• Nenhum resultado encontrado

CAPÍTULO 3 POLÍTICAS E SERVIÇOS PARA O ENVELHECIMENTO

3.3 A concepção homogênea do envelhecimento ativo

Partindo das análises já empreendidas, foi possível compreender a construção da categoria velhice, como abordado anteriormente, mas também a construção de outros sentidos em relação ao envelhecimento humano. Assistimos à velhice emergir como objeto político de gestão da vida, mas também novas configurações dos modos de gestão específicos do envelhecimento. Tal fato está relacionado, segundo Debert (2012), com a criação de uma série de etapas intermediárias no interior da vida adulta, como a ―terceira idade‖, ―meia-idade‖ ou ―aposentadoria ativa‖.

Ariès (1981) em História Social da Criança e da Família analisou a aparecimento de etapas intermediárias entre a infância e a idade adulta. Atualmente esse aparecimento está nas etapas intermediárias do envelhecimento. Como compreende Debert (2012) a aposentadoria deixou de ser um marco que indicava a passagem para a velhice. Acompanhada dessa mudança estão novas linguagens sobre o envelhecimento, em que a idade não é mais um marcador de comportamentos, hábitos e estilos de vida específicos para o grupo etário.

Em outra análise empreendida pela cientista social, a autora acredita que essas mudanças apontam transformações na maneira como a vida passa a ser periodizada, mas acima de tudo, os novos padrões de aposentadoria englobam entre os aposentados um grupo de pessoas cada vez mais jovem, redefinindo, desta maneira, formas de consumo e o perfil das demandas políticas relacionadas com a aposentadoria e o envelhecimento:

Uma parafernália de receitas envolvendo técnicas de manutenção corporal, comidas saudáveis, medicamentos, bailes e outras formas de lazer é proposta, desestabilizando expectativas e imagens tradicionais associadas a homens e mulheres em estágios mais avançados da vida. Meia idade, terceira idade, aposentadoria ativa não são interlúdios maduros entre a idade adulta e a velhice; indicam, antes, estágios propícios para a satisfação pessoal, o prazer, a realização de sonhos adiados em outras etapas da vida (DEBERT, 1997a, p. 04).

Medidas públicas e assistenciais passam a ser dirigidas à população idosa com o objetivo de otimizar a antiga figura estigmatizada do velho. As ações implementadas promovem uma nova imagem a partir de ações preventivas e da divulgação de uma imagem positiva do corpo envelhecido. Ou seja, a gestão dessa nova figura social é desviada do plano assistencialista para o de revitalização das formas de viver, principalmente por meio da divulgação do que Laslett (1987) compreende ser uma comunidade de aposentados com saúde e independência para tornar reais as expectativas dessa fase da vida, e também através da promoção de outros lugares sociais, como os grupos de convivência e as universidades para a terceira idade.

De acordo com Debert (2012, p. 62), esses novos lugares sociais e seus respectivos discursos são como ―formas de criação de uma sociabilidade mais gratificante entre os mais velhos‖. Essas associações para os idosos, presentes hoje em quase todas as cidades brasileira, são os principais meios propagadores da imagem do envelhecimento ativo e saudável, sendo expressas principalmente pelas atividades oferecidas, como dança, canto, bailes, viagens, entre outras. Como afirmam Camarano e Pasinato (2004), buscam direcionar e fortalecer a estratégia para que o segmento populacional designado como idosos busque o bem-estar no envelhecimento.

Nessa nova forma de gestão da velhice são reelaboradas as concepções sobre o corpo e a saúde. Especialistas da gerontologia emprestam seu saber científico para definir novas necessidades dos idosos e propor formas de bem-estar que devem acompanhar o avanço da idade. São doravante agentes na proposta de uma série de receitas que indicam, segundo Debert (2012), que a juventude é um bem ou um valor que pode ser conquistado por qualquer idoso a partir de medidas simples e baratas.

