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II. ACTION FRANÇAISE E INTEGRALISMO LUSITANO

II.2. L UÍS DE F REITAS B RANCO E O I NTEGRALISMO L USITANO

II.2.2. A colaboração na imprensa periódica dos anos 1910

A participação de Luís de Freitas Branco na revista Atlântida: mensário artístico,

literário e social para Portugal e Brazil deve ser tomada em consideração nesta secção.

Apesar de não se tratar de um periódico exclusivamente relacionado com o Integralismo Lusitano ou com o monarquismo num sentido mais lato, Atlântida foi a revista que possibilitou a publicação de uma colaboração evidente entre Luís de Freitas Branco e um dos mais relevantes pensadores e escritores do Integralismo, Hipólito Raposo. Luís de Freitas Branco foi colaborador de Atlântida juntamente com alguns dos integralistas, nomeadamente Hipólito Raposo, coincidindo os anos de publicação deste periódico com os momentos em que o compositor mais evidentemente se relacionou com o movimento monárquico português. Apesar da publicação de textos de representantes do Integralismo nesta revista, a mesma não poderá ser encarada como monárquica, mas sim como uma

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revista que se foca em temas artísticos ou literários, contando com a contribuição, para esse efeito, de muitos dos pensadores e intelectuais da época como, por exemplo, Teófilo Braga. Esta colaboração demonstra que muitos dos ideais nacionalistas eram defendidos tanto por personalidades de ideologias republicanas como por apoiantes da facção monárquica da sociedade portuguesa da época, o que é referido por Paulo Ferreira de Castro, numa passagem em que cita Teófilo Braga e os ideais republicanos:

Mas quão republicanas são as posições «republicanas» neste domínio? Na medida em que os ideais republicanos de «regeneração», «revivescência» e «reaportuguesamento» da nação eram partilhados por amplos sectores das elites portuguesas desde a fase final da monarquia […] torna-se difícil, senão impossível, uma clara demarcação de territórios ideológicos no solo particularmente movediço no nacionalismo da viragem do século (Castro, 2014:220).

Publicada pela primeira vez em 1915, a revista Atlântida conta com a primeira colaboração de Luís de Freitas Branco a 15 de Fevereiro de 1917, número 16 da publicação, no entanto com uma participação diferente daquela que terá mais tarde na mesma revista, na qual surgirá, depois da primeira publicação, como crítico. Neste primeiro caso, Freitas Branco surge como coautor de Funerais de Viriato, juntamente com o integralista Hipólito Raposo, autor do texto que Freitas Branco utilizará como inspiração para o seu poema sinfónico com o mesmo nome. Desse modo, após as páginas que transcrevem o conto de Hipólito Raposo, surge a indicação “Sobre este conto de Hipólito Raposo foi composta a sinfonia de Freitas Branco, Os Funerais de Viriato, tocada pela primeira vez no festival Luso-Espanhol da Orquestra Blanch”, seguindo-se, na página final da publicação, o excerto da partitura composta por Luís de Freitas Branco que corresponde ao “Tema de Viriato”.

A crítica e crónica musicais eram, nos primeiros números de Atlântida, responsabilidade de Humberto de Avelar, surgindo o nome de Luís de Freitas Branco como crítico responsável pela rubrica “O mês musical” apenas nos números 44 e 45, publicados em 1919. Nesta primeira crítica, Freitas Branco descreve o concerto de abertura da época sinfónica, com obras de Viana da Mota, comparando o compositor português a Richard Wagner, considerando-o “um dos mais entusiásticos propagandistas da religião de Bayreuth, numa época em que na própria Alemanha, essa propaganda não encontrava senão dificuldades e oposições” (Branco, 1919:157). Descreve o programa restante, bem como o segundo e o terceiro concertos da temporada, revelando de igual modo o programa dos concertos Blanch, ainda por realizar no momento da escrita da crítica. O nome de Freitas Branco enquanto crítico surge ainda no número 48 do periódico, publicado já no último ano de tiragem do mesmo, 1920, num artigo com o mesmo título do anterior, no qual reflecte

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sobre a abertura do Teatro de S. Carlos com Thaïs de Massenet, salientando o papel da Sociedade do Teatro, cuja actividade fundamental contribuiu para a difusão de repertório que o crítico considera de elevado nível cultural e musical.

Já bastante relacionado com o movimento Integralismo Lusitano e mais relevante, no presente contexto, para a nossa observação da produção de Luís de Freitas Branco dos anos 1910 será o periódico A Monarquia: diário integralista da tarde, fundado no início de 1917, e publicado até ao número de 1925 dedicado a António Sardinha por ocasião da sua morte, depois de uma tiragem irregular a partir do ano de 1922. Inicialmente com Alberto de Monsaraz na direcção, referido como “Conde de Monsaraz”, e João do Amaral na redacção, o periódico surge já após os primeiros números das revistas igualmente integralistas Alma portuguesa, de 1914, e Nação Portuguesa, que será publicada até 1938.

Luís de Freitas Branco foi um dos colaboradores do jornal diário do Integralismo Lusitano, começando a colaborar logo no primeiro ano do mesmo, em 1917, sendo a sua primeira crítica publicada a 14 de Julho, com o título “Exercícios graduados de solfejo” e dedicada ao lançamento do livro de solfejo da autoria de Tomás Borba (Branco, 1917a). A partir do final de 1917 e ao longo do ano de 1918, Freitas Branco será um colaborador regular do periódico, dedicando-se em Dezembro de 1917 e Janeiro de 1918 aos espectáculos da companhia dos Ballets Russes em Lisboa, descritos pelo autor como manifestações de arte ultramoderna.

