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1. RUMO A UM PERCURSO DE DESENVOLVIMENTO DE COMPETÊNCIAS

1.1. Do cuidado à pessoa em situação crítica – a importância do contexto

1.1.2. A comunicação interpessoal e a relação terapêutica

A humanização dos cuidados de saúde tem por alicerce a comunicação que é um dos pilares através do qual nos relacionamos e construímos com os outros seres humanos. Comunicar, (Neves & Pacheco, 2004), é agir segundo as necessidades de cada pessoa, num processo de apoio, de forma ajudar na resolução de problemas específicos, promover a liberdade, a cultura e o autocuidado. A comunicação em saúde define-se pelo estudo e utilização de estratégias de comunicação, utilizadas para informar e persuadir as pessoas e as comunidades na tomada de decisões de modo a promover a sua saúde (Teixeira, 2004).

Neste sentido, em Enfermagem, a comunicação é uma das ferramentas do cuidado presente em todas ações realizadas ao doente, ajudando a orientar, informar, apoiar, confortar e fortalecer as suas necessidades humanas básicas, possibilitando assim ao enfermeiro desenvolver e aprimorar o seu saber-fazer (Pontes, Leitão & Ramos, 2008, citando Cianciarulho, 2003). A comunicação terapêutica é aquela que é estabelecida entre o enfermeiro – doente, com o objetivo de identificar e atender as necessidades de saúde do doente, despertando no mesmo várias oportunidades de aprendizagem, promovendo um sentimento de confiança, satisfação, segurança e ajudando-o a enfrentar os seus problemas. Esta díade permite também ao enfermeiro ascender a uma prática de enfermagem sublime no seu sentido bidirecional de reciprocidade (Pontes et al., 2008).

A relação terapêutica estabelecida com o doente constitui o eixo central da essência dos cuidados de enfermagem, pois, além de ser uma forma de conhecer o doente na sua plenitude é também um meio para compreender o seu problema/situação (Collière, 1999). No contexto do exercício profissional do enfermeiro, a relação terapêutica carateriza-se pela parceria constituída com o doente, respeitando-o e valorizando o seu

papel, sendo um veículo para que a comunicação tenha conotação terapêutica (Neves & Pacheco, 2004; Sequeira & Coelho, 2016). Sobre este assunto, Phaneuf (2005) acrescenta que a relação de ajuda é particular e permite à enfermeira promover o crescimento e o desenvolvimento das capacidades do outro, melhorando o seu funcionamento e ajudando-o a defrontar-se com os desafios da vida. Vieira (2009), complementa também referindo que a atividade do enfermeiro é exercida no cuidar da pessoa, saudável ou doente, durante todo o seu ciclo vital, dependendo do contexto da sua prática, desde ambientes de elevada tecnologia, como a existente ao nível da UCI ou até mesmo num domicílio empobrecido, porém, “a principal arma terapêutica é o próprio enfermeiro e a relação que estabelece com a pessoa que pretende ajudar” (p. 8). Assim, a relação terapêutica sustenta toda a prática de cuidados do enfermeiro especialista.

O cuidar está estreitamente relacionado com o desenvolvimento de competências comunicacionais e relacionais, providas de sustento terapêutico, na medida em que a comunicação (verbal ou não-verbal) é um veículo transmissor e um elo de ligação, presente na díade ser-cuidador e ser-cuidado, indispensável à prestação de cuidados. Neste sentido, sendo a comunicação terapêutica imprescindível à arte de um cuidar humanizado e uma competência específica do EEEMC, uma vez que este “gere a comunicação interpessoal que fundamenta a relação terapêutica com a pessoa/família face à situação de alta complexidade do seu estado de saúde; gere o estabelecimento da relação terapêutica perante a pessoa/família em situação crítica e/ou falência orgânica” (OE, 2010b, p. 3), no concretizar dos estágios I, II e III, procurei desenvolver conhecimentos aprofundados sobre técnicas de comunicação terapêutica interpessoal, perspetivando o estabelecimento de uma relação de terapêutica com o doente e família. Deste modo, para estabelecer uma relação/comunicação terapêutica com o doente e família, desenvolvi estratégias de comunicação verbal e não-verbal, tais como: promover empatia/confiança, incentivar ao diálogo, comunicar com um tom de voz e uma linguagem adequados, transmitindo clareza e coerência na informação, perceber se foi compreendida a mensagem, evitando barreiras à comunicação, escuta ativa, demonstrar compreensão, não fazer juízos de valor, expressão facial, gestos, postura corporal e aparência física adequados, respeito pelo silêncio, oferecer suporte psicólogo e emocional, reforços positivos, manobras de distração, toque terapêutico, se apropriado, manter o olhar atento, disponibilizar tempo, entre outras.

