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Capítulo I – Quadro Teórico de Referência

2. A Narrativa

2.1. A cognição, o desenvolvimento e as estruturas da Narrativa

A referência ao que os vários autores afirmam acerca do modo como as crianças aprendem afigura-se-nos como fundamental para que se possa compreender a forma como elas exploram o meio envolvente, desenvolvendo, simultaneamente, diversas aprendizagens.

Ao nível da cognição, Richmond (1987, p.25) indica que para cada estádio de desenvolvimento intelectual, elaborado por Jean Piaget, encontra-se implícito uma idade cronológica, que indica, ao nível do pensamento, a média aproximada, e não certa, do desenvolvimento da criança. Assim, de acordo com Lino e Vieira (2007, p.207), os dois estádios que vão ao encontro das idades das crianças que frequentam os contextos de educação de infância são os seguintes: (i) sensório-motor, que vai desde o nascimento até aos dois anos; (ii) pré-operatório, que vai desde os dois anos até aos sete anos.

No primeiro estádio, sensório-motor, Evans (s.d., p.61) refere que, de acordo com Jean Piaget, no momento do nascimento, a criança encara os objetos como elementos que não possuem existência própria. Para além disso, Richmond (1987) afirma que, apesar de, inicialmente, não ter consciência do eu e do não-eu, possui padrões inatos de comportamento, tal como o agarrar, que permitem uma interação com o meio envolvente, fazendo com que se verifique avanços a nível comportamental (p.26) e que se constate a apreensão de novos padrões (p.27). Segundo o mesmo autor, esta interação tem impacto, igualmente, no reconhecimento dos objetos, uma vez que este surge pela repetição de ações do bebé para com o objeto (p.28), e na permanência do mundo, tendo em conta que a criança começa a dissociar os objetos das ações (idem, p.29). Berns (2002) realça a A leitura deve ser uma experiência significativa e satisfatória, o que só pode acontecer quando as crianças lêem, porque querem e não porque têm que ler. [. . .] Elas devem ter oportunidades de folhear e ler livremente, e de determinar o que, quando e por quanto tempo vão ler. Mesmo as crianças de pré-escolar precisam de oportunidades de ver e sentir os livros antes de serem requisitadas a aprenderem a lê-los. (idem, p.259)

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importância do presente estádio, destacando a sua relevância para o estádio que lhe sucede: “Este estágio é a base para o seguinte porque, para conceitualizar (uma característica do próximo estágio) ou para pensar nas coisas mentalmente, é preciso ter tido experiências reais de atuar sobre as coisas” (idem, p.333).

As crianças que se encontram no período da pré-linguagem também apresentam inteligência, apesar de ser fundamentalmente prática: “Sejam quais forem os critérios de inteligência que se adotarem [. . .], toda a gente admite a existência de uma inteligência antes da linguagem” (Inhelder & Piaget, 1974, p.12). Esta inteligência resolve, igualmente, problemas de ação, construindo, tal como os autores indicam, um “[. . .] sistema complexo de esquemas de assimilação, e de organizar o real de acordo com um conjunto de estruturas espácio-temporais e causais” (idem, p.12), recorrendo, para tal, à coordenação sensório-motora (idem, p.12).

O período pré-linguístico é encarado por Sim-Sim (1998) como de grande relevância para o desenvolvimento da linguagem, tendo-o caracterizado de diferentes formas: “[. . .] lançamento das bases da comunicação entre o bebé e os que o rodeiam, pelo início da vocalização e pelo desenvolvimento das capacidades de discriminação que tornam possível a diferenciação dos sons da fala humana” (idem, p.78). Contudo, é apenas entre os nove e os treze meses que a criança demonstra capacidade para compreender o significado de sequências fonológicas, tal como se verifica no exemplo seguinte: Ao ser questionada sobre onde se encontra o pai, ela olha para a direção acertada (idem, p.86). Posteriormente, de acordo com a mesma autora, entre os dez e os vinte e quatro meses assiste-se a um forte crescimento da quantidade de palavras que são do conhecimento da criança (idem, p.86), sendo que as que são verbalizadas pela mesma, ainda que sejam monossílabos ou reduplicação de sílabas, ocorrem, normalmente, entre os nove e os doze meses (idem, p.93). Assim, por volta dos dezoito meses, a maior parte das palavras produzidas dizem respeito a nomes de pessoas, a animais, a vestuário, a brinquedos, a veículos e a alimentos, seguido de vocábulos referentes a ações ou movimentos (Sim- Sim, 1998, p.126).

Neste sentido, tendo em consideração que as crianças até aos dois anos ainda não produzem frases, faz com que não disponham das capacidades necessárias para realizar o reconto de uma história. Rigolet (2006, p.69) indica que as crianças até um ano de vida não compreendem sequências representadas. Contudo, dos dois aos três anos, caso

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tenham um suporte visual no seu campo de visão, poderão verbalizar algumas informações sobre a história, tais como alguns elementos da estrutura da narrativa, nomeadamente, as personagens e a ação: “Se a criança tiver à disposição um suporte visual concreto e claro para a história, poderá expressar algumas ideias, nomear alguns tópicos” (idem, p.94).