Além das críticas a espectáculos e a concertos, de carácter mais imparcial e informativo, onde Freitas Branco não deixa de incluir algumas considerações pessoais, o crítico dedica-se também a uma escrita em que é visível a sua ligação aos ideais integralistas, como será o caso da crítica a um concerto no Politeama, publicada a 28 de Janeiro de 1918, onde Freitas Branco refere “a inferioridade da Alemanha contemporânea, tanto sob o ponto de vista da produção musical como da crítica” (Branco, 1918c:2), comparando a música e a crítica alemãs suas contemporâneas ao caso de França, sobre a qual refere os exemplos de Ravel, Schmitt, Séverac e Magnard. Sobre os mesmos, Freitas Branco refere “a faísca do génio, do verdadeiro, daquele que se não contenta com os velhos moldes, e a técnica perfeita, o gosto e a sensibilidade das proporções, qualidade latina a que o pesado dólico-loiro Strauss ficará sempre estranho” (ibid.), nitidamente de acordo com um ideal de latinidade por oposição ao germanismo, desprezado pelos integralistas. A preocupação com a distinção da “raça latina” manter-se-á ao longo da sua colaboração no periódico, nomeadamente na crítica de 3 de Fevereiro de 1918, em que Freitas Branco elogia em primeiro lugar a obra de Ravel como símbolo de latinidade, compositor já

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referido desse modo na crónica anterior. Segundo Freitas Branco, Ravel é autor de “uma obra de fina sensibilidade da raça latina, do seu gosto requintado, do seu sangue ardente, da sua vivíssima imaginação” (Branco, 1918d:2), acrescentando que a música alemã se caracteriza por “pastelões indigestos que os Kapellmeister de além-Reno infatigáveis continuam a burguesmente fabricar” (ibid.).

A caracterização da “raça germânica” como inferior à “raça latina” levará Luís de Freitas Branco a considerar Wagner como compositor de obras com traços de latinismo, o que de algum modo pode constituir uma justificação do próprio Freitas Branco em relação à sua admiração por Wagner, num meio altamente nacionalista e latinista em que os autores e compositores germânicos eram rejeitados. Essa ideia será visível na sua crítica “Concerto Blanch”, publicada a 18 de Fevereiro de 1918, e que parece próxima de algumas fontes francesas referidas no primeiro capítulo da dissertação, pela consideração que tece acerca da obra de Brahms:

Ouvindo o festival wagneriano de ontem, reparávamos no atmosfera geral de latinismo que envolve a produção do homem que tanto falou na obra d’arte «alemã» e como essa produção é diferente do trabalho neoclássico tipo Brahms, quanto a nós o verdadeiro representante do espírito alemão (Branco, 1918e:2).

No que diz respeito à sua admiração por compositores franceses, poderá constatar- se neste periódico uma opinião mais clara no que concerne a Vincent d’Indy, compositor que podemos considerar ideológica e até socialmente próximo de Luís de Freitas Branco. Também em busca de um ideal de latinidade clássica na sua música e tal como foi referido anteriormente, d’Indy considerava, tal como Freitas Branco, haver maus e bons compositores alemães. Esta semelhança entre ambos os compositores pode justificar o aparente paradoxo existente na medida em que Freitas Branco parece muitas vezes insurgir- se contra o germanismo, reconhecendo, no entanto, o papel de Wagner enquanto um dos compositores mais fundamentais da história da música ocidental. Relativamente a Vincent d’Indy, Luís de Freitas Branco critica uma apresentação da sua 1ª Sinfonia pela orquestra de Pedro Blanch, a 2 de Abril de 1918:

Bastar-nos-ia dizer que a 1ª sinfonia de Vincent d'Indy é mais que a melhor obra de este mestre, é uma das grandes obras de toda a história da música sinfónica e nela há mais que construção lógica e perfeição exterior, há emoção, há vida interior, há sol e força, e que por virtude certamente dessa emoção ela ergue a sua luminosa cúpula bem acima não só da segunda e do “Istar” como do próprio “Ferwaal” e mesmo do “Etranger” (Branco, 1918f:2).

A colaboração de Freitas Branco no periódico manter-se-á, pelo menos, ao longo de todo o ano de 1918, com uma participação relativamente regular do crítico. Uma vez que,

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durante a minha investigação, o periódico se encontrava, na Biblioteca Nacional de Portugal, num estado de conservação que não permitia a consulta do mesmo na totalidade, não nos foi possível averiguar a colaboração de Luís de Freitas Branco ao longo do ano de 1919 (ano em que o jornal é apenas publicado a partir de Agosto, devido à restauração republicana que sucede no início do ano, após o assassinato de Sidónio Pais a 14 de Dezembro de 1918). No entanto, podemos confirmar que a partir de 1920 e até ao final da publicação do diário, a assinatura de Freitas Branco não voltará a surgir, verificando-se, no que diz respeito à música, o nome de Ivo Cruz como responsável pelas crónicas musicais.

A Monarquia: diário integralista da tarde não será o único periódico monárquico do

qual Luís de Freitas Branco será colaborador, embora constitua o único jornal particularmente integralista com que o crítico esteve relacionado. A restante produção de Freitas Branco para periódicos monárquicos pode ser visível nas suas crónicas para Acção

Realista: diário da tarde, que será abordado numa secção posterior desta dissertação.