CAPITULO I DA CIDADANIA À SAÚDE
I.1 PERCURSOS HISTÓRICOS DA CIDADANIA
I.1.9 A CIDADANIA E A SAÚDE
Em Saúde, o tema da Cidadania assume particular destaque após o reconhecimento, em 1978, do “direito e dever das populações em participar individual e coletivamente no planeamento e prestação dos seus cuidados de Saúde” (WHO e Unicef, 1978). Mas falar de Cidadania em Saúde presume um conjunto de conceitos, de atitudes e de ações a vários níveis.
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O documento da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económico (OCDE), Citizen as Partners, descreve quatro ferramentas para o envolvimento do Cidadão na Saúde, que podem ser utilizadas na forma de recomendações, propostas políticas e cooperação entre a decisão política e a implementação, a saber:
Constituição de grupos de trabalho de forma que se possa atuar publicamente e utilizar as oportunidades para envolver um leque mais alargado da população;
Visão participativa através da combinação de instrumentos de participação e consulta para envolvimento dos Cidadãos numa discussão ativa sobre as opções políticas para que as suas opiniões sejam tomadas em conta aquando da formulação de políticas;
Constituição de um fórum de Cidadãos através da ampla representação de representantes da sociedade civil em torno de uma área política específica ou problema de forma a deliberar e cooperar, desenvolver propostas de políticas, bem como envolver um maior número de Cidadãos;
Desenvolvimento de processos de diálogo de forma a envolver diretamente um amplo grupo de Cidadãos na formulação de políticas em que as estruturas criadas podem também ser utilizadas para a participação ativa.16 (OECD, 2001:62-63)
Os conceitos de Cidadania em Saúde têm sido amplamente discutidos e têm evoluído ao longo das últimas décadas e hoje observa-se uma tendência para abordagens mais amplas do conceito de Cidadania em Saúde, em que se coloca o ónus no conceito de empowerment, o qual a OMS, em 1998, define como “um processo pelo qual os indivíduos ganham controlo sobre as decisões e ações que afetam a sua Saúde (WHO, 1998: 6).
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Em Portugal, este processo de diálogo em Saúde pode ser exemplificado com a realização do Fórum Nacional de Saúde, em que a 3ª e última edição decorreu em março de 2010 com o objetivo de debater com todos os sectores da sociedade as prioridades do PNS 2011-16 e a evolução do PNS 2004-2010.
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Conforme refere Vítor Ramos, no artigo de opinião Cidadania em Saúde: um
modo de ver, de estar e de agir (2010), num contributo dado ao primeiro número do Boletim pensar Saúde, a Cidadania em Saúde depende de aspetos comuns e
específicos de acordo com os papéis que cada Cidadão assume a determinado momento, quer sejam de cariz político, de utilizador do serviço de Saúde, profissional de Saúde, gestor de serviços, fornecedor de bens e serviços ao sistema de Saúde.
Ramos identifica, neste âmbito, um conjunto de direitos-deveres essenciais, particularmente: o direito a ser reconhecido como indivíduo e o dever de reconhecer a mesma qualidade nos outros; o direito de respeito pela autonomia e dignidade e o dever de os respeitar em si e nos outros; o direito a ser informado e o dever de informar; o direito de receber cuidados de qualidade e rigor e o dever de retribuir na medida do seu alcance a si e aos outros; o direito a ter responsabilidade por parte dos serviços de Saúde e seus e profissionais e o dever de se comprometer por si e pelos outros naquilo que possa influenciar e controlar.
De acordo com Ramos, estes direitos-deveres retratam um quadro de referência para a Cidadania em Saúde assente em “5 r” – “reconhecimento, respeito, respostas adequadas, rigor e responsabilidade” – princípios que segundo o autor se aplicam a todos os Cidadãos.
Ou seja, se por um lado se espera que os serviços de Saúde e os seus profissionais devem procurar “reconhecer, respeitar e responder o melhor possível às necessidades e expectativas dos seus utilizadores” de forma a os “envolver e facilitar a sua participação”, por outro, compreende-se que cabe ao utilizador dos cuidados de Saúde “informar-se, capacitar-se, respeitar, cuidar e promover a sua própria Saúde”, ao que acrescenta que este, individualmente ou em grupo, deve exigir “participar e influenciar o desenvolvimento do seu sistema de Saúde” (idem).
No entanto, podemos identificar três importantes princípios do conceito de Cidadania em Saúde que ajudarão a identificar mecanismos a desenvolver para melhorar o sentimento de pertença a uma comunidade, que atribui direitos e deveres iguais a todos os Cidadãos, mais particularmente quando se refere ao direito à Saúde.
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Com base no documento Cidadania e Saúde. Um caminho a percorrer (Ramos, Gonçalves, Cerqueira, 2010) apresentado para discussão da formulação do Plano Nacional de Saúde 2012-2016, identificam-se como princípios do conceito de Cidadania em Saúde: a literacia, capacitação e empowerment em Saúde (necessidade de desenvolvimento de programas de educação em Saúde para uma maior participação do Cidadão na sua Saúde); humanização (dos serviços, das relações entre os profissionais de Saúde e os utentes dos serviço, melhorar a comunicação médico- doente); o combate ao desperdício (no sentido em que apesar de existirem diversos projetos e programas que procuram melhorar o exercício da Cidadania em, estes encontram-se dispersos, sem qualquer estratégia que possibilite a sua integração).
Dito isto, reconhece-se que as reformas em Saúde que visam o Cidadão devem ser pensadas e vistas como um esforço a ter em conta no desenvolvimento de formação, educação e reforço da confiança do Cidadão nas suas capacidades. Trata-se de permitir que este sinta que seus direitos estão devidamente cumpridos e de relembrar o Cidadão de que este também tem deveres para com a sociedade.
A melhoria da literacia, tal como conclui o documento citado, é visto como “um projeto urgente, global e geracional”, com necessidade de intervenção dos diversos atores e setores (políticos, institucionais e civis) de forma integrada e estratégica, com visão para o futuro.
É pois, por isso, que Cidadania em Saúde, deve ser pensada como uma interação de interesses com um mesmo objetivo: “Criar condições para que o Cidadão, ou o doente em particular, se aproprie do seu legítimo espaço e assuma a suas responsabilidades” (Ramos, Gonçalves, Cerqueira, 2010:48).
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