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4.1 DIMENSÃO SINGULAR

4.1.2 A CIPESC ® como instrumento do processo de trabalho do enfermeiro

Verificou-se que os participantes da pesquisa não tinham conhecimento sobre o inventário vocabular CIPESC® antes da implantação do sistema informatizado no município. Além disso, a não obrigatoriedade de uso da CIPESC® no atendimento de enfermagem também favoreceu que o uso desse instrumento estivesse condicionado à curiosidade dos enfermeiros, como salientam as falas abaixo:

[...] Todo mundo aqui, quem usou, usou mais como curiosidade. Em nenhum momento foi colocado para que nós utilizássemos como rotina, que nós incorporássemos isso na consulta mesmo, para que nós pudéssemos fazer avaliações depois (G3-E1).

[...] Não é obrigatório. É possível salvar a consulta sem que seja preciso colocar a CIPESC (G2-E2).

Quanto ao uso da CIPESC® no software disponível, os enfermeiros relataram que o respectivo campo encontra-se ao lado do campo destinado ao preenchimento dos dados obtidos na entrevista e exame físico. Dessa forma, as participantes procuram utilizar a CIPESC® a partir dos sinais e sintomas reconhecidos durante a consulta de enfermagem com o intuito de classificar a situação do usuário, como exemplifica a fala abaixo:

[...] Nós utilizamos a CIPESC nas consultas de enfermagem para classificação da situação do paciente (G4-E5).

Entretanto, os enfermeiros apontaram como dificuldade o fato da CIPESC® disponível no sistema informatizado do município contemplar apenas diagnósticos e intervenções de Enfermagem relacionadas especificamente às áreas de Saúde da Mulher e Saúde da Criança. Ainda, os enfermeiros reconheceram a necessidade de inclusão de termos relacionados as outras áreas, e citaram como exemplos: saúde do idoso, saúde do homem, pré-natal, diabéticos, hipertensos, entre outras.

Em decorrência disso, os enfermeiros mencionaram que acabam usando a CIPESC® com maior frequência no atendimento à criança durante as consultas de puericultura.

[...] a CIPESC está um pouco limitada, porque só dá acesso à saúde da criança e saúde da mulher (G3-E1).

Ressalta-se que a CIPESC® disponibilizada no sistema informatizado em Guarapuava é oriunda da nomenclatura curitibana que elegeu as áreas de saúde da mulher e da criança para início da incorporação do inventário vocabular resultante do projeto CIPESC®/ABEn no prontuário eletrônico implantado naquele município.

Quando questionado se os enfermeiros percebiam diferenças no processo de trabalho ao utilizar o sistema de classificação na consulta de Enfermagem houve contradição nas falas. Aqueles que afirmaram não perceber diferença na consulta de enfermagem ao utilizar a CIPESC® indicaram que a falta de hábito de uso da classificação e a sobrecarga de trabalho são os principais fatores impeditivos, como nas falas abaixo:

[...] É muito fácil usar. Eu acho que acabo não usando por pressa, por falta de hábito (G2-E3).

[...] às vezes, você vê que a fila está muito apurada e percebe quantas coisas ainda faltam fazer, acaba que esquece de algumas coisas. É por isso que a CIPESC fica meio por fora (G4-E2).

Já os enfermeiros que afirmaram perceber diferença na consulta de enfermagem mencionaram como benefícios do uso do inventário vocabular o respaldo legal e a visibilidade das ações desenvolvidas pelo enfermeiro no prontuário, como descrito na fala abaixo:

[...] é um documento. Eu falei para o paciente uma coisa e se acontecer para frente alguma intercorrência ele pode alegar que eu não fiz a orientação. Então, de certa forma, é um documento que vai me proteger futuramente (G4-E1).

Além disso, para os enfermeiros, a CIPESC® é útil para lembrar as intervenções e orientações que devem ser fornecidas ao usuário, além de permitir a realização da evolução de enfermagem com melhor acompanhamento da condição clínica do usuário, como demonstrado nas falas a seguir:

[...] nele aparecem as orientações que você tem que dá. Às vezes, eu esqueço de falar alguma coisa e ali ele lembra (G2-E2).

[...] eu puxo o histórico final da última consulta e vejo o que eu prescrevi, o que eu vi, para eu questionar de novo. Tudo o que eu selecionei investigo se melhorou ou se ainda continua; e interrogo para ver se deu resultado, ou se terei que mudar de estratégia (G5-E2).

Os enfermeiros também mencionaram como vantagem da CIPESC® integrada ao sistema informatizado a praticidade de uso na consulta de Enfermagem bem como na escolha dos diagnósticos e intervenções de Enfermagem.

