• Nenhum resultado encontrado

A concepção de adolescência

No documento Download/Open (páginas 81-85)

2. CAPÍTULO II A VULNERABILIZAÇÃO DA FAMILIA E O

2.2. O adolescente com autoria infracional

2.2.1. A concepção de adolescência

A adolescência como apresentada hoje não é concebida de forma homogênea, pois se constitui em objeto das diversas áreas do saber. Na adolescência ocorre o início no amadurecimento sexual, conhecido como puberdade. Seu fim não pode ser precisamente determinado, mas é marcado pelo início da maturidade social, quando da assunção de seu papel social de adulto.

Na verdade, os interesses científicos pelos temas relativos às concepções e às práticas sobre infância e adolescência foram impulsionados pelos estudos de Ariès (2006). Os estudos desenvolvidos por este autor acerca das concepções de infância, oriundas da família, do Estado, da igreja e de outras instituições sociais, apontam a tese de que a infância e a adolescência eras pretéritas da civilização ocidental.

Até meados do século XVIII não havia o conceito de infância, tampouco a organização da família enquanto núcleo. A família se apresentava extensa, as crianças eram socializadas e educadas indistintamente, misturadas aos adultos. A adolescência era confundida com a infância: não havia um uso indiferenciado entre as palavras “puer e

adolescens”; e, como a juventude significava a força da idade, na Idade Média não havia

A concepção de adolescência nos moldes atuais surge como fruto das mudanças ocorridas na família, as quais tiveram início durante os séculos XV e XVI e avançaram com vigor no século XVII. A partir daí tem-se o surgimento da família nuclear moderna, revestida com preocupações que até então não eram relevantes, como de linguagem, educação, princípios morais e de higiene. A criança vai assumindo um lugar central dentro da família (ARIÈS, 2006).

Diante desse novo olhar sobre a criança, emerge a necessidade de um sistema educacional em que as crianças não mais se deslocariam para as casas de outras pessoas para serem educadas como aprendizes, exercendo trabalhos domésticos. Crianças e adolescentes passam a frequentar a escola. O surgimento dessa forma de educar é fruto da transição do feudalismo para o capitalismo, fator que influiu na construção de um conceito de adolescência.

Essa evolução “não se deu sem resistências”, afirma Ariès (2006, p. 107). De acordo com o autor, ela decorreu em meio aos traços comuns da Idade Média, que persistiram por longo tempo, até mesmo no interior da própria escola. Havia uma necessidade de separar a juventude do mundo dos adultos corrompido moralmente, a fim de manter a inocência primitiva do infanto e melhor adestrá-lo moral e intelectualmente, com a imposição de disciplinas autoritárias. A separação social e a inserção escolar retardaram a entrada do adolescente na idade adulta. Com a escolarização cristalizava-se o segmento dos adultos e dos indivíduos em desenvolvimento.

É no século XVIII que tem início o “sistema duplo de ensino, que especializou a formação e acentuou a diferenciação social. A escola seria reservada ao povo e teria uma duração mais curta” (NEVES, 2001, p. 26). A burguesia desejava que seus filhos fossem educados e formados para o trabalho adulto. Infere-se disto que o conceito de adolescência guarda relação com a lógica capitalista e seus interesses econômicos surgidos naquele século. Somente no século XIX a escola deixa de ser fruto de iniciativas da sociedade civil para se tornar instituição obrigatória universal, ou seja, devendo abranger a todas as classes sociais.

Considera-se pertinente a afirmação de que “o conceito de adolescência é uma construção recente e estritamente relacionada às sociedades urbanas ocidentais industriais e pós-industriais” (NEVES, 2001, p. 27). A adolescência é o período da vida humana que sucede à infância, começa com a puberdade e se caracteriza por uma série de mudanças corporais e psicológicas. Este período vai, aproximadamente, dos 12 aos 20 anos. É, ainda, o período que se estende da terceira infância até a idade adulta, marcada por intensos processos

conflituosos e persistentes esforços de auto-afirmação, correspondente à base de absorção dos valores sociais e elaboração de projetos que impliquem integração social.

No que se refere à faixa etária, a adolescência não apresenta uma única definição. Para a ONU, a adolescência inclui a juventude e se estende dos 15 aos 24 anos; já a Organização Mundial da Saúde (OMS) define que a adolescência ocorre entre os 10 e 20 anos. No Brasil, o ECA estabelece a faixa etária que vai dos 12 aos 18 anos como sendo a adolescência.

O que se infere diante disso é que não há uma idade precisa para o final da adolescência, sendo esta fase demarcada, sobretudo, por fatores de ordem sociocultural. Está ligada, portanto, à transformação da compreensão do desenvolvimento humano e também à forma como cada geração adulta se define a si própria. Por esta razão, caracteriza-se por ser uma construção histórico-social. Embora marcada pelo desenvolvimento biológico, a adolescência é um fenômeno social e histórico.

