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Capítulo 1 Cidade, visibilidades e participação

1.5. A comunicação e o planejamento urbano

A globalização da economia exclui do desenvolvimento territórios e cidades e [...] impõe aos países periféricos do capitalismo reformas políticas e institucionais que crescentemente diminuem a capacidade nacional e local de controle da sua historicidade. (RIBEIRO e JUNIOR, 2003, p. 94)

Para criar um caminho de planejamento e gestão urbana que contrarie essa tendência mundial, é enorme a variedade de aspectos que necessitam de amadurecimento e evolução, tais como: a estrutura do Estado, os instrumentos que garantam o direito à cidade, a legitimidade do processo político, a distribuição dos investimentos públicos, entre outros.

Interessa às reflexões aqui colocadas um desses aspectos: o processo participativo definido pelo Estatuto da Cidade em 2001, e que vem sendo praticado de diferentes formas. Mais especificamente, qual a potência e de que maneira os agentes envolvidos se utilizam da produção e uso de imagens audiovisuais na implementação de processos participativos. Considerando que a participação pode ser potencializada através da difusão audiovisual de conceitos básicos relativos aos problemas urbanos e também da revelação dos conflitos e agentes atuantes na construção do espaço urbano, surge a hipótese de que se a importância dessa difusão for reconhecida pelos envolvidos no processo, a articulação entre planejamento, educação, comunicação e participação pode ser potente em uma consciência coletiva atuante e esclarecida da sua realidade, para além da legislação já existente.

Essa é uma tarefa difícil, pois segundo Armand Matterlart (sociólogo estudioso das teorias da comunicação), na sociedade global da informação as dinâmicas dominantes de expansão dos monopólios e das lógicas de rentabilidade financeira limitam a capacidade coletiva no desenvolvimento de inovações de interesse geral (MATTELART, 2005, p. 21). Mas, de qualquer

modo, em relação aos debates de problemas sociais (e aqui incluímos a falta de participação no planejamento urbano como um desses problemas) atualmente:

uma nova configuração de atores sociais e profissionais, tanto em nível nacional como internacional, começou a se distanciar das dinâmicas dominantes e a retomar a questão das tecnologias da informação e da comunicação. (MATTELART, 2005, p. 13)

As tecnologias da informação e da comunicação são entendidas aqui como aquelas que se referem a inovações aplicadas em um ambiente de divisão dos conhecimentos, contrário à noção singular de “sociedade global”, onde os modos específicos “de apropriação das tecnologias são resultado da diversidade das configurações de atores inscritos nos contextos institucionais, culturais, industriais e políticos” (MATTELART, 2005, p. 14).

Esses modos atuais de apropriação tecnológica nos lançam sobre a esperança de que, baseado no conceito desenvolvido pelo filósofo Félix Guattari (1987), as revoluções moleculares derivadas dessas tecnologias de produção de conteúdo informacional e comunicacional, sejam continuamente aprimoradas em direção ao fortalecimento dos espaços de debates democráticos e atenda aos anseios e necessidades da coletividade em toda a sua heterogeneidade.

Somente uma maneira de pensar direcionada para a mudança do mundo, [...] diz respeito a um futuro que não é feito de constragimento (futuro como o espaço de surgimento inconcluso diante de nós), e a um passado que não é feito de encantamento. (BLOCH, 2005, p. 18)

Assim, assumindo a idéia de que o planejamento urbano participativo, em parte é um processo de educação da população para o desenvolvimento de sua cidadania, seria condição básica então o entendimento das ferramentas comunicacionais pelos profissionais envolvidos no plano.

Nos casos de pequenos municípios, ou bairros de médias e grandes cidades, para melhorar o entendimento do processo de elaboração do plano pela comunidade, essas ferramentas de comunicação podem ser bastante simples, como alguns cartazes em lugares de muita movimentação, um carro de som anunciando as audiências públicas, faixas nas praças, conversas com líderes comunitários, etc. De todo modo, a conformação complexa da sociedade contemporânea na era da informação (independente do tamanho das cidades) lança um desafio enorme aos diálogos e entendimentos coletivos.

