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CAPÍTULO 1 TERRITÓRIO: CONCEITO FUNDANTE

1.1 A COMPARTIMENTAÇÃO POLÍTICA DO TERRITÓRIO

O estudo das fronteiras teve início com Ratzel e, desde então, fez-se presente em praticamente todos os estudos de geografia política. Sua importância é evidente, por incorporar a relação entre Estado e território, bem como as relações interestatais. Todavia, o significado imperialista clássico das fronteiras tornou-se ultrapassado, diante das dialéticas atuais que se enredam no território. Assim, cada processo de fronteira, guarda em si, singularidades (COSTA, 2008).

Portanto na discussão do território, é necessário considerar-se a importância das fronteiras, pois, elas possibilitam diferentes usos, por enveloparem espaços de poder, delimitados espacialmente e diferenciados entre si, constituindo, assim, a divisão política do território. Elas se caracterizam por uma coesão espacial e política interna, passível de mudanças ao longo do tempo e, ainda, são, concomitantemente, um nexo de separação-contato, com outros sistemas políticos, já que cada envelope de território, definido por suas fronteiras, pratica políticas diferenciadas de acordo com suas demandas.

internas no território nacional. Assim, com o surgimento de novas formas produtivas, emergem novas fronteiras, representando a divisão social e territorial do trabalho, em consonância com a divisão política do território (CATAIA, 2001).

Portanto, os territórios mudam sua estrutura e seu funcionamento de acordo com os movimentos da sociedade. Na medida com que mudam os contextos, alteram-se os conteúdos espaciais, de maneira a produzir um território adequado a cada período histórico. Logo, o território revela um conjunto de relações realizadas através de funções e de formas, testemunhando uma história escrita por processos do passado e do presente, considerando que essas relações não ocorrem de maneira igualitária em todos os lugares, daí resultando nas diferenciações territoriais (SANTOS, 2004).

Através do trabalho, o homem cria materialidades intrinsecamente, interligadas a modos específicos de organização e regulação, que retratam a configuração territorial. Nesta perspectiva, o território se desenha a partir das sociedades, por meio de sua produção e de seu uso. Assim sendo, compreender a constituição do território implica na necessidade de analisá-lo sistematicamente.

Para Gomes, P., (2006a), o território é denotativo de delimitação espacial, do estabelecimento de limites, que implicam na separação, classificação e distribuição das coisas e das práticas sociais no espaço.

Raffestin (1993, p. 62) ressalta que “o limite é um sinal ou, mais exatamente, um sistema sêmico utilizado pelas coletividades para marcar o território: o da ação imediata ou o da ação diferenciada”.

As barreiras impostas pela natureza, durante algum tempo, foram considerados como os únicos limites existentes, causadores de delimitações territoriais. No entanto, por meio da técnica “trabalho”, o homem superou as barreiras naturais e criou outras, as barreiras políticas, que se constituem como meios de definição e organização do território.

Santos (2004) ao centrar seus esforços na compreensão do período atual, afirma que “hoje, com a globalização, pode-se dizer que a totalidade da superfície da terra é compartimentada, não apenas pela ação direta do homem, mas também pela sua presença política” (SANTOS, 2002, p. 81). Assim, todo o planeta se torna passível de uso, pois, “com a globalização, todo e qualquer pedaço da superfície da terra se torna funcional às necessidades, usos e apetites de Estados e empresas nesta fase da história” (SANTOS, 2002, p. 81).

Essa maior possibilidade de uso, decorrente do desenvolvimento tecnológico e científico, característico do período atual, implica numa maior compartimentação política. Essa se dá decorrente de racionalidades internas e externas, atuantes nos territórios, de modo a impor novas lógicas (SANTOS, 2002).

No que tange aos vetores externos, verifica-se a proeminência dos sistemas técnicos e da informação, que atuam, seletivamente no território, por meio dos interesses hegemônicos 'empresariais' que têm como fundamento a racionalidade do capital, predominando em áreas de grande dinamicidade técnica e econômica, onde os vetores de modernização estão presentes. Esta perspectiva é apontada por Cataia (2001) ao estudar o processo de criação de municípios no Brasil, compreendendo que nas áreas fluídas do território nacional, este processo é viável e bastante impulsionado pelos interesses corporativos das empresas.

No que se refere às racionalidades internas, estas ocorrem por meio das ações localmente instituídas, nas quais “os mesmos interesses criam uma solidariedade ativa, manifestada em forma de expressão comum, gerando, desse modo, uma ação política” (SANTOS, 2004, p. 288).

Essa variável se faz presente em áreas em que os interesses locais se sobressaem, como nos espaços que portam pouca dinamicidade econômica, como nas áreas interioranas de regiões, como o Nordeste brasileiro, nas quais o capital hegemônico não se constitui como elemento impulsionador para novas compartimentações territoriais. Todavia, ressalta-se que todo processo social é revestido de intencionalidades. Assim, se esse elemento não se faz predominante, outros, certamente, exercem influência, podendo-se citar o modelo político tradicional.

Coexistem, portanto, no período histórico atual, temporalidades diferenciadas, espaços modernos, fundados na presença do grande capital e espaços não fluidos, firmados em estruturas arcaicas de reprodução do poder político, característica essa, presente em nossa área de estudo. Portanto, a estrutura do território nacional é formada por lugares modernizados, vinculados às redes mundiais da divisão territorial do trabalho e por lugares opacos, que abrigam os dados de uma divisão territorial do trabalho pretérita (SILVEIRA, 1999). Entretanto, ambos estão circunscritos em meio aos compartimentos políticos, demarcados através das fronteiras políticas territoriais.

sendo ela resultante da decisão de um poder ratificado, legitimado, institucionalizado, passando a configurar o território político, caracterizado pela presença do poder estatal no território.

