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A CENTRALIDADE DO EMPRESARIADO EMPIRICAMENTE DESVANECIDA

3 ANÁLISES QUANTITATIVAS E RESULTADOS PARCIAIS

3.1 A CENTRALIDADE DO EMPRESARIADO EMPIRICAMENTE DESVANECIDA

com P&D cuja origem dos financiamentos deriva de empresas (eixo x), e a quantidade de países categorizados em uma mesma faixa percentual dos gastos (eixo y). A média total da amostra é de aproximadamente um terço (30,99%) de financiamentos em P&D realizados por empresas, contudo ressalta-se que não há uma distinção entre empresas de capital privado ou estatal nesta variável53. Os outros dois terços, além de instituições privadas sem fins lucrativos, advêm em sua maioria de gastos diretos do Governo ou de Instituições de Ensino Superior. Nota-se que, além da média baixa, também ocorre uma grande frequência de países dentro das menores faixas percentuais de gastos em P&D nesse segmento em específico (representada pela primeira barra da esquerda para direita). A quantidade de países nessa faixa percentual de gastos excede como nenhuma outra a curva de Gauss que estabeleceria a distribuição normal.

53 A UIS.Stat originalmente conceituou essa variável como GERD - Financed By business Enterprise (%), onde GERD seria a abreviação para Gross Domestic Expenditure on R&D. Logo, segundo a instituição o setor empresarial compreende todas as empresas residentes, incluindo não apenas empresas legalmente constituídas e independentemente da residência dos seus acionistas. Este grupo inclui também todos os outros tipos de quase- sociedades, ou seja, unidades capazes de gerar lucro ou outros ganhos financeiros para seus proprietários, reconhecidos por lei como entidades legais separadas de seus proprietários, e estabelecidos para fins de participação na produção de mercado a preços que são economicamente significativos. Além disso, todas as instituições residentes sem fins lucrativos que são produtores no mercado de bens ou serviços ou servem como negócios.

Gráfico 1: Histograma sobre Gasto em P&D financiada por empresas

Fonte: o autor (2020), a partir de dados extraídos de UNESCO/ Uis.Stat

O que seria concebido como uma anomalia quanto à participação de empresas em gastos com P&D, na verdade reflete uma regularidade da atividade empresarial na maior parte dos países em nível internacional. Esse padrão expõe o baixo financiamento em P&D por empresas em uma considerável amostra de regiões. Poder-se-ia estimar que essa regularidade é ainda mais acentuada caso distinguíssemos se as fontes fossem de capital privado ou estatal, pois há fortes indícios de uma sobrerrepresentação de empresas estatais ou subsídios governamentais nesta amostra. Neste sentido, os dados relativos à China, por exemplo, levantam a hipótese anteriormente apresentada, pois a participação empresarial com gastos deste país é de 74,35%. Considerando a literatura sobre a participação de capital privado e estatal nos empreendimentos da economia chinesa, pode-se estimar e estender a sub- representação do capital privado em P&D para muitos outros casos.

Destaca-se que a literatura que estuda a inovação e a produção de C&T no mundo, em sua grande maioria, pressupõe que o comportamento do setor privado e empresarial na periferia do capitalismo seja um fenômeno desviante da normalidade. Esse argumento advém

tanto de pesquisadores favoráveis a uma política científica de inovação centrada no empresariado quanto aos críticos desta. Se fosse tomar esse comportamento na expectativa que os dados acompanhassem a curva de Gauss, o argumento se sustentaria. Entretanto, a distribuição dos dados denota um universo muito mais caótico do que o imaginado pelos pesquisadores da temática em questão. Isso ocorre porque a periferia do capitalismo compõe um número muito maior de países e consequentemente concerne uma maior parcela da sociedade global. Não obstante, são raros os trabalhos que executam esse tipo de constatação e não tratam a periferia do capitalismo como casos desviantes da normalidade.

Uma explicação plausível para a permanência desta lógica consiste no fato da desconsideração de estudos sistemáticos referentes aos países periféricos. Em estudos econométricos sobre a relação de substituição ou complementação sobre investimentos públicos em P&D no setor privado, David et al (2000) demonstraram divergências analíticas quanto às suas conclusões fundamentadas, sobretudo se os estudos eram referentes somente em dados estadunidenses ou de outra origem54. As diferenças intrínsecas aos bancos de dados que os autores perceberam podem ser estendidas à maior parte dos estudos comparados de econometria em P&D, visto que tanto as publicações analisadas por David et al (2000) como a maior parte dos estudos na temática concentram-se fundamentalmente em dados de países pertencentes à OCDE. Logo, o pressuposto que o empresariado tende a investir muito em P&D consiste em uma peculiaridade de análises pautadas somente em poucos casos de países e com padrões muito similares entre eles. Quando se analisa a origem dos financiamentos com valores nominais, devidamente convertidos para uma moeda com paridade de poder de compra, a dicotomia entre esses valores se desvanece na maior parte dos casos. Seguindo essa lógica, podemos verificar mais detalhadamente a relação entre esses valores nominais com sua origem no Gráfico 2:

