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A cláusula da franquia como desequilíbrio na relação contratual

Capítulo II: Das cláusulas contratuais gerais

6. Enquadramento jurídico das cláusulas contratuais gerais no contrato de seguro

6.7 A cláusula da franquia como desequilíbrio na relação contratual

A franquia no seguro em geral, consoante as coberturas contratadas, é o valor em percentagem, fixado nas condições particulares da apólice, que, aplicado ao valor dos prejuízos, representa o montante que fica a cargo do segurado no caso de sinistro.

Por conseguinte, a franquia é um valor monetário. Partindo desta constatação básica importa saber, e ainda hoje mantém-se a discussão, se a franquia incide sobre o valor do seguro ou sobre o valor dos prejuízos. Ora, a franquia, além de não ser uniforme quanto à percentagem a aplicar, contempla apenas determinadas coberturas, tais como furto ou roubo, colisão ou capotamento no caso do seguro automóvel, incêndio, raio ou explosão, fenómenos da natureza, etc., etc...

Parece não subsistirem dúvidas quanto à incidência da percentagem do valor da franquia. É nossa firme convicção que a franquia incide sobre o valor dos prejuízos, e não sobre o valor do seguro, porquanto o montante real a ser suportado pelo segurado apenas se conhece depois de avaliada a extensão e o valor dos danos.

E não é difícil chegar a tal conclusão. É que o valor da franquia, embora previamente estabelecido em percentagem pela empresa seguradora, no momento da conclusão do contrato, apenas quando acontece o sinistro e após a determinação rigorosa do valor dos danos se saberá, qual o valor exacto a ser suportado pelo segurado.

Se é verdade que o tomador do seguro, o segurado ou o beneficiário, sabe ab inítio quanto terá de desembolsar, em percentagem, em caso de sinistro, só após a avaliação do sinistro e conhecido o valor real dos prejuízos, saberá qual será o exacto valor da sua comparticipação.

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Em muitos casos, a generalidade das seguradoras, determina unilateralmente o valor da franquia, não admitindo sequer discussão. Ora, este comportamento viola gravemente o princípio da liberdade contratual, ou seja, a prerrogativa que as partes contratantes têm de, livremente, negociar as cláusulas contratuais. Por isso é que o contrato de seguro tem sido considerado como um contrato de adesão.

Ora, se o contrato de seguro é o acordo entre a seguradora e o tomador de seguro em que o segurador se obriga mediante o recebimento de determinada quantia, a garantir a cobertura de um determinado sinistro, pagando à outra parte do contrato – tomador de seguro, segurado ou beneficiário - um determinado montante caso o mesmo se verifique determinado, por que razão, quando ocorre o sinistro, o tomador de seguro, segurado ou beneficiário, deve participar nos custos?

A percentagem do valor da franquia deve ser especificada no contrato. Pode ser maior, menor ou não existir. Aconselhamos os tomadores de seguros a avaliar bem o valor da franquia na hora de assinar o contrato de seguro, porque uma proposta de contrato pode parecer muito conveniente e ao mesmo tempo prever uma alta percentagem do valor de franquia, o que os penaliza aquando da ocorrência do sinistro.

Se o segurador se obriga a garantir o legítimo interesse do segurado, relativo a pessoa ou coisa, contra os riscos predeterminados, mediante o pagamento do prémio, devia ser nula e de nenhum efeito quaisquer cláusulas que obrigassem o segurado ou beneficiário a comparticiparem na reparação do sinistro.

Essa obrigação do tomador de seguro ou segurado ao pagamento da franquia do seguro para a reparação dos danos, devia ser pura e simplesmente excluída do contrato de seguro, ainda que o prémio seja mais elevado, pois nós nunca sabemos quando o sinistro poderá ocorrer, e nessas circunstâncias poderemos não estar preparados para contribuir na reparação do dano através do pagamento da franquia.

É verdade que inúmeras vezes podemos passar anos a pagar um seguro e o sinistro não suceder. Não seria justo que quando ele acontecesse, teríamos de estar preparados financeiramente para a sua reparação, uma vez que nós atribuímos essa responsabilidade ao segurador aquando a celebração do seguro.

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Assim sendo, em caso de sinistro, uma parte dos danos é paga pelo segurado. O sinistrado, com a cláusula do pagamento da franquia que é fixada no contrato de seguro, é obrigado a suportar despesas, que deveriam ser integralmente suportadas pelo segurador. Por exemplo, os danos susceptíveis de afectar uma habitação podem ter custos muito elevados e, quanto mais altas as franquias, mais o segurado terá de pagar do seu bolso.

A LCS, RCCG, a lei de defesa do consumidor, e outros diplomas impõem ao segurador o dever de informação de todas as cláusulas que integram o contrato de seguro, e em especial a explicação do seu conteúdo, não podendo o tomador de seguro ser lesado por qualquer omissão do dever de informação cometido pelo segurador. Geralmente, na celebração do contrato de seguro, o segurador não chama atenção ao valor da franquia a que o tomador ou segurado estará vinculado se ocorrer o sinistro.

São raras as seguradoras que aceitam celebrar o contrato com a franquia zero. No mercado nacional não conhecemos nenhumas que aceitem esse tipo de proposta.

Um dos princípios basilares do contrato de seguro é a boa fé, que obriga as partes a actuarem com diligência, zelo e honestidade correspondentes às legítimas expectativas e conveniências das partes. A cláusula que estipula o valor da franquia é, quanto a nós, contrária à boa fé, pois é uma cláusula que apenas acautela e defende os interesses do segurador, prejudicando claramente os consumidores.

Segundo o n.º 1, do art.º 102.º da LCS, o segurador está obrigado a satisfazer a prestação contratual a quem for devida, após a confirmação da ocorrência do Sinistro e das suas causas, circunstâncias e consequências. Diz ainda o n.º3 do mesmo artigo que a prestação devida pelo segurador pode ser pecuniária ou não pecuniária.

Ora, se a seguradora tem a incumbência de indemnizar em caso de ocorrência do sinistro, não faz qualquer sentido o segurado ou beneficiário tenha a obrigação legal de suportar parte dos custos com a reparação dos danos com a ocorrência do sinistro. Essa cláusula tem como objectivo beneficiar a actividade das seguradoras, pois mesmo nos casos em que o sinistro não ocorra, a seguradora não devolve qualquer valor ao tomador de seguro, segurado ou beneficiário.

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seguradora pura e simplesmente sai a ganhar, já que não terá de indemnizar o segurado. Essa prática é claramente prejudicial aos consumidores, sempre que em caso de sinistro o valor da franquia seja superior ao valor dos danos verificados.

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