• Nenhum resultado encontrado

Capítulo 2 Privatizações da Infraestrutura territorial no Brasil e os

2.4 A cidade de São Paulo: metrópole informacional e corporativa

Para exemplificar algumas decorrências possíveis diante da concessão analisamos brevemente a cidade de São Paulo.

No livro de 1990, “metrópole corporativa e fragmentada: o caso de São Paulo”, Santos analisa, a partir de suas pesquisas, que a estruturação e organização do espaço urbano da cidade de São Paulo reflete a maneira pela qual o poder público realiza a gestão da cidade, sempre atrelado aos interesses do capital privado. São Paulo tornou-se, assim, uma cidade corporativa que se fragmenta em espaços diferenciados, sempre reservando as melhores porções do espaço às corporações e as piores porções às pessoas mais pobres.

Passados mais de vinte anos da publicação da obra supracitada, as evidencias não mostram que houveram mudanças nesses aspectos da urbanização corporativa da cidade. Pelo contrário, São Paulo torna-se mais informacional e mais desigual.

Mantendo as atividades mais avançadas, como vimos, a cidade de São Paulo desenvolveu sua centralidade26 abrigando a indústria em setores de vanguarda e os serviços mais avançados ligados à informação (finanças, propaganda, marketing, planejamento e consultoria) tornando-se nó da rede mundial de cidades. Assim, a cidade, por suas rugosidades27, seu dinamismo econômico e sua complexa divisão do trabalho, recebeu as atividades relacionadas ao circuito superior da economia urbana da fase atual de mundialização do capitalismo: a globalização. Ela concentrou as atividades do setor quaternário da economia; dando início à formação da metrópole informacional.

A metrópole informacional (Santos, 2005; Silva, 2001), tornou-se onipresente, impondo seu tempo e sua racionalidade ao restante do território. Agora mundial, passa a comandar o território nacional a partir do pensamento único global, controlando a variável chave do momento: a produção da informação. O controle da informação torna-se, assim, cada vez mais estratégico na produção, apropriação e gestão do excedente. Por meio do controle da informação, isto é, de sua produção, seu tratamento e sua transmissão, demandando tecnologias sofisticadas específicas a serviços de interesses particulares se perfazem as estratégias de acumulação.

A produção e o controle da informação re-hierarquizam, hoje, a cidade de São Paulo, tornando ainda mais seletivo e corporativo o uso do território brasileiro. Como afirma Silva (2001, p. 100), a informação “na posição de variável-chave, fornece coesão

material ao novo período e, por isso, reformula a divisão do trabalho e a cooperação”.

As grandes empresas de informação e alta tecnologia, configuradas dentro desses circuitos informacionais, têm em São Paulo abrigo para se desenvolverem. Como já destacado, o setor quaternário da economia se instala em pontos do território onde as

26 “A principal contribuição do conceito de centralização para a interpretação do urbano é que a gestão empresarial dos grupos econômicos e das grandes empresas em rede priorizam a metrópole e, no caso brasileiro, prioriza a metrópole de São Paulo. É no exercício da função central da metrópole, que é de controle do capital, que se adensam os serviços produtivos, os serviços voltados às empresas, muitas vezes denominados de serviços avançados” (LENCIONI, 2008 p. 14)

27 O espaço é preenchido de objetos fixos, dos quais derivam fluxos que, controlados pelas ações dos homens, cumprem papéis de articuladores da vida social no espaço geográfico. Esses objetos fixos cristalizam-se no território e são passados de tempos em tempos a gerações futuras, carregando, em si, as

rugosidades, materializadas em uma base técnica, uma tecnosfera, apresentam maior desenvolvimento.

Segundo SILVA (2009, p. 11),

“O rompimento das múltiplas ordens locais com a mundialização do capitalismo, forjou um planeta em reconstrução permanente. Plásticas, as redes globais seguem sua trama em busca de lucro e a custas de uma quantidade infinita de informações. Os territórios onde se instalam são objetos de eximia avaliação sendo, em seguida, convidados a uma informatização na forma de novos objetos e novas ações”

Um traço claro deste período e processos assinalados é o arranjo de um novo centro informacional. Constituído de prédios inteligentes, onde se instalam os principais escritórios das empresas de consultoria globais, vemos despontar um marco desta nova fase da cidade. Segundo ALMEIDA (2005, p. 7),

“O principal núcleo de edifícios de escritórios em São Paulo era até a década de1970, a região Central da cidade. A partir de então, o mercado de escritórios em São Paulo rumou no sentido sudoeste, na busca de terrenos disponíveis para a implantação de novos pólos de escritórios, criando-se as três principais regiões da cidade: Centro, Paulista e Marginal, nesta ordem cronológica.”