A autora ainda compreende que:

A suposição de que a boa aparência é igual ao bem-estar, de que aqueles que conservam seus corpos através de dietas, exercícios e outros cuidados viverão mais, sem dúvida, demanda de cada indivíduo uma boa quantidade de ―hedonismo calculado‖. [...] é preciso atentar para [...] uma dissociação entre a juventude e uma faixa etária específica e a transformação da juventude em um bem, um valor que

pode ser conquistado em qualquer etapa da vida, através da adoção de formas de consumo e estilos de vida adequados (1999, p. 72).

No entanto, seria ilusório acreditar que essas mudanças acontecem por acaso. Mais uma vez essas transformações ocorrem pelo viés discursivo e são acompanhadas pela criação de uma nova linguagem que se opõe a antigos tratamentos direcionados aos idosos e aposentados, de forma que nesse processo a juventude seja valorizada e associada a um estilo de vida específico, independente da idade biológica:

A terceira idade substitui a velhice; a aposentadoria ativa se opõe à aposentadoria; o asilo passa a ser chamado de centro residencial, o assistente social de animador social e a ajuda social ganha o nome de gerontologia. Os signos do envelhecimento são invertidos e assumem novas designações: ―nova juventude, ―idade do lazer‖. Da mesma forma, invertem-se os signos da aposentadoria, que deixam de ser um momento de descanso e recolhimento para tornar-se um período de atividade e lazer. Não se trata mais apenas de resolver os problemas econômicos dos idosos, mas também proporcionar cuidados culturais e psicológicos, de forma a integrar socialmente uma população tida como marginalizada (DEBERT, 1999, p. 78).

Contudo, embora se observe a proliferação dos grupos de convivência para a terceira idade, uma análise crítica deve ser dirigida a esses programas no tocante aos seus fundamentos. Os citados grupos, além de constituírem o principal meio propagador da imagem do envelhecimento ativo, também representam o principal local onde os idosos podem ter vínculos sociais fora do âmbito familiar. Mas, como afirma Correa (2009), muitas vezes esses espaços podem funcionar como um gueto de idosos. De fato, o próprio espaço urbano é produtor de ―guetificações‖, quando se percebe, por exemplo, lugares de circulação da população jovem como em determinadas casas noturnas ou bares. Nesses lugares, raramente encontra-se a presença de idosos. Para eles estão disponíveis os grupos de convivência, para que permaneçam entre os seus iguais.

Outro aspecto a ser questionado nos grupos de convivência para idosos é o poder de indução comportamental. Como esses programas são o principal meio propagador da nova imagem do envelhecimento ativo, através de atividades de lazer, entretenimento, cultura, entre outras, eles acabam não apenas reproduzindo, mas manipulando atitudes e visões de mundo específicas. Como compreende Teixeira (2007b), é em nome desses novos valores, de uma nova sociabilidade movida pelas necessidades de entretenimento e de desenvolvimento da personalidade, capaz de criar alternativas de estilo de vida, que se enfatizam as funções do lazer, base de onde emergem os objetivos buscados nesses programas para a terceira idade.

É nesta direção que caminham os grupos de convivência. Pautados na ideia de uma nova ocupação do tempo livre da população idosa, busca-se uma maneira de ―ensinar‖ a envelhecer ou até mesmo como não envelhecer, através da opção do envelhecimento ativo e de suas recomendações. Mas, como afirma Debert (1999), aplaudindo o lado gratificante da experiência contemporânea da velhice, dificilmente poderíamos supor que não há uma tolerância com o corpo envelhecido, pois quando o rejuvenescimento se transforma em um novo mercado de consumo, a velhice passa a não ter mais lugar e tende a ser vista como descuido pessoal, falta de atividades e estilo de vida inadequado. Ou seja, a crescente oferta de renovação do corpo, das identidades e das auto imagens encobre os problemas próprios da idade. O indivíduo idoso passa a ser o único responsável pelos problemas que enfrenta na sua velhice, levando em consideração que as medidas necessárias para um ―envelhecimento feliz‖ devem ser tomadas por ele próprio.

