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4.1. Carmópolis, Aguada e o Batalhão de Bacamarteiros

4.1.2. A comunidade de prática do Batalhão de Aguada

O Batalhão de Bacamarteiros de Aguada é formado por aproximadamente setenta pessoas, em sua maioria homens. Ainda que em menor número, as mulhe- res também participam. No que concerne a sua organização o grupo pode ser consi- derado uma associação católico-popular voluntária, que atua de forma autônoma, definição utilizada por Reily (2014) ao se referir as Folias ou Companhias de Reis. No aspecto religioso o Batalhão de Aguada é consagrado a São João. Enquanto as Folias de Reis louvam os Santos Reis, o Batalhão de Bacamarteiros de Aguada lou- va São João. As semelhanças entre as Folias de Reis e os Bacamarteiros dizem respeito apenas a sua estrutura organizacional, posto que, as performances das du- as manifestações diferem em muitos aspectos.

O grupo constitui uma “comunidade de prática”, isto é, um grupo de pes- soas “que se envolvem em um processo de aprendizado coletivo em um domínio compartilhado do saber humano” (WENGER, 2012, p. 1), cujo domínio comum de interesse envolve todo o conjunto da performance da brincadeira do Batalhão – to- car, cantar e atirar com os bacamartes –, além da própria devoção a São João, co- mo destaca Idelfonso. Enquanto uma comunidade de prática (WENGER, 1998,

2012), o Batalhão de Aguada precisa de pessoas para exercer as diversas ativida- des necessárias para que o grupo funcione e para que a Festa de São João seja realizada sem contratempos.

Neste sentido, o grupo possui uma organização clara quanto aos diversos papéis administrativos e rituais que são desempenhados por seus membros. Além do domínio de interesse comum, os papeis administrativos e os papéis rituais, ou seja, as atividades que levam os indivíduos à discussões conjuntas em busca de um interesse comum compõem a categoria comunidade. A categoria prática, que carac- teriza o conhecimento compartilhado pelos membros do grupo, envolve a sequência ritual, a música e a dança.

Os papéis administrativos são de responsabilidade do líder do grupo, nes- te caso, Idelfonso Oliveira.109 Cabe ao líder zelar pela ordem do grupo, definir os en- saios e providenciar as condições necessárias para as atividades realizadas, seja em Aguada, geralmente arcando com os custos financeiros da Festa, seja nos festi- vais de folclore ou outros eventos para os quais o grupo é convidado, negociando o transporte, a hospedagem e o que mais for necessário para garantir o sucesso da performance. O líder também é o responsável pela distribuição dos papéis rituais dentro do grupo e pode ou não participar da performance.

Ainda que haja no grupo outros membros responsáveis pelas funções administrativas, cabe ao líder a última palavra nas decisões que são tomadas. Junto aos Bacamarteiros de Aguada a liderança e a autoridade de Idelfonso são inquestio- náveis. Idelfonso define quais integrantes irão participar da performance e decide quem irá viajar caso haja algum convite para o grupo participar de eventos ou festi- vais de folclore fora do Povoado.

Participar dos papeis rituais do Batalhão de Aguada é um sinal de status, principalmente se o papel estiver associado ao grupo de atiradores do Batalhão. No universo das culturas populares as funções rituais são aprendidas desde cedo, neste sentido, é comum observar a presença de crianças no Batalhão de Aguada que já atiram, utilizando bacamartes menores, construídos especialmente para elas. Duran- te o cortejo de São João, as crianças que não pertencem ao grupo transportam os bacamartes dos atiradores em troca de doces ou de alguns trocados. O simples fato

109 Em 2011 Idelfonso estava preparando a sua filha, Cileia Oliveira, para substituí-lo. Com o faleci-

mento de Idelfonso em 2016, Cileia tornou-se a primeira mulher a se tornar líder e a dona dos Baca- marteiros de Aguada.

de carregar os bacamartes parece lhes garantir certa “autoridade” perante as outras crianças.