O estudo de Silva e Castillo (2007) mostra que, em 1970, 54% das maiores empresas com escritórios na capital paulista encontravam-se na região do centro antigo, 14% na avenida paulista e 11% na região da Marginal Pinheiros. Confirmando a dinâmica de mudança do centro, em 1998, essas empresas possuem 41% de seus escritórios na região da Marginal Pinheiros, 21% na avenida Paulista e apenas 18% no centro antigo.

A cidade se moldou nas três últimas décadas para o recebimento, com maior eficácia, das empresas de informação responsáveis pela gestão do capital, a partir do centro de serviços superiores no território – que comanda e impõe o meio técnico-científico- informacional a todos os fragmentos do território nacional. Confirma-se a proposição de

SANTOS (1999, p. 191), segundo ele “A informação é o vetor fundamental do processo social e os territórios são, desse modo, equipados para facilitar a sua circulação”.

Frise-se: este processo se dá de forma vertical. Portanto, a concentração dos serviços superiores da economia urbana na cidade de São Paulo é fruto do papel de comando da cidade na rede urbana do território brasileiro. É por meio da concentração técnica, situada na capital paulista, que as ordens se dão para o restante do território. Isso porque, destaca-se mais uma vez, o meio técnico-científico-informacional não se instala em todos os lugares, ainda que comande todo o território.

A informação, com seu poder articulador, acaba por moldar as áreas de influência das cidades. Ao analisarmos os dados sobre as empresas de consultoria e os serviços superiores da economia, podemos notar sua tendência à concentração em alguns pontos do território. E a cidade de São Paulo, ponto de comando, destaca-se notavelmente como abrigo desses setores.

Tabela 16 - Número de ocupações Envolvendo as Atividades de Consultoria

Ano 1995 2000 2005

Brasil 282135 362031 365477

São Paulo 131277 163099 155384

Região Metropolitana de São Paulo 94158 126614 123259

Região Metropolitana de Campinas 5191 6224 5978

Fonte: RAIS, 2008

A análise dos dados é salutar como exemplo da polarização em relação aos serviços. Se excluirmos a cidade de São Paulo, a RMSP concentra cerca de 30% de ocupações envolvendo atividades de consultoria no Brasil e a região metropolitana de Campinas cerca de 15%. No entanto, ao levarmos em consideração a cidade de São Paulo, o número é surpreendente: cerca de 50% destas atividades estão na cidade de São Paulo.

Por tudo isso não há dúvidas que São Paulo é uma cidade corporativa. Inserida nesse contexto, a concessão do aeroporto de Guarulhos terá efeito multiplicador das relações corporativas no interior da cidade. As corporações e o Estado agindo em conjunto

organizam a espoliação dos aeroportos enquanto a população permanece imóvel dentro da cidade.

“Dentro da mesma aglomeração, criam-se um circuito de transporte privilegiado e o tempo social conhece uma nova escala, superpostas às já existentes. Enquanto a maioria da população é quase imóvel, alguns privilegiados se tornam ainda mais fluídos. Às preocupações com a segurança dos altos executivos, somam-se as dificuldades de circulação de automóvel, em ruas e avenidas engarrafadas” (SANTOS e SILVEIRA, 2001 p. 58).

A cidade mais corporativa é excludente e predatória com os mais pobres. Segundo Santos (1990, p.94), “na cidade corporativa, o essencial do esforço de equipamento é primeiramente feito para o serviço das empresas hegemônicas; o que porventura interessa às demais empresas e ao grosso da população é praticamente residual na elaboração dos orçamentos públicos. Isso obedece à mais estrita racionalidade capitalista, em nome do aumento do produto nacional, da capacidade de exportações e etc”.

A concessão do aeroporto deverá, como é recorrente, requisitar aportes de infraestrutura na cidade nos pedaços da cidade que melhor atender suas demandas.

“Desse modo, o processo de urbanização corporativa se impõe à vida urbana como um todo, mas como processo contraditório, opondo parcelas da cidade, frações da população, formas concretas de produção, modos de vida, comportamentos. Há oposição e complementaridade, mas os aspectos corporativos da vida urbana tendem a prevalecer sobre as formas precedentes das relações externas e internas da cidade, mesmo quando essas formas prévias, chamadas tradicionais, de realização econômica e social interessam a população mais numerosa e a áreas mais vastas. A lógica dominante, entretanto, é, agora, a da urbanização corporativa e da cidade corporativa” (SANTOS, 2005b p. 122).

Esse é ponto nervoso dos processos hora em curso no território brasileiro. Sob a lógica das corporações torna-se o território paulistano mais desigual e fragmentado, espoliando os mais pobres do direito à cidade.

2.5 A concessão dos principais aeroportos no Brasil: uma nova norma da mesma