Numa democracia de massa, não há como estabelecer consensos, reconhecer as questões relativas ao bem comum e as posições em disputa eleitoral sem que se passe por um tal meio essencial de sociabilidade. (GOMES e MAIA, 2008, p. 134)

Esse tal meio essencial de sociabilidade vem sofrendo alterações, mas ainda pode ser identificado como o sistema de comunicação de massa existente, mesmo que os conteúdos propagados por esse sistema não representem satisfatoriamente a coletividade,

na sociedade contemporânea, não há espaço de exposição, exibição, visibilidade e, ao mesmo tempo, de discurso, discussão e debate que se compare em volume, importância, disseminação e universalidade com o sistema de comunicação de massa. (GOMES e MAIA, 2008, p. 118)

Dessa forma, a sociedade contemporânea é entendida aqui como uma sociedade estruturada e ambientada, em grande parte, pela comunicação, como uma verdadeira “Idade Mídia”, em suas profundas ressonâncias sobre a sociabilidade contemporânea, em seus diversos campos. De todo modo, indo adiante da mera dimensão financeira e lucrativa da comunicação, pode-se propor uma presença mais abrangente das mídias, conformadas como rede, como infra-estrutura de comunicação, que torna possível características de uma nova circunstância societária, pois a articula e a molda como uma totalidade (RUBIM, 2000, p. 2 e 4).

Ou seja, há a constatação de que deve-se saber retirar todas as potencialidades da tecnologia da informação e adequar ferramentas aos modelos e graus de participação desejados em cada processo específico. Isto significa saber reconhecer as necessidades de informação dos vários públicos envolvidos, mas também as formas pelas quais ele está capacitado a absorvê-las, que também tem a ver tanto com os papéis desempenhados por esses públicos distintos na formulação de políticas e intervenções urbanas, como com as formas pelas quais as representações do espaço e os recursos para operá-las são disponibilizados. (PEREIRA e ROCHA, 2005, p. 1)

Vários são os meios de comunicação disponíveis para a mobilização social, a saber:

1. Aqueles que poderíamos chamar de curto alcance, que são peças físicas pontuais como cartazes, faixas, panfletos, televisores ou projetores de imagem os quais pela sua própria natureza, atingem um número significante de parcela da população apenas se a escala de ação do processo tiver uma área relativamente adequada a área total a ser mobilizada, e principalmente também se estiverem localizados fisicamente em pontos estratégicos de alta exposição.

2. Os jornais e revistas impressos. Nesse caso específico, apesar de serem os veículos mais receptivos e significativos, estando presentes por muito tempo nas discussões relativas ao planejamento urbano, seus fatores limitantes podem residir no fato de que os leitores alcançados podem ser apenas uma pequena parcela da população das cidades; e o perfil da população de leitores que é atingida pelo veículo normalmente não reflete necessariamente o cidadão comum que necessita das decisões do planejamento, o que ocorre também com a internet.

3. A internet, que pode ser entendida como o mais promissor meio na capacidade de interação com a população, no seu aspecto de acesso quase instantâneo a informações antes muito difíceis de serem capturadas por um cidadão comum. Nesse meio, dependendo da multidão a ser mobilizada, o fato de que mesmo tendo acesso a rede por meio dos dispositivos móveis (como

smartphones) a grande maioria da população não tem como forma complementar ao acesso, nem a

cultura do uso desse acesso por interesse político participativo, nem o conhecimento técnico básico necessário (ou mesmo interesse em conhecer), e essa situação acaba por afastar ainda a internet em ser a melhor ferramenta para exposição dos problemas e seus agentes do processo decisório no planejamento urbano. Outras questões resultantes da internet, como o grande acúmulo de informações abertas em rede (bigdata) para novos modelos de gestão das cidades (as chamadas

smartcities), apontam para uma crença demasiadamente positivista da tecnologia como solução

infalível para os problemas urbanos, como será observado no início do item 2.3 no próximo capítulo.

4. Por último, temos os meios de comunicação de massa propriamente ditos: o rádio e a televisão. Esta última, como acontece em praticamente todos os países ocidentais, "tem uma espécie de monopólio de fato sobre a formação das cabeças de uma parcela muito importante da população" (BORDIEU, 1997, p. 23). Não por acaso, esse ainda é, na segunda década do século XXI, o principal veículo de comunicação publicitária de produtos comerciais, e em campanhas eleitorais para os mais diversos cargos públicos do poder executivo no Brasil.42

Nem de longe se pretende aqui qualquer exatidão com respeito ao papel da comunicação, na capacidade de organização política da sociedade brasileira. De qualquer forma, e apesar de não fazer parte desse trabalho, não deixa de ser relevante, social e analiticamente, conhecer a diversidade de formas de montagem e editoração de narrativas utilizadas na mobilização social, que podem ser apropriadas em processos coletivos urbanos.