O Estado, em sua essência, necessita de limites bem definidos usados para demarcar sua área de soberania e organização. Nesta perspectiva, as fronteiras têm o papel de informar e seguem uma intencionalidade, caracterizando-se como forma- conteúdo. Através dos conteúdos (sociais, econômicos, políticos e culturais), torna- se possível compreender a dinâmica entre espaço-sociedade, sendo os conteúdos responsáveis pela mudança das formas.

Assim sendo, o território se transforma, através de uma dinâmica contínua, decorrente dos objetos criados pelo homem e das ações que os animam, resultantes das modernizações, que acontecem de forma diferenciada nos lugares, destacando, assim, as compartimentações territoriais.

De tal modo, novas compartimentações expressam um projeto social, fazendo, assim, emergir implicações sócio-territoriais, que se constituem como fatores relevantes, tanto no que tange à própria organização do território, como de suas dinâmicas. “A função da forma espacial depende da redistribuição, a cada momento histórico, das funções que uma formação social é chamada a realizar” (SANTOS, 1979, p.16).

Recortes territoriais portam informações e ações sociais, caracterizados por seus sistemas políticos, que se sustentam num conjunto de normas jurídicas, econômicas, culturais e técnicas, todas elas delimitadas em suas ordens pela informação de suas fronteiras.

Para Raffestin (1993, p. 169):

Sem partições o poder não tem nenhuma referência, nenhuma estrutura, pois não saberia mais como se exercer. O jogo estrutural do poder conduz a assegurar ora a continuidade, deslocando os limites, ora a provocar a descontinuidade, criando novos limites. Não é excessivo pretender que o poder, para se manter ou se organizar, tem necessidade de se apoiar sobre esse jogo geométrico dos limites.

Nesta perspectiva, Raffestin (1993), se refere às “quadriculas do poder”, enquanto compartimentações necessárias ao seu exercício. Claval (1979, p. 21), afirma que “os fatos do poder têm uma dimensão espacial que se relaciona com os elementos por eles incorporados”. Assim sendo, o poder é algo territorializado, que

se expressa através de múltiplas facetas. Dentre elas, inseri-se o Estado, enquanto portador de formas territoriais, animadas por contextos próprios, nos quais, exerce o papel de mediador, interligando as ações de cunho externo aos interesses internos, imprimindo, no território, sistemáticas e ordenações diferenciadas.

O Estado exerce, pois, um papel de intermediário entre as forças externas e os espaços chamados a repercutir localmente essas forças externas. O Estado não é, entretanto, um intermediário passivo; ao acolher os feixes de influências externas, ele os deforma, modificando sua importância, sua direção e, mesmo, sua natureza. Isto significa que a reorganização de um subespaço sob a influência de forças externas depende sempre do papel que o Estado exerce (SANTOS, 2004, p. 226).

Esta afirmação reforça a importância das fronteiras, quando, na atualidade, fala-se no seu fim, em conseqüência do desenvolvimento das novas Tecnologias da Informação e Comunicação e da atuação, cada vez mais constante, das relações verticais, através de lógicas e interesses externos que influenciam na configuração de alguns lugares, por meio da veemência do capital financeiro, que se tornou mundializado (SANTOS, 2004). Todavia, dentro da atual conjuntura, o Estado, ainda, detém poder significante, uma vez que é de sua competência e autoridade, constranger ações, dinamizar e regular outras, no que concerne à organização do território, retido por suas fronteiras.

As políticas do Estado são territorializadas, ou seja, são geografizadas. Desta forma, as compartimentações do território são expressões geográficas do poder. Entretanto, a partir do momento em que certas divisões institucionais deixam de ser funcionais, isto é, não conseguem mais abarcar as ações do presente (políticas, econômicas ou sociais), propagam-se mudanças e redefinições na organização do território, através do sistema político (RAFFESTIN, 1993).

Assim sendo, surgem novos rearranjos territoriais, que podem refletir em novas compartimentações e circunscrições de novas fronteiras, resultantes de novos projetos políticos de organização do espaço.

Portanto, considera-se que:

[...] a fronteira não decorre somente do espaço, mas também do tempo. De fato, a quadrícula não é exclusivamente territorial, é também temporal, pois as atividades que são regulamentadas, organizadas e controladas se exprimem de uma só vez, no espaço e no tempo, num local e num momento dado, sobre certa extensão e por certa duração (RAFFESTIN, 1993, p.169).

Desta forma, a compartimentação política do território, com a criação de novas fronteiras, a exemplo as fronteiras internas dos Estados, seguem intencionalidades. Portanto, a produção de municípios revela o surgimento de novos projetos políticos, que têm o território como referência.

Neste contexto, uma gama de relações emergem, sendo elas, dialéticas, conflitantes e, também, solidárias, vislumbradas através dos acordos entre os atores sociais, que fundamentam o êxito dos projetos, perspectiva essa, constatada no nosso objeto de estudo, quando da análise do processo que resultou na criação dos municípios. Portanto, pode-se afirmar que a dinâmica política se faz perceber concretamente no território.

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