• Nenhum resultado encontrado

A Colônia Juliano Moreira: números na ditadura

No documento CLEICE DE SOUZA MENEZES (páginas 102-106)

2 POLÍTICAS DE SAÚDE MENTAL DURANTE A DITADURA MILITAR

3. A Colônia Juliano Moreira: fundamentos teóricos e a consolidação de um projeto

3.2 A Colônia Juliano Moreira: números na ditadura

No documento expedido em 1966 pelo então Diretor do Serviço Nacional de Doenças Mentais, Jurandyr Manfredini para o presidente da Associação de Bem-Estar do Menor, Mário Altenfelder, o primeiro informava sobre a superlotação da Colônia Juliano Moreira, destinada à “crônicos e irrecuperáveis”. O diretor respondia a um pedido feito por Altenfelder para que fosse encaminhado alguns adolescentes, aquele

propõe como solução emergencial a transferência de oito pacientes por mês, que deveriam ser apresentados ao diretor do Centro Psiquiátrico Pedro II, que, por sua vez, os encaminharia à Colônia Juliano Moreira por meio de seu Pronto-Socorro Psiquiátrico (Dinsam, 1966, s/p). Assim, durante a ditadura, a Colônia continuava superlotada e era utilizada para o atendimento dos cronificados, sendo responsável por esse grupo em toda a rede pública do Estado da Guanabara.

O perfil dos pacientes indica também que o modelo de recuperação não havia sido alcançado, e que aqueles que adentravam a Colônia continuavam a se constituir como o rebotalho à margem da Previdência Social, como doentes há tempo demais para estarem aptos ao sistema previdenciário, ligado às categorias de trabalho. Não estando vinculados aos IAPs, os pacientes tampouco contribuíam com sua internação,fazendo com que a colônia dependesse unicamente do dinheiro da União, o que acabava por resultar na falta de recursos.

De fato, o interesse econômico é apontado por Cerqueira (1984) como o fator que mais contribuiu para a degradação dos hospitais. Já que o asilo era sinalizado pela burocracia estatal articulada aos interesses empresariais como instituição reabilitadora por excelência. A única forma de terapêutica estava diretamente ligada a essa estrutura e, consequentemente, os internos ficavam submetidos a uma assistência hospitalocêntrica.

De tal maneira que, apesar de todo o movimento de inovação que fora construído na década de 1950, após o início da ditadura na década de 1960, a C.J.M deixara de por em ação qualquer filosofia assistencial que considerasse o interno dentro do seu contexto familiar e sociocultural, ou que pensasse a internação como propósito para o retorno do individuo a sua vida cotidiana. Pelo contrário: a instituição não oferecia um programa de diagnóstico ou tratamento precoce, reabilitação ou prevenção (Brasil, 1973).

Para exemplificar o panorama da situação dos hospitais psiquiátricos públicos e privados antes e depois da inserção da Dinsam na “diretriz” da saúde mental, é importante considerar que os leitos psiquiátricos públicos haviam estagnado em sua quantidade, enquanto os leitos da rede privada haviam tido um expressivo aumento desde a segunda metade dos anos de 1960. Esse aumento se expressa mais visivelmente a longo prazo. Em 1941, os leitos particulares eram 3.034; em 1975 passaram a ser 55.670; já os leitos “oficiais” eram 21.079; e passaram a ser 22.603 (Botelho, 1943 apud Piccinini, jun. 2004). Ou seja, houve um aumento pouco expressivo dos leitos públicos

em comparação com aqueles da rede privada. Com esses dados reforçamos a análise feita no tópico anterior (segundo capítulo) acerca da monopolização dos serviços psiquiátricos por parte dos empresários de saúde.

Porém, não estamos aqui afirmando que a prática não foi denunciada e combatida na época - tanto foi que o coordenador da Saúde Mental do estado de São Paulo, Luiz Cerqueira, perderia o cargo em 1974 por incomodar os empresários paulistas pelas críticas feitas ao sistema vigente (Piccinini, jun. 2004, s/p). Aliás, é o próprio Luiz Cerqueira (1984, p.72) que nos informa sobre o fato de que entre os 211 hospitais psiquiátricos em 1968, 57 eram públicos ou “oficiais” e 154 eram particulares. Informa-nos ainda que neles se encontravam internados 73.382 internos. Comparativamente, Cerqueira nos recorda ainda que em 1965 havia um total de 61.318 internos. Ou seja, o crescimento dos internos no período de três anos havia sido de aproximadamente 16,5%, ou 112%, caso se considere as referências do ano de 1955.