Estes acima citados são os veículos para as ações e requisitos de publicidade presentes no artigo 4º da resolução de nº 25 do Conselho das Cidades, do Ministério das Cidades do Governo

Segundo levantamento quantitativo domiciliar sobre os hábitos de consumo de mídia pela população brasileira,

42

realizado em 2014: 73% da população assiste televisão todos os dias, durante 4 horas e 31 minutos em média diariamente (BRASIL, 2014, p. 15).

Federal. Essa afirmação aproxima a legislação ao conceito de publicidade no qual esta última “é a propriedade de coisas, fenômenos, pessoas e circunstâncias na medida em que elas estão visíveis e disponíveis para uma espécie de conhecimento comum” (GOMES e MAIA, 2008, p. 129).

Porém, se mesmo a publicidade de fins não comercias (a chamada publicidade social) for organizada apenas segundo a lógica comercial de captura de atenção (GOMES e MAIA, 2008, p. 137), não representará um instrumento importante para o planejamento urbano participativo, simplesmente porque na elaboração de um plano diretor,

as razões oferecidas para a tomada de decisão devem ser: primeiro, partilhadas por todos que irão ser submetidos a elas; segundo, deverão ser compreensíveis de forma tal que todos aqueles que façam parte do processo deliberativo possam entender as propostas. (PEREIRA, 2007, p. 439)

A fim de extrapolar a lógica primária de captura de atenção, a publicidade no planejamento urbano a qual é pretendida como compartilhamento de razões e de entendimento coletivo de propostas, deve ser integrada com o próprio processo de planejamento enquanto conteúdo e forma definidores das ações comunicativas.

O planejamento de comunicação consiste numa importante ferramenta, na medida em que deverá orientar, através de um documento formal, as ações de comunicação. Trata-se de uma forma organizada e científica de diagnosticar [...] estabelecendo estratégias e ações que venham a cumprir os objetivos delineados. (BROCHAND, LENDREVIE, RODRIGUES e DIONÍSIO, 1999 apud NOGUTI, 2005, p. 14)

O plano de comunicação, enquanto definição das estratégias e peças de publicidade social, deve então fazer parte do desenvolvimento de qualquer proposta que se diga participativa de planejamento urbano. Para o planejador, é preciso a apreensão e atualização dos conceitos chaves

no planejamento de comunicação. Podemos exemplificar esses conceitos como: definição de públicos alvo, escolha dos meios, tempo de veiculação, audiência, cobertura, custos, entre outros (NOGUTI, 2005, p. 22).

Em qualquer situação de planejamento deve haver um plano ou estratégia de comunicação, variando o tamanho e outras especificidades de cada situação, variará também o tamanho e os objetivos da comunicação. As próprias prefeituras e câmaras de vereadores enquanto agentes públicos se utilizam em muitas situações, do planejamento de comunicação para conseguir objetivos de promoção institucional, ou de mudanças de comportamento com campanhas publicitárias para os mais diversos fins, como por exemplo, campanhas preventivas para o trânsito, campanhas para aumento de arrecadação do Imposto Predial, Territorial e Urbano - IPTU, entre outras. De todo modo, essa utilização precisa da lógica de captura de atenção, mas muito além disso, carece incorporar os diálogos sociais em múltiplos sentidos de fluxos de informação. Ou seja, não apenas a informação dos poderes institucionalizados para o cidadão, mas também no sentido contrário, e entre os cidadãos e entre as instituições.

E la mayoría de las experiencias conocidas de planeación de la política de la comunicación para el desarrollo urbano, las mediaciones simbólicas son pensadas como un dispositivo técnico de reconstrucción de la imagen interna, a fin de tratar de crear identidad colectiva como ciudad, orgullo cívico y, desde luego, atraer nuevas inversiones y personal cualificado reduciendo, a cambio, la capacidad de autodeterminación de los actores locales. [...] Conviene por ello comenzar a pensar la lógica de la comunicación, la ciudad y la ciudadanía desde otros parámetros distintos al paradigma o enfoque del marketing urbano, definiendo una agenda y líneas de desarrollo de investigación e intervención social basadas en el lenguaje de los vínculos y en la reinvidicación de lo procomún. (CABALLERO, 2010, p. 166)

Nesse processo comunicacional, o papel da produção e uso de imagens audiovisuais é central enquanto construção narrativa de conteúdos informacionais que alimentam os discursos, contra-discursos, os diálogos nos entendimentos e conflitos. As imagens são componentes dos fluxos das ações nas relações de poder na contemporaneidade líquida da informação, e pela perspectiva do desenvolvimento urbano pode assim se constituir em ferramenta nas práticas e constituições espaciais.

Capítulo 2 - A imagem em experiências participativas