebem os vocabulários cabíveis para o final da sentença da professora, completam o discurso com as palavras chefe e líder, demonstrando que os alunos conseguiram retomar a negociação que haviam realizado com a professora na fase da tarefa. A reentrada de insumo ocorre por meio de discursos contextualizados. Diferentemente do ensino tradicional que apresenta palavras e frases descontextualizadas, o PTBT pode oferecer ambientes favoráveis para o aluno adquirir vocabulário de forma contextualizada para elaborar insumo significativo (LARSEN-FREEMAN, 2000, p. 140). Apesar de o momento de apresentação de resultados ser de Sophie e Houkola, Otto e Kaleem demonstram ter desenvolvido sua CG em relação às palavras líder e chefe, pois conseguiram reconhecer um contexto de uso para utilizá- las. Ainda, ao completarem a sentença, mostraram ter compreendido o conteúdo em questão.

A reentrada de insumo ocorre por vários meios em um PTBT. Ela acontece quando o professor ensina o conteúdo, por exemplo, no subtema nordeste deste material, em que palavras como seca, migração, irrigação, gado, política, sertanejo estão a todo o momento em evidência. Ela também acontece quando o próprio aluno relembra estruturas, vocabulários, conceitos e histórias e os recupera no momento da aula. No movimento de reentrada de insumo, percebemos que não é somente a CG do aluno que se desenvolve, mas também, diversos componentes da CC. No caso anterior, observamos que o processo para que os alunos compreendessem os

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vocabulários em questão (líder e chefe) advêm do uso da CE de Kaleem em negociar a forma com a professora para posteriormente retomá-la em contexto similar ao que havia utilizado em sua tarefa. A aquisição de vocabulários em um PTBT também pode auxiliar no processo de desenvolvimento da CS dos alunos. Um exemplo é quando o aluno aprende a palavra sertanejo, pois ele compreende também a estrutura social que envolve o vocábulo.

A retomada do insumo não ocorre somente no nível linguístico, mas também a partir do próprio conteúdo, como observamos no trecho a seguir:

(transcrição da aula 2013-06-14-turma 2 – 25’11’’)

PP: eles mantiveram o alemão:: o Itália::no o polonês o libanês o japonês e daí eu queria lembrAr vocês:: (.) a Zane não vai lembrar mas a Chiara vai, por causa do começo de curso (.) nesse texto aqui (.) lembra que uma das línguas oficiais do Brasil tem um lugar, aqui no sul::

Chiara: é o alemão

Mesmo estando próximo ao final do curso, Chiara consegue retomar conceitos discutidos nas primeiras aulas. Concordamos com Barbirato (2005, p. 149) que aponta a retomada de insumo como fator positivo para aquisição de uma LE. Da mesma forma, entendemos que, em um planejamento temático, a reentrada do conteúdo pode favorecer a aquisição da língua e a aquisição de conhecimentos significativos para os alunos.

Elaboramos a figura abaixo para ilustrarmos a importância do insumo contextualizado para o desenvolvimento da CG dos alunos:

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Os pontos da figura anterior representam a entrada de insumo. As conexões estabelecidas entre insumos em um ensino tradicional são geralmente descontextualizadas e nem sempre é possível estabelecer conexões com outras entradas. A visibilidade do insumo é baixa, por isso está representada em um meio opaco. Já em um PTBT, a reentrada de insumo ocorre por meio do tema, que possibilita ao aluno estabelecer conexões desde o início do curso até o final, por exemplo, quando Chiara se lembra do alemão como língua oficial em uma cidade no Brasil. O insumo descontextualizado age pontualmente na CG do aluno. Ao ensinar um vocabulário, o aluno nem sempre o relaciona com outras dimensões da comunicação, como com a dimensão social. O PTBT apresenta o conteúdo de forma contextualizada com tarefas que oferecem oportunidade de interação para os alunos. Deste modo, representamos o insumo no PTBT mais nítido do que no ensino tradicional, pois há maior visibilidade das estruturas e de suas relações que elas estabelecem. Por isso, associamos a CG ao desenvolvimento da CD, pois a construção do discurso é o fim de se compreender a estrutura e também a associamos à CS, uma vez que o contexto pode trazer questões de ordem sociolinguísticas.

Assim, percebemos que a construção de discursos contextualizados que consideram a dimensão social em sua elaboração pode facilitar o aprendizado do sistema linguístico e trazer vantagens para o desenvolvimento da CC dos alunos.

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