Margaret Mead (1928 apud NEVES, 2002, p. 28) comparou, no início do século XX, a adolescência em Samoa (território americano) à adolescência nos Estados Unidos, constatando que havia especificidades que cada sociedade impunha a esta fase da vida. Na primeira sociedade, Samoa, a passagem para a idade adulta ocorria de forma mais harmonizada, com ritos bem definidos, enquanto que na segunda, Estados Unidos, não se podia precisar quando exatamente a adolescência finalizava e este processo era vivido de forma mais conflituosa. Nesta perspectiva pode-se concluir que o meio social, e não as determinações biológicas, é que condiciona a passagem da infância para a fase adulta.

Também é possível inferir que a cultura tem um papel relevante na concepção de adolescência. Ou seja, o processo biológico de maturidade do adolescente (puberdade) pode até ocorrer igualmente em todas as sociedades, mas, o “fenômeno da adolescência – sua duração, suas características comportamentais, seu lugar na família e na organização social – está em grande medida culturalmente determinado” (NEVES, 2001, p. 29).

Os aspectos econômicos também contribuem para a construção da concepção de adolescência da forma como a compreendemos hoje. O capitalismo contribuiu para a visão de adolescência na medida em que crescem as desigualdades sociais promovidas pelas políticas econômicas. Neves (2001) considera que os adolescentes que passaram por lutas para garantir sua sobrevivência não tinham reservado para si o momento da adolescência como período de descomprometimento com o processo produtivo e de preparação para a idade adulta. Enquanto que com os adolescentes de classes mais favorecidas aconteceu justamente o contrário, eles puderam experienciar sua fase de adolescência com a desobrigação de prover

sua subsistência e com a perspectiva de realização de projetos futuros. O pesquisador afirma que a desigualdade “indica claramente que a classe social – sinalizada, aqui, pela necessidade ou não de trabalhar – define, em grande medida, o processo de adolescência” (NEVES, 2001, p. 78).

A adolescência deve ser entendida, então, como resultante de processos históricos, políticos, sociais e econômicos. Nesta perspectiva, Rojas (1995 apud NEVES, 2001, p. 29) afirma ser a adolescência “o resultado da interação dos processos de desenvolvimento biológico, mental e social das pessoas, e das tendências socioeconômicas e das influências culturais específicas”.

Entende-se como importante para a compreensão da adolescência a constituição da classe social, uma vez que ela influi na conduta dos membros de uma sociedade. A base para esta perspectiva está em Gramsci (2001), que faz uso da denominação ‘classes subalternas’ para designar uma parte da população que não detém os meios de produção e que se vê na situação de vender sua força de trabalho, constituindo-se em uma forma de dominação política e ideológica nas relações de poder da classe dominante.

A partir das ideias aqui apresentadas pode-se concluir que são as condições socioeconômicas, culturais e políticas que determinam a adolescência. O que contrapõe a afirmativa de Amorim (2008, p. 3), quando este afirma que “todos nascem com possibilidades e potencialidades que podem ser canalizadas para aspectos construtivos ou destrutivos, dependendo da história de vida”. As ideias apresentadas confirmam que a história de vida não é inerente ao modo de ser do adolescente, mas consequência das condições que a determina.

Em literatura mais recente encontram-se afirmações de que a infância e a juventude são consideradas estágios perigosos e frágeis da vida dos sujeitos na modernidade. Por consequência, estão factíveis de contrair “doenças do corpo e da mente, perversão sexual, preguiça, delinqüência, uso de tóxicos” (GROPPO, 2000 apud CASTRO; GUARESCHI, 2007, p. 40). Na perspectiva da autora, essa concepção promove um incremento de mais vigilância, de isolamento e de observância dos sujeitos durante a infância e juventude.

O fato é que os diferentes enfoques apresentados sobre a adolescência na perspectiva ocidentalizada trazem em comum a ideia de ocorrer uma crise na vida do adolescente, com experiências múltiplas, momentos decisivos e conflituosos na transição da vida infantil para a vida adulta. É evidente e sabido das mudanças físicas e biológicas desse adolescente, mas o que se quer enfatizar é a construção social da adolescência num contexto de exclusão socioeconômica, histórica e cultural. Para Groppo (2000), a visão ocidental, masculina, urbana e branca influencia no entendimento do jovem contemporâneo.

As consequências disso recaem sobre o jovem, suas famílias e a sociedade como um todo. Os jovens possuem legalmente igualdade, mas, como sujeitos de direitos, os pertencentes às classes menos abastadas, bem como também os negros, têm sua cidadania negada pela ausência de políticas públicas que os assegure. As famílias hoje, em sua grande maioria, são lideradas por mulheres, quebrando o paradigma da família ocidental liderada pelo homem. A sociedade, por sua vez, não sabe o que fazer com o jovem em crise e contribui com a problemática ao transferir a responsabilidade sobre ele de um para outro. Responsabilidade esta que ora recai sobre o próprio adolescente, ora sobre a família, ora sobre as instâncias da sociedade, como a escola. Daí a importância de se ter um olhar sociológico de como a juventude empobrecida vivencia a adolescência.

No documento Download/Open (páginas 81-85)

Documentos relacionados