No estabelecimento de uma comunicação terapêutica importa ainda reportamo- nos ao princípio da dignidade humana, (Nunes, 2008b), que se encontra ancorado na

autonomia da própria pessoa e no respeito pelas suas opiniões, preferências, sentimentos, juízos, tolerância quanto às diferenças, convicções e valores de cada ser humano. Nesta medida, o doente sendo considerado na sua globalidade, como pessoa e um sujeito autónomo, desempenha um papel ativo em todos os seus cuidados de saúde, tendo o direito a receber informação sobre o seu estado clínico, bem como, deve ser respeitado na sua tomada de decisão esclarecida e livre, participando na envolvência e no compromisso decorrente do processo terapêutico que lhe foi atribuído. Ao profissional de saúde compete reconhecer a importância do papel do doente, o mais ativo possível, no seu processo terapêutico e proporcionar o desenvolvimento de reforços positivos junto do mesmo, pois, contribuem para o êxito do cuidar (Neves & Osswald, 2014).

Nesta perspetiva, ao longo da minha atuação em cada ambiente da prática onde decorreram os estágios, transmiti informação adequada à pessoa doente, atendendo à sua capacidade de compreensão e expliquei todas as intervenções de enfermagem realizadas, esclarecendo dúvidas, sempre que necessário, uma vez que, observei ser um dos fatores que desencadeava alguma ansiedade e stresse, podendo neste sentido ser um vetor para agravar a sua situação clínica. Para além disto, nestas circunstâncias, a minha conduta teve em consideração o dever de respeitar a vontade, escolhas da pessoa doente, atendendo à sua capacidade de autodeterminação durante a prestação de cuidados, de modo que o seu direito ao consentimento informado pudesse ser respeitado, defendido e promovido, conforme estabelecido no artigo 84.º da Lei n.º 111/2009. Neste âmbito, considerei ainda que “o doente internado tem direito à confidencialidade de toda a informação clínica e elementos identificativos que lhe respeitam” (DGS, s.d., p. 9), da qual decorre o dever do sigilo profissional, transmitindo informação referente aos cuidados de enfermagem de acordo com a sua vontade expressa, sempre que possível e ao conteúdo que de informação poderia ser partilhado, respeitando e salvaguardando a sua privacidade e intimidade, bem como, protegendo os seus direitos e assegurando seu bem-estar.

Desta forma, a comunicação tem uma forte ligação com a qualidade dos cuidados prestados. O enfermeiro deve possuir um conjunto de competências comunicacionais em saúde, com a finalidade de lhe permitir identificar rapidamente as necessidades/problemas dos doentes, para que possa intervir e decidir de forma assertiva e incisiva na promoção da saúde, adesão a tratamentos, nas medidas para evitar a doença, tanto ao nível do indivíduo, como da família ou grupos e ainda potenciar a consciencialização e o envolvimento dos doentes no processo de aceitação da sua doença, cumprir recomendações clínicas, evitar

riscos, utilizar adequadamente os serviços de saúde, aumentar a literacia individual e de grupo e melhor a saúde de todos (Sequeira & Cruz, 2016).

Tigulini e Melo (2002) referem que, principalmente, nas situações de emergência, a comunicação fica extremamente afetada devido ao profissional de saúde que “corre contra o tempo”, à pessoa doente que se encontra em situação de risco de vida e a família que se depara com o medo das consequências. No contexto de atuação pré-hospitalar o enfermeiro necessita de aplicar diariamente competências relacionais e comunicacionais, visto que, se depara constantemente com pessoas sem diagnósticos e planos terapêuticos definidos, com problemas que não são passíveis de esclarecer naquele momento e que experienciam uma situação catastrófica potencial ou real e desconhecida, podendo ocasionar um elevado grau de stresse para a pessoa doente e a família (Germano, 2014).

O estágio III, realizado no ambiente pré-hospitalar, permitiu-me desenvolver competências comunicacionais e relacionais, tendo constatado que a relação/comunicação terapêutica estabelecida com a pessoa doente e família/pessoas significativas é, sem dúvida, um instrumento de trabalho de cariz fundamental no processo de cuidar, uma vez que, é uma excelente fonte de informação para realizar a colheita de dados/história clínica do doente, como a título de exemplo, permite saber a sua situação atual/antecedentes pessoais relevantes, circunstâncias da ocorrência, alergias, medicação habitual e última refeição, bem como, ajuda a conhecer melhor as escolhas, crenças e vontades do doente. O estabelecimento de uma comunicação terapêutica torna possível detetar precocemente a origem/causa do evento súbito ou acidental e implementar medidas de forma adequada e atempada, além de permitir envolver a pessoa doente e a família em todo o processo de cuidados. A comunicação eficaz neste contexto possibilita também ao enfermeiro transmitir informação e esclarecimentos sobre atitudes a adotar em situações idênticas. Neste estágio, estabelecer uma comunicação terapêutica efetiva com o doente e família, em simultâneo, com a rápida e assertiva gestão de cuidados, tornou-se um desafio, em especial, em situações em que o doente apresentava incapacidade de comunicar/alteração do estado consciência ou em situações de elevada ansiedade por parte da família, nas quais, procurei incidir, sobretudo, na comunicação não-verbal (aparência física, postura corporal, gestos, toque, expressão facial, olhar atento, entre outros), para que a comunicação promovesse uma intervenção holística provida de significado humano e terapêutico. Procurei também noutras situações incentivar à comunicação, sendo objetiva e utilizando termos simples, precisos e de forma clara, que facilitassem o intercâmbio comunicacional.

