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CAPÍTULO 3 – CONSTRUÇÃO DA ANÁLISE DISCURSIVA

3.5 A censura e o silêncio local

De acordo com a teoria de Orlandi (2007), o silêncio local está diretamente relacionado à política da censura. Segundo a mesma autora (p. 69), “o silencio não são palavras silenciadas que se guardam no segredo sem dizer. O silêncio guarda um outro segredo que o movimento das palavras não atinge”. Podemos, então, compreender que a censura funciona como o lado da repressão, visto que proibindo certas palavras, se proíbem certos sentidos.

Desde o início da ditadura, que a censura foi instalada e foi mais intensificada após o AI-5, em 1968. Foi nesse período que os opositores ao regime começaram a atuar na clandestinidade. Com a forte crise econômica por que passava o país, o governo falava que iria melhorar a situação do país por meio do “Milagre Brasileiro” e travou uma verdadeira guerra contra o comunismo, como descrito por Laura Marques:

SD15: [...] o Exército falava no “Milagre Brasileiro”, que ia fazer o “Milagre

Brasileiro”, que ia resolver o problema do Brasil e por conta disso falava que precisava afastar o inimigo. O inimigo seria o comunismo. Então, na época o mundo era bipolar, o mundo era dividido em comunismo e capitalismo [...] Portanto, qualquer crítica, qualquer comportamento que o Exército achasse diferente era motivo para prender (MARQUES, 2011, p. 33).

Vale a pena frisar que poucos brasileiros (entre militantes e militares), naquela época, sabiam o que de fato era o Comunismo. Laura afirma: qualquer crítica, qualquer

apenas discordar da situação que era denominado de comunista e já havia motivo para prender. Foram inúmeras as prisões que se sucederam por todo o país. O comunismo, conforme dito no SD acima, era o inimigo número um do país. Era necessário extirpá-lo, apagar sua sombra e, para isto, era preciso localizar todos os indícios de comunismo: “livros vermelhos”, disseminadores de ideias socialistas, movimentos de esquerda, diretórios estudantis, sindicatos de trabalhadores e assim por diante. O “milagre brasileiro” dependia da eficácia dos militares em acabar com os focos de ideias anticapitalistas.

Após o AI-5, instaurou-se a censura e muitos militantes optaram por ficar na clandestinidade, pois com esse Ato a repressão ficou mais forte e as perseguições políticas se intensificaram:

SD16 : 1969 e 1970 o movimento ficou na clandestinidade, mas não significa dizer

que não paramos não, porque já estávamos militando no partido e a nossa luta era pela redemocratização do país. Os outros mais radicais, mais revoltados... e aí vocês sabem, tudo era muito censurado e muita gente morreu nessa época em confronto com a política (MARQUES, 2011, p. 34).

Neste segmento, observamos que o silenciamento dos militantes se dá apenas de forma superficial. Segundo o dicionário Michaelis30, o termo “clandestino” significa planejado ou

realizado em segredo, o que inferimos que seu significado já tem o sentido de organização e

articulação. Dito de outra forma, os movimentos de oposição continuaram ativos, mas o medo de novas prisões fez com eles recuassem da frente de luta e partissem para resistência em segredo.

Outro ponto nesse segmento discursivo que vale a pena destacar é o fato de ela caracterizar os outros grupos como radicais e revoltados, ou seja, por não apoiar a luta armada, eles utilizavam o discurso e a força da manifestação popular como meio de resistência. Ela também se coloca do lado oposto a esses grupos que partiam para o confronto direto com a polícia. No SD14 podemos verificar também a frase tudo era muito censurado, ou seja, essa frase justifica o fato de eles estarem na clandestinidade, pois não apenas os que contrariavam o regime, mas qualquer tipo de organização, qualquer movimento já era censurado.

A censura à imprensa foi amplamente utilizada para que fossem publicadas apenas notícias autorizadas pelo exército, segundo Ibarê Dantas (2014), suas sedes passaram a ser frequentadas por agentes das forças repressivas, e os jornais de oposição, que insistiam em denunciar os crimes da ditadura, eram proibidos de vender seus exemplares.

Um exemplo desse silenciamento midiático é a Operação Cajueiro, que aconteceu em fevereiro de 1976. O objetivo dessa operação foi acabar com o partido comunista, de modo que, segundo Dantas (2014), foram presas cerca de trinta pessoas em Sergipe, sem nenhuma justificativa do crime cometido. As mulheres que já estavam se organizando eram quem denunciavam as prisões arbitrárias, uma vez que os jornais ocultavam as notícias. Conforme constatamos no relato de Antônio Gois31:

SD17: Naturalmente que durante as prisões, as famílias todas se mobilizavam,

principalmente nos movimentos encabeçados pelas mulheres, que tentavam conversar com as autoridades, com o comando do 28º BC, para entender o porquê seus maridos estavam sendo presos, não conseguiam muitas respostas. Daí foi feito o que era possível naquele momento, porque nem se quer a imprensa daqui noticiavam as prisões (GOIS 2011 apud VIEIRA, 2015, p. 79).

Poucas foram as colunas nos jornais que abordaram a luta das mulheres. Entretanto, os jornais não silenciavam apenas os movimentos femininos, mas, sim, qualquer informação que contrariasse o regime autoritário, conforme afirma o economista: porque nem se quer a

imprensa daqui noticiavam as prisões. Com a censura decretada pela ditadura, os jornais

levavam ao público apenas o que era conveniente, publicando discursos ligados a seus propósitos político-ideológicos, embora passassem a ilusão de neutralidade e objetividade.

Dentre os jornais que circulavam, em Aracaju, na época da Operação Cajueiro, temos apenas o acervo do Jornal da Cidade, e analisando seus exemplares dos dias posteriores à operação constatamos que não saiu nenhuma nota abordando o tema:

Figura 9: Capas do Jornal da Cidade após a Operação cajueiros em 1976

Fonte: Acervo jornais de Sergipe 32

As capas acima correspondem aos dias 21/02/1976, 22 e 23/02/1976 e 25/02/1976, respectivamente. É interessante observar que todas trazem como manchete principal a atuação da polícia no estado, com o intuito de passar para a população de que era divulgada toda ação da polícia. Entretanto, nenhuma nota aborda a questão das prisões arbitrárias da Operação Cajueiro, mesmo tendo envolvido figuras importantes na sociedade, a exemplo do então Deputado Estadual Jackson Barreto.