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Postulados.

Contrariando Platão, que via no mundo sensível apenas o reflexo da "verdadeira realidade", mundo das idéias perfeitas, Aristóteles (348-322 a.C.)

desenvolveu sua “teoria Realista,” afirmando a imutabilidade dos conceitos e dos movimentos das coisas, assim como a possibilidade destes serem explicados a partir destas mesmas coisas.

Considerado pelos gregos homem de inteligência exemplar, criou um vasto sistema filosófico que envolveu os mais diversos aspectos do saber. As ciências devem a ele suas origens, talvez por influência da arte médica, heranças de seu pai. Tendo dedicado sua vida à investigação "científica,” marcando o seu sistema filosófico com uma visão biológica da realidade. Dedicando-se às investigações, produziu vasto material das diversas áreas do conhecimento: matemática, ciências naturais e outras.

As ciências ocuparam importante lugar no seu pensamento filosófico, contribuindo para a criação de nova forma de investigação, análise e apreensão da realidade, permitindo-lhe redefinir a Lógica e a Dialética em função de objetivos racionais, exercendo influências marcantes nas concepções acerca do homem e do conhecimento, de sua época e das épocas posteriores.

Com uma concepção filosófica deveras avançada para o contexto grego antigo, ele abriu horizontes até mesmo impensáveis do ponto de vista filosófico.

Definindo-se por uma atitude de investigação racional da realidade, torna-se o filósofo do período clássico que maior contribuição deu na definição, conceituação e sistematização dos princípios da matéria, da substância, da forma e do movimento.

Assim, ele explicou o ser: "...a matéria e a forma, princípios

indissociáveis. A forma é o princípio inteligível, a essência comum aos

indivíduos de umamesma espécie e pela qual todos são o que são. A matéria

épurapassividade, contendo a forma em potência"(ARANHA, 1990:54).

A filosofia de Aristóteles deu, portanto, uma direção à relação cognitiva, incorporando na compreensão da mesma novos elementos, extrapolandoos sistemas de Sócrates e Platão deforma a avançar o processo de reflexão sobre a relação do homem com o conhecimento através de outras bases teóricas. Sua filosofia se enraiza nas ciências da natureza, herdando o método de observação e classificação próprio da investigação naturalista (PESSANHA, 1978:7).

Extrapolando as idéias de Platão sobre os objetos concretos como cópias imperfeitas do real (modelos incorpóreos e eternos), contrariando esta visão, ele considerava desnecessária esta duplicação, admitindo uma única realidade constituída por seres concretos e mutáveis, objeto do conhecimento empírico:” Toda a teoria Aristotélica do conhecimento constitui, assim, uma

explicação de como o sujeito pode partirde dados sensíveis que lhe mostram sempre o individual e o concreto, para chegar finalmente a formulações

científicas"(PESSANHA, 1987:17-8).

As formulações,segundo ele, seriam científicas na medida em que fossem universais, constituindo este universal numa atividade intelectual sob forma de conceito e por via da observação do concreto, devendo ser fundamentadas na estrutura dos objetos que o sujeito conhece a partir das

sensações. Entender essa lógica exigiría a investigação da estrutura íntima dosseres e a isso sóa especulação metafísica daria a resposta.

A concepção de conhecimento em Aristóteles, fundamenta-se, desse modo, na teoria do ato-potência, ou seja, em determinada concepção de causalidade que define como causa tudo que contribui para a realidade de um ser. A dinâmica das causas éque possibilita o processode conhecimento.

"As relações metafísicas matéría-forma, potência-ato

comandam a explicação arístotélica do Homem. Assim o

objetivo da investigação ética seria o de descobrir a causa

verdadeira da existência humana. Num universo regido pela

finalidade, aquela causa é vista, por Aristóteles, comoprocura do bem ou da felicidade, que a alma (intelecto) alcançaria apenas quando exercesse atividades que permitissem sua plena realização"(PESSANHA, 1987:21).

O que permitiría a plena realização da natureza humana seria, portanto, a atividade teórica, a mais nobre e própria do homem. Única via que possibilitaria ao homem seproduzir como homem.

Nesse caso, tanto as concepções de Aristóteles como as de Platão explicam o homem e a produção do conhecimento pela mesma via: a via espiritual. O que diferencia osistema deAristóteles é que eletoma como ponto de partida no processo de conhecimentoa realidade empírica. Entretanto, esta só é compreendida segundo ele, quando projetada para o plano da metafísica. Isso conduz, ainda que por outro caminho, à compreensão do homem através do "mundodas idéias", de Platão.

