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A colaboração na formação do mérito e na fundamentação da decisão

3 EFETIVIDADE DO PROCESSO COMO COROLÁRIO DO PRINCÍPIO DA COOPERAÇÃO ENTRE OS SUJEITOS DA

3.2 A colaboração na formação do mérito e na fundamentação da decisão

A construção de um processo pautado no princípio da colaboração requer uma análise voltada à formação e estabilização do mérito da causa no decorrer do processo.

Pelo princípio da inércia a jurisdição somente pode ser exercida quando provocada, sendo defeso ao Estado instaurar processo não demandado.

Ao demandante, por sua vez, cabe a propositura da ação, com exposição de suas alegações de fato e consequente indicação dos fundamentos jurídicos que embasam seu pedido.

Ao demandado, por outro lado, cabe promover a contrariedade direta ao mérito, refutando os argumentos trazidos ao processo pelo autor, ou, ainda, produzir defesa indireta, arguindo fato que impede, modifica ou extingue o direito invocado pelo seu adversário.

Nas palavras de Mitidiero152:

Nesse quadro, o processo civil ganha contornos cooperativos na medida em que para a ótima delimitação do objeto litigioso do processo todas as pessoas envolvidas no juízo podem oferecer a sua contribuição, constituindo um verdadeiro actum trium personarum.

Se por um lado cabe tão somente às partes a consolidação do mérito da causa, não possuindo neste tocante, qualquer poder de interferência o magistrado, cabe a este,

152 MITIDIERO, Daniel. Bases para a construção de um processo civil ccooperativo: o direito processual civil no marco teórico do formalismo-valortivo. 2007. Tese de doutoramento, UFRS, Porto Alegre, 2007. P. 78.

por outro lado verificar a regularidade formal com que a lide foi deduzida em juízo, podendo a existência de vícios insanáveis culminar na extinção do processo sem resolução do mérito.

O indeferimento da petição inicial, com consequente extinção prematura do feito, só deve ocorrer no entanto, após oportunizada ao demandante a correção do vício detectado, mediante emenda da petição inicial, nos moldes previstos no artigo 284153 do

Código de Processo Civil vigente.

No processo colaborativo impõe-se ao Estado-juiz um dever de esclarecimento e prevenção com relação às partes que lhe impede de indeferir de plano a petição inicial sem oportunizar o debate.

A técnica processual conduzida sob o manto da colaboração requer o necessário diálogo entre os sujeitos do processo a fim de que a garantia fundamental ao contraditório e a ampla defesa permitam uma participação mais direta e efetiva na construção do provimento jurisdicional.

O processo nada mais é que um instrumento de realização dos fins do Estado Constitucional em sua função precípua de pacificador dos conflitos sociais. A solução do litígio, contudo, só se faz possível se o processo é conduzido sob o crivo do contraditório, vez que imprescindível o debate acerca do direito material invocado, com vistas a guiar a fundamentação da decisão judicial.

A garantia de um processo justo e de um pronunciamento judicial efetivo requer a inexistência de surpresa, compreendida como a oportunização de conhecimento e manifestação acerca dos atos processuais produzidos.

O debate judicial democratiza o processo e, consequentemente, favorece o interesse público de que seja proferida uma decisão judicial madura, apta a produzir os efeitos desejados pela sociedade. Mitidiero154 ensina que:

Nosso Supremo Tribunal Federal, a propósito, já teve a oportunidade de observar na esteira da jurisprudência do Bundesverfassungsgericht, que o direito fundamental ao contraditório importa em direito das partes a ver os fundamentos arguidos em suas manifestações processuais considerados pela decisão jurisdicional, o que de seu turno exige do julgador capacidade, apreensão e isenção de ânimo para contemplar as razões apresentadas. Na perspectiva do órgão

153 Código de Processo Civil. Art. 284. Verificando o juiz que a petição inicial não preenche os requisitos exigidos nos arts. 282 e 283, ou que apresenta defeitos e irregularidades capazes de dificultar o julgamento de mérito, determinará que o autor a emende, ou a complete, no prazo de 10 (dez) dias. 154 MITIDIERO, Daniel. Bases para a construção de um processo civil ccooperativo: o direito processual civil no marco teórico do formalismo-valortivo. 2007. Tese de doutoramento, UFRS, Porto Alegre, 2007

jurisdicional, esse direito corresponde ao dever de dar atenção aos arrazoados das partes, o que pressupõe deles tomar conhecimento, considerando-os séria e detidamente. Corresponde, em suma, ao dever de fundamentar suas decisões.

O dever de fundamentar as decisões judiciais tem sido entendido como a derradeira manifestação do contraditório no processo, vez que permite às partes verificar que suas intervenções foram consideradas e sopesadas pelo magistrado na formação do convencimento. Nas palavras de Mitidiero155:

Há, pois, um nexo inarredável entre inafastabilidade da jurisdição, direito fundamental ao contraditório e dever de fundamentar as decisões jurisdicioniais, sem o qual não se pode reconhecer a existência de um processo justo.

A decisão judicial proferida sem que seja feita esta contraposição dos argumentos trazidos à baila pelos litigantes afronta a natureza colaborativa do novo processo civil na medida em que a fundamentação deve necessariamente considerar, seja para acolher ou para refutar, todos os fundamentos deduzidos pelas partes no processo.

Esta motivação deve ser feita não somente de modo a indicar no julgado o fundamento jurídico que conduziu à formação do convencimento em um determinado sentido. Nas palavras de Alvaro156: “A completude da decisão tem de ser aferida em

função das atividades da partes, das alegações por estas produzidas com o fito de convencer o órgão jurisdicional de suas posições jurídicas”.

A estruturação de um modelo processual civil pautado na colaboração requer o constante diálogo entre os envolvidos no processo a fim de que a decisão do caso possa levar em conta todas as manifestações e conteúdo probatório produzidos nos autos.