O segundo estádio, pré-operatório, engloba dois subestádios, sendo eles, o pensamento simbólico, dos dois aos quatro anos, e o pensamento intuitivo, dos quatro aos sete anos (Berns, 2002, p.344). Enquanto o primeiro se caracteriza, tal como o autor indica, pela “[. . .] capacidade de a criança usar símbolos mentais para objetos não presentes [. . .]” (idem, p.344), o segundo caracteriza-se pelo raciocínio pré-lógico, ou seja, capacidade para fornecer uma resposta sem que compreenda o seu sentido (idem, p.344). Para além disso, as estruturas mentais das crianças apresentam três características: são livres e fortemente intuitivas e imaginativas (Lino & Vieira, 2007, p.208).

Evans (s.d., p.67) indica que, segundo Jean Piaget, neste estádio dá-se o aparecimento da função semiótica, que engloba a linguagem falada, as imagens mentais, a imitação diferida e o desenho, e que possibilita que a criança possa representar para si mesma um objeto que não se encontra presente, promovendo o desenvolvimento da inteligência representativa e o pensamento.

De acordo com Lino e Vieira (2007, p.208), é a partir do presente estádio que a criança começa a recorrer à linguagem com o intuito de nomear tanto objetos como ações. Menyuk (1971, cit. por Sim-Sim, 1998) assinala que entre os dezoito e os quarenta e dois meses assiste-se a um aumento significativo do domínio vocabular: “[. . .] aos dois anos e meio o número de palavras usadas pela criança é seis vezes superior ao número produzido aos dois anos, e aos três anos e meio triplica a produção dos dois anos e meio” (idem, pp.126-127). Devido à participação da criança, seja ativa ou passiva, em conversas, constata-se, posteriormente, uma evolução da aquisição de vocabulário (Sim- Sim, 1998, pp.127-128).

Segundo a autora referida anteriormente, aos três anos, para além de surgirem os determinantes (artigos ou adjetivos determinativos), os quantificadores e os verbos auxiliares (idem, p.161), verifica-se, ainda, que a criança demonstra capacidade para, entre outras coisas, combinar palavras em estruturas frásicas, verbalizando frases simples (idem, p.160), frases afirmativas, negativas e interrogativas simples (idem, p.161). De

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seguida, emerge os processos de subordinação e de coordenação, sendo este último o primeiro a aparecer na fala das crianças, através da conjunção “e” (idem, p.163). Para além desta conjunção, Rigolet (2006, p.110) identifica ainda a conjunção “mas”, “e depois” e “depois”. Posteriormente, entre os quatro e os cinco anos surge o conector temporal “quando” e o causal “porque” (Sim-Sim, 1998, p.164).

Durante o seu quarto ano de vida, e estando consciente das aquisições linguísticas referidas anteriormente, a criança demonstra que possui competências para recontar uma história que lhe foi contada (Rigolet, 2006, p.110), o que, consequentemente, revela que consegue identificar diversos elementos das estruturas da narrativa. Segundo a mesma autora, à semelhança do quarto ano, no quinto ano de vida, as crianças conseguem, igualmente, recontar uma história, no qual é visível a presença de uma sequência aquando da narração (idem, p.129).

Ao nível do desenvolvimento, o estádio mítico, que se apresenta como um dos estádios da teoria do desenvolvimento educacional, abrange as crianças com idades compreendidas entre, aproximadamente, os quatro/cinco anos e os nove/dez anos (Egan, 1992, p.21).

De acordo com o autor mencionado anteriormente, o pensamento das crianças e o pensamento inserido nas narrativas acerca dos indivíduos que utilizam o mito apresentam traços em comum, motivo pelo qual este estádio é designado como mítico (idem, p.23). Nesta linha de raciocínio, Egan (1992) identifica quatro características em comum entre os tipos de pensamento: (i) a necessidade de atribuição de um significado concreto a fenómenos ambíguos e complexos (p.23); (ii) ambos os pensamentos carecem de diversidade, no sentido em que não recorrem a um conjunto de variáveis explicativas de várias ordens, tal como as leis naturais, para apreender o significado de um determinado fenómeno (p.24); (iii) a definição e a interpretação do mundo é um processo subjetivo, baseado no imaginário (p.24); (iv) as oposições binárias servem como articulador dos mitos, tais como, cru/cozinhado e vida/morte, e como base do raciocínio das crianças, na qual as mesmas começam, através destas oposições, a atribuir significado às coisas, como por exemplo, amor/ódio e grande/pequeno (p.25).

Assim, as crianças recorrem ao que Egan (1992) designa de “instrumentos intelectuais e categorias conceptuais” (p.26), tal como o bem e o mal, para dar sentido ao mundo. Com isto, uma vez que os principais instrumentos e categorias são de carácter

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emocial e moral, deve-se possibilitar às crianças um acesso ao mundo tendo por base estas duas componentes (idem, p.28).