[...] é a praticidade mesmo. Não precisa ficar escrevendo tudo. Já está tudo ali, é só imprimir. Você clica no prontuário e vai aparecer lá o que você prestou de atendimento, cuidados, orientações (G4-E2).

[...] a praticidade, porque você vai vendo lá e você já vai associando “opa, esse aqui inclui no paciente, esse aqui não”. E, também, para você fazer a tua intervenção e as orientações (G4-E5).

Entretanto, os enfermeiros apontaram como limitação da CIPESC® o fato de, no software adquirido pelo município, ser possível selecionar apenas dois diagnósticos para cada usuário; o que, segundo eles, favorece a repetição dos mesmos sem julgamento clínico.

[...] Às vezes, tem mais problema que nós podemos encaixar na CIPESC, mas o campo é muito restrito, não dá para acrescentar mais (G5-E2).

[...] nós sempre colocamos a mesma coisa, porque nós sempre colocamos aquilo que estamos acostumados. Porque está mais fácil de achar ali (G5-E4).

No software instalado nas unidades de saúde em Guarapuava está disponível a nomenclatura, anteriormente, conhecida como CIPESC®/Curitiba que na área de saúde da mulher contempla 92 diagnósticos e 220 intervenções de enfermagem; além de 28 diagnósticos e 228 intervenções de enfermagem relativos à saúde da criança.

Cabe destacar que a referida nomenclatura sofreu várias alterações desde sua criação em 2000. No entanto, tais atualizações não foram incorporadas no referido software pela empresa responsável e, por conseguinte, não estavam disponível no cenário desta pesquisa.

Ademais, os enfermeiros classificaram as intervenções de enfermagem desse inventário vocabular como pouco compatíveis com a situação socioeconômica dos usuários atendidos, conforme evidencia a fala a seguir:

[...] e a prescrição de enfermagem, eu acho alguns ali no CIPESC® meio estranho, que eu não faço. Eu acho muito fraco. E outra coisa, não é viável para saúde pública (G5-E2).

Ainda, o fato de não ser possível modificar ou redigir novas intervenções a partir da realidade do usuário, para eles, compromete o uso da CIPESC® durante a consulta de Enfermagem, como demonstra a fala abaixo:

[...] as opções que existem limitam muito, pois você não consegue está colocando a realidade ou, por exemplo, a situação daquela gestante, porque não satisfaz. Teria que ser um pouco mais aberto ou com mais opções (G3-E4).

Pode-se inferir que esta incompatibilidade com da CIPESC® com a realidade da população está relacionada ao fato da inclusão do sistema classificatório no software não ter sido intento da chefia de enfermagem no município nem tampouco discutido com os enfermeiros atuantes nas unidades de atenção básica, somado ao fato da CIPESC® disponível ter sido concebida a partir da realidade de outro município.

Por fim, como fator que dificulta o uso da CIPESC®, os enfermeiros apontaram, também, que percebem incoerência entre os diagnósticos de Enfermagem e as respectivas intervenções disponíveis, como exemplifica a seguinte fala:

[...] às vezes, a pessoa tem aquele diagnóstico mesmo, mas quando você vai nas prescrições de enfermagem não tem nada a ver com o que a pessoa tem que fazer (G5-E1).

Em resumo, observou-se certa propensão, não homogênea, ao desinteresse quanto à aplicação rotineira da CIPESC® nas consultas de enfermagem. Os enfermeiros em maioria apresentaram fragilidade no uso desse instrumento, e tendência em se eximir de uma prática fundamentada pelo raciocínio clínico e pensamento crítico-reflexivo, com pouca compreensão do contexto de elaboração da CIPESC® e de sua aplicabilidade enquanto sistema de classificação de Enfermagem.

A partir do exposto, destaca-se como processo contraditório na implantação da CIPESC® no cenário da pesquisa, o fato da gestão local disponibilizar um software com um instrumento de trabalho de uso exclusivo do enfermeiro sem que houvesse participação dos profissionais e, ao mesmo tempo, após a implantação do sistema os mesmos não foram estimulados por parte dos gestores para que o uso da CIPESC® fosse efetivo e contínuo nas consultas de enfermagem. Além disso, o acúmulo de atribuições administrativas e assistenciais pelo enfermeiro na unidade de atenção básica reflete condições de trabalho desfavoráveis para que esse sistema fosse utilizado no cotidiano dos serviços.

Os que mostraram proximidade com o inventário vocabular, em minoria, fizeram crítica do software e da CIPESC®, perceberam com maior clareza a

defasagem da nomenclatura disponível, suas limitações e a necessidade de atualização, e se colocaram como possíveis contribuintes para o aprimoramento da mesma.