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A COMPLETUDE / INCOMPLETUDE DAS ANALOGIAS NO TEXTO

5.2. A L INGUAGEM DO LIVRO DIDÁTICO E A SUA RELAÇÃO COM A CONSTRUÇÃO

5.2.3. A COMPLETUDE / INCOMPLETUDE DAS ANALOGIAS NO TEXTO

Apesar de entendermos a incompletude da linguagem como inerente a todo e qualquer texto, como apontamos no contínuo 2 (Completude/incompletude do texto superficial/profundo), cremos que essa conseqüência com relação à materialidade do texto didático fica ainda mais forte, quando consideramos algumas analogias.

Nos exemplos que seguem, podemos notar que as analogias são bastante simplificadas, não havendo como em outros momentos, maiores construções sobre a mesma, como por exemplo, o estabelecimento de algumas caracterizações a respeito da mesma. Desse modo, entendemos que o uso de tais analogias instaura uma sensação de completude. Dito de outro modo, essas analogias aparecem nos textos como dizeres definitivos, óbvios, que não precisam

91 de maior explicação. No entanto, entendemos que essa sensação de algo completo é apenas uma ilusão com relação à linguagem. Não existem dizeres fechados, definitivos, um dizer se relaciona com outros dizeres já ditos e remetem a outros que ainda podem ser ditos (Orlandi, 1996).

Analogia 17: “O retículo endoplasmático atua como uma

rede de distribuição de substâncias no interior da célula.” (p.138)

Analogia 31: “Em cada poro existe uma complexa

estrutura protéica que funciona como uma válvula, abrindo-se para dar passagem a determinadas moléculas e fechando-se em seguida”. (p. 176)

Analogia 34: “O cromossomo, formado por um fio de

DNA salpicado de nucleossomos, é enrolado helicoidalmente, como um fio de telefone”. (p.179)

Analogia 24: “Os tilacóides se organizam uns sobre os

outros, formando estruturas cilíndricas que lembram pilhas de moedas.” (p.151)

Analogia 38: “Essas alças lembram plumas microscópicas, daí o nome plumulados”. (p.192)

Analogia 20: “ O aparelho de Golgi está presente em

praticamente todas as células eucariontes, e consiste de bolsas membranosas achatadas, empilhadas como pratos.” (p. 140)

Analogia 27: “Os cílios executam um movimento

semelhante ao de um chicote”.(p.155)

Analogia 14: “No citosol ocorrem a maioria das reações

químicas vitais, entre elas a fabricação das moléculas que irão constituir as estruturas celulares.” (p.136)

Analogia 15: “É também no citosol que muitas

substâncias de reserva das células animais, como as gorduras e o glicogênio, ficam armazenadas.” (p.136)

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Analogia 19: “O aparelho de Golgi atua como centro de

armazenamento, transformação, empacotamento e remessa de substâncias na célula.” (p. 140)

Analogia 25: “...as mitocôndrias são as centrais

energéticas das células...” (p. 151)

Analogia 26: “...os cloroplastos são as centrais

energéticas da própria vida...” (p. 151)

Quando pensamos na relação existente entre linguagem e interpretação, devemos considerar que inúmeros mecanismos são colocados em jogo. Entre eles, está o fato de que todo discurso nasce de outro e remete ainda a outro, ou seja, não há um único discurso sobre algo, mas sim um processo discursivo, ao qual os sentidos construídos nesse embate se remetem. No entanto, esses discursos que se inter-relacionam não remetem seus sentidos a qualquer direção, existe uma sedimentação de processos discursivos.

Vamos mostrar como isso se materializa no texto por meio do exemplo a seguir:

Analogia 34: “O cromossomo, formado por um fio de

DNA salpicado de nucleossomos, é enrolado helicoidalmente, como um fio de telefone”. (p.179)

Direção argumentativa:

A- “O cromossomo, formado por um fio de DNA salpicado de nucleossomos, é enrolado helicoidalmente...”

B- “...como um fio de telefone”.

No exemplo acima, evidenciamos que a direção argumentativa é dividida em dois momentos: A, em que é apresentada a forma como a estrutura da molécula de DNA está organizada e, B, em que é apresentada uma analogia. Entendemos que B, está presente na oração como uma ilustração, na medida em que possibilita que o aluno “visualize” a estrutura descrita em A. No entanto, podemos notar que apesar da sensação de completude instaurada (por meio da afirmação parece estar se dizendo tudo o que se pode dizer sobre a estrutura dos cromossomos), não é considerado o fato de que a estrutura descrita é apenas um estágio da organização da estrutura cromossômica. Após esse passo, ainda há, por exemplo, a formação de

93 regiões enoveladas (cronômeros). Podemos dizer que nesse sentido há um silêncio no discurso do livro didático, mascarado por detrás de uma sensação de completude. Isso ocorre muitas e muitas vezes no livro didático, não apenas quando o autor faz uso de analogias.

Como apontamos no contínuo dois, ao falar com voz de autoridade e fazendo uso de um discurso marcadamente cientificista, o autor instaura esse efeito de completude com relação ao material didático, o que por sua vez, provoca um sentimento de confiança por parte de seu leitor (alunos/professores). Entendemos que essa sensação de completude pode se transformar em um impedimento à aquisição de novos conhecimentos na medida em não permite ao leitor uma visão de incompletude tanto com relação à evolução do conhecimento científico e este passa a ser visto como algo pronto e inquestionável, quanto ao desenvolvimento do seu próprio processo de conhecer. Como apontamos anteriormente, existe no livro didático uma simplificação dos conhecimentos produzidos pela ciência, na tentativa de abordar um maior número de conteúdos, conseqüentemente ocorre uma abordagem superficial, em que produtos são apresentados no lugar dos processos.

Nesse sentido podemos novamente nos remeter a Bachelard, fazendo um paralelo entre essa sensação de completude o obstáculo do conhecimento geral. Segundo o autor, esse obstáculo instaura uma sensação de que já se conhece e, portanto não há dúvidas, não há mais nada a saber. Desse modo, como aponta Souza (2000), corre-se o risco de que o aluno ao tomar contato com essa intenção de completude, saia da escola com um discurso de senso comum sobre conceitos científicos, pelo fato de não reconhecer que não sabe. Assim, a autora afirma que a perspectiva de incompletude da linguagem possibilita uma visão mais crítica com relação aos conhecimentos.

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