Apoiando seus postulados numa idéia metafísica de natureza humana corruptível, Aristóteles concebia o homem como ser em processo de

atualização de suas potencialidades, em constante devir, e por uma idéia de essência humana constituída de matéria, relacionada aos instintos naturais, e espírito (alma) responsável pela atividade intelectual. 0 homem era portanto constituído pela união natural, e essencial, espírito e matéria. A razão tinha a função de orientar, controlar e disciplinar os impulsos naturais e irracionais que corrompem a ALMA e impedem que a natureza do indivíduo (ser) se atualize (se humanize). Por isso, a razão caracterizava a essência, a natureza do homem, como atributo que odiferenciava dos demais seresdouniverso.

Desse conceito de homem depreendia-se uma concepção de conhecimento como um processo: “O sujeito pode partir de dados sensíveis

que lhe mostram sempre o individual e o concreto, chegar finalmente a formulações científicas, que são verdadeiramente científicas, na medida em quesão necessárias euniversais" (PESANHA, 1978:19).

A relação do homem com o conhecimento se caraterizava, portanto, por um processo lógico racional, no qual as verdades científicas e universais seriam atingidas a partir do contato com a realidade sensível (empírica) e através da atividade do espirito, comandada pela razão.

Da mesma forma que o universo se moveria por uma lógica, uma hierarquia inalterável, onde cada ser ocuparia nesse movimento um lugar designado pelanatureza, o homem também teria o seu lugar natural de acordo com sua condição social. O escravo, por exemplo, era essencialmente escravo, destituído da parte da alma (noética) capaz da produção da ciência e filosofia (PONCE, 1979). Por isso ele seria incapaz de desvendar o sentido e finalidade das coisas. Essa visão define uma concepção caracteristicamente

conservadora da divisão social, uma vez que pressupunha que nem todos os homens pudessem atualizar as potencialidadesda alma. Somente aqueles que ocupassem posição de destaque na hierarquia social teriam condições de fazer “ciência”, produzir conhecimento.

Para Aristóteles, o processo educativo integraria uma visão geral do Estado, e a Cidade só podería servirtuosa se os cidadãos fossem formados na virtude. Assim era perseguido o ideal segundo o qual o homem nasce para a cidadania e o Estado existe pararealizar o bem dos cidadãos (GILES, 1987). Sendo ofim do homem a felicidade dentro da coletividade, a educação deveria ser o caminho para a realização deste fim e o Estado teria o dever de proporcionar o bem do cidadão e do próprio Estado com a função de promover o bem e a virtudeque levaria a felicidade ao cidadão e à coletividade.

O homem era concebido como animal dotado de racionalidade que definiria-o em sua natureza específica. Isso exigiría atividades pedagógicas específicas que o tomassem homem (educado) como a atividade do intelecto teórico na procura da verdade; e a excelência moral orientada pelo pensamento prático (ação).

Assim, o caminho que levaria o homem ao encontro da excelência moral e intelectual, de produção do homem, seria primordialmente a educação. Por isso seu fim deveria dirigir-se à realização do potencial específico do homem: o desenvolvimento racional.

Dessa forma, o processo educativo era concebido como meio de preparar o homem para o exercício do pensamento teórico a serviço da ação política (cidadania):

"0 processo educativo fundamenta-se na idéia de que o

conhecimento é o paradigma ou modelo intelectual do

mundo fenomenal. As ciências normativas constituem a

aplicação prática dos princípios aprendidos nas demais

ciências. Estas incluem a Ética, a Política e a Retórica. Trata-se de um programa de estudos elaborado para

formar, moldar as faculdades irracionais do homem, colocando-as sob o domínio daquela faculdade que é peculiar ao homem enquanto homem, a saber, a razão" (GILES, 1987:25).

Entretanto, a educação se daria em duas dimensões: pela instrução como formação da excelência teórica ou intelectual, exigindo tempo e experiência; e pelo hábito, como excelência moral, criado pela influência do processo educativo.

Conceituando a educação do homem como um bem moral, princípio dafelicidade, o projeto aristotélicoconcebia-a como plenitude da realização do humano no homem. A apropriação desse bem, segundo ele, não se dava só pelo saber (intelectualismo), mas a partir de atos, formação de hábitos, experiência prática (LUZURIAGA, 1984), dimensões fundamentais desse processo.

Nessa direção, três coisas seriam necessárias para tornar o homem bom: a) natureza, b) hábito e c) razão - com predominância do elemento racional, esses três aspectos deveríam estar em harmonia: "A Natureza nos é dada, mas pode ser modificadapelo hábito, e este deve serdirigido pela razão. O processo educativo deve corresponder a estes momentos respectivamente; a educação física, a do caráter (moral) e a intelectual" (LUZURIAGA, 1984:56-7).

Esses elementos definiram, portanto, as bases que deveríam orientar o processo de formação do homem e a produção/apropriação do conhecimento, ou seja, as bases antropológicas e epistemológicas do processo educativo.