54 Ver: David A. and B. Hall, and A. Toole, 2000, Is public R&D a complement or substitute for private R&D? A review of the econometric evidence, Research Policy, 29(4-5), pp. 497-529.

Gráfico 2: Relação entre gastos empresariais e governamentais em P&D55

Fonte: o autor (2020), a partir de dados extraídos de UNESCO/ Uis.Stat

O Gráfico 2 exibe a relação entre gastos com P&D financiadas por empresas e com origens governamentais partindo de uma conversão de moeda com Paridade de Poder de Compra (PPC). Observa-se que não há nenhuma tendência auto excludente como uma dicotomia entre investimentos empresariais e governamentais. Em significativa parte da amostra os resultados são complementares e não inversamente proporcionais. China e Estados Unidos são os casos que mais se distanciam da amostra, ambos os valores gastos de origem governamental e empresarial são significativamente superiores aos outros países analisados. Além da primazia de investimentos em P&D entre as duas potências, também se percebe que os valores financiados por empresas nesses dois casos correspondem a maiores gastos governamentais. Quanto ao resto da amostra, o dispêndio com P&D por empresas e de origem governamental oscilam na mesma magnitude ou faixa. Também se reforça o fato que a origem empresarial não se refere somente à empresas de capital privado, mas também à empresas estatais, como no caso chinês. Além disso, podemos supor fortes políticas de subsídios

55 Dados extraídos da Uis.Stat (UNESCO). Os valores nominais estão classificados como PPP (Purchase Power Parity) ou Paridade de Poder de Compra (PPC). Logo, a taxa de câmbio foi convertida para dólares estadunidenses, equalizada de modo a eliminar as diferenças entre níveis de preços dos países. Sendo assim, os valores refletem apenas a diferença entre os volumes de bens e serviços adquiridos (ou que possam ser adquiridos) desses países.

governamentais às empresas privadas que estariam, portanto, corroborando para paridade na magnitude dos gastos em ambas variáveis analisadas.

Gráfico 3: Relação entre percentual do PIB gasto em P&D e financiamento por empresas

Fonte: o autor (2020), a partir de dados extraídos de UNESCO/ Uis.Stat

Já no Gráfico 3, encontramos um gráfico onde cruza-se o gasto total em P&D em um país (expresso como percentual do PIB) e a mesma variável analisada anteriormente referente à participação de financiamentos com origem empresarial. Apesar de não ser possível fazer nenhuma inferência quanto causa e efeito dentre essas variáveis, a correlação fortalece as hipóteses de correspondência entre os valores governamentais e estatais serem proporcionais ou de magnitudes semelhantes em um mesmo país. Essa correlação torna-se mais evidente a partir dos gastos em P&D somarem mais de 2% do PIB, onde os níveis de participação de financiamento por empresas giram em média a 40% e 65%. Somente há dois casos que exibem valores maiores que 2% dos gastos do PIB com P&D e ainda possuem participação de financiamentos em P&D por empresas inferiores a faixa de 40%, cujo motivo ainda desconhecemos. Contudo, independente da ordem dos fatores, países com alta participação empresarial em P&D tendem a ser os mesmos países com os maiores gastos em P&D

usualmente. Isso não significa dizer que aumentar a presença do empresariado em P&D necessariamente implica em mais P&D, ou que os subsídios governamentais têm um efeito multiplicador no dispêndio do empresariado em P&D. Aqui, somente podemos afirmar que os valores retratam uma realidade onde o percentual de P&D financiado por empresas acompanha a magnitude dos gastos totais com P&D em um determinado país. Todavia, partindo dessas últimas constatações, podemos correlacionar a variável de participação de P&D financiada por empresas com outros indicadores socioeconômicos, não somente tendo em vista o que essa variável representa, mas sobretudo pensando que os níveis totais de gastos em P&D lhe acompanham proporcionalmente. Portanto, nas próximas análises podemos inferir que, para além do percentual de gastos empresariais em P&D, estamos também averiguando os níveis gerais de gastos e investimentos em P&D em uma determinada região.