Figura 17 – João Arcanjo (com o traje) e crianças com os bacamartes.

Fonte – Estêvão Reis [2014].

Os papéis rituais são distribuídos de acordo com a função que desempe- nham: capitão, tirador de cheio (voz principal do grupo, que canta versos improvisa- dos), músicos, dançarinos e atiradores. Até bem pouco tempo, algumas das funções desempenhadas durante a performance eram estritamente masculinas, restando às mulheres apenas a função de dançarinas.

Em 2011, durante a 47ª edição do Festival do Folclore de Olímpia, os Ba- camarteiros de Aguada apresentaram pela primeira vez uma performance com a presença de uma mulher compondo o grupo de atiradores. Geisyane Kelly do Nas- cimento, atirava com um Bacamarte cor de rosa construído por seu pai, antigo inte- grante do grupo. Em 2014, nas performances observadas durante a Festa de São João de Aguada, a presença das mulheres em funções antes consideradas masculi- nas, já era uma constante. Além do papel de dançarinas, as mulheres executavam a

função de atiradoras e estavam incorporadas ao grupo de músicos, no entanto não tocavam os instrumentos considerados principais.

Além dos papéis administrativos e rituais, há os papeis desempenhados pelas pessoas responsáveis pela confecção dos trajes, pela manutenção dos ins- trumentos musicais e dos bacamartes e pela preparação dos alimentos que serão servidos durante a Festa. O bom funcionamento da comunidade de prática dos Ba- camarteiros depende da boa execução de todos os papeis distribuídos entre os seus membros.

Os trajes usados pelo Batalhão de Aguada correspondem aos trajes ca- racterísticos do ciclo junino nordestino. O traje feminino é composto por um vestido com estampas floridas, sandálias de couro e chapéu de palha recoberto com os mesmos motivos do tecido do vestido. O chapéu é ricamente decorado com flores e babadosinhos de renda na aba. Os homens vestem calças compridas de tecido grosso, geralmente da cor verde ou bege e camisas de manga comprida confeccio- nadas com o mesmo tecido florido dos vestidos. Completam o traje masculino, tênis, chapéu de couro e um borná de pano atravessado ao peito. O borná, corruptela de embornal, nada mais é que uma pequena sacola com uma alça lateral. Levada a tiracolo, o borná é utilizado para carregar a pólvora e os demais utensílios necessá- rios para o carregamento, o disparo e a manutenção dos bacamartes (REIS, 2012).

O grupo de músicos utiliza exclusivamente instrumentos de percussão: pandeiros, ganzás, caixas (pequenos tambores) e dois tambores onças. Os pandei- ros são de diâmetro menor que os pandeiros comuns e possuem um número menor de platinelas. Os ganzás são chocalhos em formato cilíndrico, feitos de alumínio, latão ou outro tipo de metal, também muito utilizados no samba, no maracatu e no cavalo marinho. O tambor onça, ou simplesmente onça, é uma espécie de cuíca grave feita de madeira e recoberta com pele de bode em uma das extremidades, de onde sai uma vareta de fora para dentro do corpo do instrumento. Sua técnica de execução é semelhante à técnica utilizada na cuíca, friccionando-se um pedaço de pano úmido em movimentos de vai e vem na vareta. O instrumento produz um som rouco e também pode ser encontrado na brincadeira do Bumba meu Boi do Mara- nhão (REIS, 2012). (vídeo 1).

Figura 18 – dançarinas em seus trajes. Isabel Maciel, Jenolina Sousa e Ivonete Moura.

Fonte – Estêvão Reis [2014].

Figura 19 – detalhe do chapéu utilizado pelas mulheres. Fonte – Estêvão Reis [2014].

Figura 20 – músicos com seus trajes e instrumentos. Fonte – Estêvão Reis [2014].

Figura 21 – tambor onça. Fonte – Estêvão Reis [2014].

Figura 22 – caixa, pandeiros e ganzás. Fonte – Estêvão Reis [2014].

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