À educação caberia o papel de possibilitar ao homem alcançar a

plenitude (felicidade) e a atualização das potencialidades. A virtude, conquistada a partir das experiências do indivíduo no mundo objetivo dos fenômenos e dos princípios da razão, teria o papel de libertar o homem da ignorância, do conhecimento fundado em opiniões (doxa). A produção do homem somente teria significado se buscada através do verdadeiro conhecimento (episteme) e se possibilitasse o encontro com a felicidade que representava a realização máxima do homem; pleno desenvolvimento de suas faculdades físicas, morais e intelectuais, (ARANHA, 1990).

Aristóteles, em sua proposta pedagógica definiu finalidades, princípios e métodos para tornar possível o projeto de homem por ele idealizado, para a democracia ateniense.

Opondo-se ao método dialético de Platão, aperfeiçoou o método indutivo-dedutivo, como modo de raciocínio lógico, aplicando-o objetiva e subjetivamente à educação.

Sua proposta considera no processo educativo do homem os fatores “disposições naturais (natura) para aprender (ars) e a prática ou hábito para afirmar o assimilado (exercitado) (LARROYO, 1974.82).

Sustentado por uma lógica psicológica, o conhecimento deveria, desse modo, realizar-se em três fases, conforme assinala LARROYO: “percepção do objeto, memorização do percebido e aplicação dos conteúdos

memorizados, relacionando-os entresi” (1974:181).

A educação de caráter racional, valorizando como fim último a educação do espírito (intelectual), devería íniciar-se na família, envolvendo o Estado, e ter continuidade no ginásio (liceu). Neste seriam ensinados bons hábitos e controle das emoções. O indivíduo deveria igualmente receber, além disso, a educação prática em cidadania conforme ressalta MONROE:'

“...inclui dois tipos de atividades, a prática ou executiva e a

teórica ou legislativa e judiciária. O cidadão, por intermédio das atividades práticas, chega às atividades de natureza teórica e dedica sua vida, cada vez mais, a objetivos puramente intelectuais. (...) Eassim, gradativamente, a vida

prática se transforma na vida ‘especulativa’, e os menores

bens envolvem até o supremo bem - a vida intrinsicamente boa, ou a vida perfeita” (1977:69).

A sistematização do processo do conhecimento foi a contribuição dada por Aristóteles não só a educação, como ao desenvolvimento do conhecimento racional como um todo. Ultrapassando as concepções de Sócrates e de Platão, ele definiu bases empíricas para a compreensão do homem e da realidade por meio dos critérios da verdade racional.

As concepções de educação que permearam o período clássico antigo, produziram uma Pedagogia da qual foram intérpretes Sócrates, Platão e Aristóteles, os quais orientaram as reflexões suscitadas pelos novos caminhos de busca de compreensão do homem e da sua relação com o mundo

produzindo, assim, uma antropologia e uma epistemologia ainda de caráter metafísico e idealista, pois buscavam afirmar no homem a individualidade sob o controle da razão.

Desta forma, a atividade crítica desses três pensadores traduziu uma concepção de educação que incorporou o novos valores que passaram a definir os rumos da sociedade grega. 0 processo de formação do homem passaram, assim, a ser definido tendo em vista a sua capacidade para se auto- produzir e construir sua individualidade. Tal construção deveria, todavia, dar- se sob o controle da razão, à qual deveriam-se subordinar todos aqueles aspectos da vida que até então eram compreendidos pelos referenciais da visão mítica do mundo.

Essa nova valoração do homem foi determinante na definição do significado da educação, por se fundamentar numa concepção radicada na própria essência humana, constituindo-se na meta primordial da Pedagogia de Aristóteles. A educação deveriaatuarno sentido de desenvolver no indivíduo a sua natureza “boa”, afastando-o dos fatores de aprisionamento - instintos preconceitos e paixões - que deveríam ser controlados de acordo com as exigências doespírito (intelecto).

Evidencia-se que esta Pedagogia ressaltava primordialmente a formação intelectual. Essa dimensão seria a via para conduzir o homem ao encontro de sua verdadeira essência - instaurando nele a justiça, bondade, liberdade -, qualidades necessárias ao exercício da cidadania. Dessa forma, os indivíduos seriam preparados para participarem da vida social da pólis.

Pode-se concluir, portanto, que entre outras implicações, a concepção de educação que permeou o pensamento pedagógico antigo traz emsi um modo determinado de conceber a relação entre educação e realidade social e política, presentes nas propostas antropológicas e epstemológicas de todos os pensadores aqui tratados. Concebendo a sociedade como lugar moral de convivência entre os indivíduos nas suas essências, a Pedagogia Antiga expressou-se como moralização, traduzindo uma prática social que se afirmou, excluindo de seus propósitos todos os aspectos da realidade que não correspondessem aosvalores humanos essenciais (CHARLOT, 1979).