Em 31 de dezembro de 1967, a Colônia Juliano Moreira, então sob a gestão do Serviço Nacional de Doenças Mentais, abrigava 4.923 internos, ficando atrás apenas do Hospital e Colônias Juqueri (13.637) e da Colônia de Barbacena (5.103). A assistência pública, portanto, continuava centrada em macro-hospitais, instituições que detinham todas as etapas da assistência e do cuidado com o louco. Um dos motivos para tanto era o fato de que o tratamento em tais hospitais tinha baixo “custo operacional” (Cerqueira, 1984, p. 73). Quanto maior a instituição asilar, menores eram os custos para sua gestão. Um dos fatores que contribuía para o baixo custo era o grande número de internos assistidos por um único médico.

Tal escolha tinha um impacto negativo no tratamento, já que o crescimento da população não era acompanhado pelo dos seus profissionais (Cerqueira, 1984, p. 74). A população hospitalar da Colônia Juliano Moreira, por exemplo, registrou aumento de 1225 internos entre 1950 e 1967. Não foi possível, entretanto, precisar quantos leitos dispunha a instituição. Ponderamos, entretanto, que o objetivo aqui é demonstrar o crescimento populacional na C.J.M no recorte de dezessete anos. Luis Cerqueira nos informa que esse aumento foi exponencial em comparação com o que ocorreu posteriormente (a estagnação desse aumento, ou um aumento pouco expressivo frente ao crescimento dos leitos privados).

Colônia Juliano Moreira, Jacarepaguá, Rio-SNDM ANO Doentes 31.12 Readmissões

s/ Admissões

Renovação anual

Taxa óbito TMP–Tempo Médio de Permanência (dias) 1950 3.698 142:100 0,45 19,1 801 1955 3.745 179:100 0,50 17,9 694 1960 4.123 200:100 0,40 19,5 865 1965 4.553 255:100 0,50 8,6 732 1966 4.672 254:100 0,50 9,8 681 1967 4.923 225:100 0,50 10,7 877

(Fonte: SNDM apud Cerqueira, 1984, p. 76) A superpopulação teve como contrapartida um aumento substancial nos óbitos em fins da década de 1960. Na Colônia, o número de mortes era três vezes maior do que em qualquer outro hospital para crônicos no país (Cerqueira, 1984, p.78) causados, pelo menos em grande parte, pela incapacidade do pequeno número de profissionais para reabilitar os pacientes ou, ao menos, mantê-los saudáveis, mesmo que fisicamente.

Tal fato ganha visibilidade quando se analisa o tempo médio de permanência: enquanto que em 1967, o tempo médio de permanência nos hospitais particulares era de 153 dias e na assistência pública geral era de 166 dias; na Colônia Juliano Moreira, esse número subia para 877 dias, o que condiz com sua configuração como instituição para internos crônicos. No entanto, é preciso ressaltar o número de indivíduos oficialmente cronificados na instituição: em 1967 eram 4.923 internos enquanto que o número total de internos crônicos na rede pública era de 7.298.

Assim, a Colônia se tornou notadamente a instituição pública com o maior número de crônicos, já que apenas ela representava mais da metade dos internos crônicos de toda rede psiquiátrica pública do país, levando cerca de dois anos para a renovação de seus internos (Cerqueira, 1984, p. 78).

Outra característica da Colônia era o fato de possuir um elevado número de readmissões – duzentos e vinte e cinco para cada cem primeiras admissões, em 1967.

Segundo Luiz Cerqueira (1984), o índice de renovação anual82 de um hospital para não ser considerado um hospital de crônicos deveria ser de quatro vezes por ano, e a Colônia teria sua renovação de 0,5%:

“Renovação de 2,3 vezes por ano no hospital particular, e de 2,2 no oficial (0,5 – meia vez por ano - na Colônia). Para nós o hospital que não se renova quatro vezes por ano passa a ser hospital de crônicos (...) (Cerqueira, 1984, p.78). Cerqueira acreditava que enquanto os hospitais particulares estivessem recebendo apoio financeiro do INPS para internação integral por tempo indeterminado não seria possível uma mudança eficaz na estrutura, na “reabilitação” da Colônia ou de seus crônicos. Para este autor, enquanto se mantivesse o esquema de financiamento da previdência para o tratamento de seus beneficiários não haveria políticas assistenciais consistentes para a eliminação concreta da estrutura mercadológica instaurada. (Cerqueira, 1984, pag.78)

E, de fato, como resultado de anos de pouco investimento, na década de 1970, a colônia acabou por ser reconhecida como uma “casa de horrores” (Milagres, 2002, p. 47). Mas apenas nos anos 80 foram iniciadas mudanças institucionais para superar essa situação.

No documento CLEICE DE SOUZA MENEZES (páginas 102-106)