De uma forma similar, no contexto do estágio I realizado no SU, foi muito importante o desenvolvimento de estratégias de comunicação com o doente crítico e família. A rapidez de atuação, a realização de técnicas e procedimentos terapêuticos devido à situação urgente/emergente, por vezes, ditavam a exigência de condutas de intervenção, por parte do enfermeiro, que levassem ao estabelecimento de uma comunicação terapêutica efetiva e adequada ao tipo de doente, baseada numa interação entre o doente-enfermeiro- família e, consequentemente, numa relação de reciprocidade terapêutica e confiança entre ambos. Esta experiência, permitiu-me constar a importância de estar ainda mais desperta para desenvolver habilidades, atitudes, competências ao nível comunicacional e relacional em situação de emergência, uma vez que, estas técnicas de cariz diversificado e de acordo com cada caso particular, também podem ser aprendidas, desenvolvidas, treinadas e aprimoradas na forma como são aplicadas, compreendidas e aceites/validadas pelo doente/família, na medida em que facilita os mesmos a ultrapassar a situação-problema, que os conduziu ao SU ou a outro contexto da prática. Nestas situações, prestei ainda uma assistência no sentido de tranquilizar o doente, de forma a transmitir informação adequada, faseada e de acordo com as suas capacidades e necessidades. Este facto é esclarecido por Teixeira (2004), dizendo que a informação oferecida em saúde deve ser precisa, clara, acessível, credível, fácil de relembrar, deve ter consistência, ser baseada na evidência, personalizada à medida das necessidades de cada pessoa, naquele determinado momento e também moldada de acordo com a sua cultura e cognição.

No decorrer do estágio II, a UCIP, foi o ambiente da prática onde mais vezes desenvolvi estratégias de comunicação com o doente crítico submetido a ventilação mecânica invasiva (com dispositivos de intubação orotraqueal e traqueostomia), pela sua elevada prevalência neste contexto. Estes doentes por se encontrarem incapazes de comunicar verbalmente devido à ventilação mecânica, ao estado clínico e ambiente envolvente, (Henriques, Silva & Ferreira, 2012), necessitam de estratégias adequadas à sua situação clínica e que devem ser promovidas pelos profissionais de saúde.

Nesta ótica, o doente em ventilação invasiva pode estar consciente, mas o facto de não conseguir interagir verbalmente com a família e com o profissional de saúde pode levar ao desenvolvimento de sentimentos negativos (desamparo, inquietação, insegurança, frustração), dificultando o seu processo de recuperação. A otimização de estratégias pelo enfermeiro que permitam uma comunicação eficaz com este tipo de doentes, sobretudo, de comunicação não-verbal assumem um enorme relevo, pois, diminuem o stresse, ansiedade,

possibilitam ao doente interagir com o meio exterior e expressar sentimentos, emoções, necessidades e ainda através do incentivo da família, são motivados a participar nessa comunicação (Henriques et al., 2012). Neste contexto de intervenção, foi fundamental compreender que o estabelecimento da comunicação não-verbal (olhar, toque, movimentos e expressões corporais) é tão importante como uma comunicação verbal, na medida em que esta permite melhorar a ansiedade, angústia, medo e conflitos do doente/família, pelo estabelecimento de um clima de confiança e relação de ajuda, humanizador do cuidado suportado no respeito pela dignidade, privacidade, intimidade, escolhas do doente e onde a interação entre o enfermeiro, a pessoa doente e a família é essencial no processo de cuidar. Um outro aspeto relevante acerca desta temática é a existência de comunicação em equipa favorável e eficaz, sendo vantajosa tanto para os enfermeiros como para os doentes, visto que, contribui para o bem-estar, satisfação, redução do stresse nos profissionais e propícia uma melhor resposta de cuidados para os doentes (Sequeira & Cruz, 2016). Nesta medida, a comunicação torna-se fundamental no cerne da atuação em equipa, nos mais variados contexto de atuação, onde a correta coordenação e rapidez promovem cuidados eficientes, de qualidade e segurança para o doente. Na minha intervenção em atividades/procedimentos realizados durante os três estágios, procurei desenvolver uma comunicação de forma clara, precisa e assertiva com a equipa de enfermagem e a equipa multidisciplinar, promovendo cuidados seguros, de qualidade, fomentando o espírito de atuação em equipa e assegurando a continuidade dos cuidados.

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