A Pedagogia que as propostas destes pensadores revelaram traduziu, portanto, as determinações históricas nas quais ela foi produzida: o momento da história da sociedade grega em que a educação do cidadão e a sua integração na pólis passaram a constituir objeto de preocupação da reflexão filosóficae pedagógica.

CAPITULO II

CONCEPÇÕES DE EDUCAÇÃO NO PENSAMENTO MEDIEVAL

O pensamento pedagógico medieval foi marcado pela reorganização das bases teóricas que até então vinham sustentando as concepções de homem, a relação deste com o mundo e seu processo de formação. Se a Paidéia grega significou a exaltação dos valores humanos como o mais alto fim a ser alcançado por meio da atividade racional, exercendo grande influência na cultura do homem ocidental, a “paidéia medieval” encarregou-se de imprimir nessa mesma cultura o elemento religioso incorporando-o ao processo de produçãodo homem.

No presente capítulo a análise encaminha-se no sentido de mostrar como osignificado cristão passou a fundamentara compreensão da relação do homem com o saber e como isso expressando um contexto filosófico e pedagógico marcado por uma Pedagogia que buscou o sentido da formação para além da sua existência concreta - espaço de relações econômicas, políticas e sociaisde objetivação das práticas sociais da sociedade concreta.

A cultura helenística, ainda que tenha resistido, não teve como impedir que a doutrina cristã se instaurasse e se tornasse o referencial definidor das concepções de educação, tendo no cristianismo a marca fundamental do pensamento educacional da Idade Média, constituindo-se este na tendência pedagógica orientadora de um novo projeto de homem e novo papel do conhecimento no processo educativo. A relação cognitiva passou a

ter como finalidade primordial a produção do homem de fé. A razão, foi progressivamente assumindo este papel; o indivíduo deveria pautar a sua existência na razão divina e não mais na razão humana. A verdade agora deveria serbuscada pelatranscendência domundo dos homens.

Todavia, a formação grega marcou profundamente a cultura e todos os aspectos da vida do homem no mundo ocidental produzindo a concepção de homem e de mundo a partir do encontro da cultura grega com o cristianismo. O pensamento pedagógico medieval se delineou no movimento histórico de busca definalidades para a existência dos homens, incorporando novos valores, abandonandoaquelesque, em certa medida, constituíam-seem ameaça à tendência que vinha se consolidando. Dessa forma, a Pedagogia Medieval foi elaborada no bojo do movimento de encontro de culturas que incorporaram-se à história da civilização ocidental, culturas cujas raízes encontram-se na antiguidade grega.

A dimensão religiosa cristã em seus diferentes momentos foi incorporada à dinâmica social e aos interesses políticos vigentes, constituindo- se assim no referencialfilosófico e pedagógico orientadordas práticas sociais, dentre elas, a educação. A doutrina cristã desempenhou, portanto, papel integrador no interior da estrutura de classe que sustentava a produção da sociedade medieval. Produziu-se, então, uma antropologia e uma espistemologia que orientaram a relação do homem com o mundo, definindo paraa educação a função de formá-lo de acordo com os princípios da fé.

Desse modo, a razão humana que anteriormente foi concebida como único meio capaz de levar o homem ao encontro da verdade ficava relativizada, como assinala LARA:

“grande mentora cultural e, até mesmo, a única mentora, dada a precaríedade da situação, criada pela derrocada dó

Império Romano, a Igreja foi responsável pelo horizonte culturale pela racionalidade histórica da Idade Média. Claro que o domínio cultural da Igreja e a unidade que ele cria

existiam em tensãodialética" (1984:25).

Assim, a Pedagogia expressou e difundiu uma visão de mundo carregada do significado cristão, traduzindo propostas pedagógias de forte caráter disciplinador, dissimulando, desse modo, aqueles fatores de ordem econômica, política e social inerentes à forma de organização do sistema de produção da sociedade que poderíam ameaçar sua unidade e seu poder pedagógico.

Tendo-se em vista explicitar o significado atribuído à formação do homem e à produção e apropriação do conhecimento no pensamento pedagógico que marcou a Idade Média, tomar-se-ão como referência nesta análise as propostas pedagógicas de Santo Agostinho e de Santo Tomás de Aquino, pensadores que se destacaram como expressão da visão de mundo quesustentou a Pedagogia que se constituiu e tomou corpo neste momento. A influência desses dois pensadores no âmbito educacional foi decisiva na construção do pensare do agirda prática educativa edificada sob a orientação do cristianismo. Esta Pedagogia encarregou-se de sustentar o projeto de sociedade que refletisse o perfil de homem do projeto cristão.

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