Deste modo, culpabilizando e excluindo todos os idosos que não têm condições físicas, monetárias, ou até mesmo vontade de adotar esse novo estilo de vida ativo, os grupos de convivência, mesmo se apresentando como um serviço benéfico de socialização, não discutem nem ao menos cogitam a possibilidade de outras diversas formas de vivência dos idosos. Em muitos deles, as atividades são formuladas e ofertadas sem ao menos considerar a opinião do público alvo. Como afirmam Bulla e Kaefer (2003, p. 02):

É importante, portanto, compreender o idoso em suas diversas formas de ser, respeitando suas maneiras de viver, pois o fato de determinadas pessoas estarem em uma mesma faixa etária não significa que tenham passado pelas mesmas vivências e que apresentem as mesmas características e necessidades. O sujeito idoso não deve ser tratado como objeto e sim como sujeito, histórico e crítico. Como em outra faixa etária, ele deve ser percebido com suas diferentes particularidades [...].

Nesta perspectiva, a definição de um modelo pré-estabelecido do envelhecimento tem como efeito perverso a homogeneização da compreensão da velhice. Através das ideologias terceira idade, melhor idade e envelhecimento ativo, o processo de envelhecimento humano, que pode acontecer de diferentes maneiras, foi universalizado. Concordando com Silva (2008), a ascensão e a extrema valorização das imagens positivas que compõem a nova forma de envelhecer, tiveram como consequência a exclusão da possibilidade de vivenciar o envelhecimento por meio da quietude, do descanso e da inatividade, desta forma, perdendo toda a diversidade no que se refere aos modos de vida e aos caminhos de satisfação dos sujeitos.

A crítica direcionada a essa tentativa de homogeneização da velhice vem da desconsideração das reais condições que distinguem as experiências do envelhecer, experiências diversas que fazem os sujeitos, no envelhecimento, possuírem significados, desejos, necessidade e visões de mundo plurais. Se antes o grupo da população idosa era homogeneizado pela percepção de invalidez e inatividade, hoje o mesmo acontece, mas pela imposição de atitudes consideradas adequadas para um estilo de vida ativo. Nessa perspectiva, mesmo se tratando de grupos de convivência direcionados especificamente para idoso, não são consideradas as diferentes experiências vividas em diferentes contextos sociais.

Como afirma Debert (2012, p. 161):

O interesse dos programas está na possibilidade de compartilhar a experiência de recodificação do envelhecimento em uma comunidade, mas não se pode supor que o avanço da idade, automaticamente, dissolveria distinções socioculturais que marcaram todas as etapas anteriores da vida. [...] o público-alvo mostra aos coordenadores dos programas que o avanço da idade é moldado por outras experiências e que é preciso, portanto, desestabilizar a ideia de que a idade pode oferecer uma identidade fixa, unitária e coerente.

A heterogeneidade do envelhecer deve ser debatida principalmente porque grande parte das iniciativas políticas é baseada em uma visão generalizada da população idosa, como um grupo com experiências e necessidades comuns (CAMARANO; PASINATO, 2004). O próprio termo terceira idade, usado em documentos oficiais, de acordo com Debert (1997a), é uma forma de negação da velhice, visto que tal concepção abrange somente os setores privilegiados da população envelhecida que possuem condições econômicas de ter uma vida ativa e saudável.

Desta forma, a partir das considerações aqui realizadas, tendo como pressuposto que a idade não é um marcador na definição das experiências, compreende-se que políticas e serviços direcionados à população idosa devem ser analisados no sentido de compreender a quem estão se referindo. Como questiona Rocha F. (2008), as iniciativas públicas dizem respeito a que idoso? Reivindicativo ou passivo, o idoso engajado, ativo ou mais quieto, aquele que vive em família ou o que foi destinado a um asilo, a idosa dos bairros nobres, ou a faxineira que ainda ajuda criar os netos, os que ainda trabalham ou aposentados, os que ficam na fila dos bancos ou no banco da praça, os saudáveis ou doentes? Enfim, todos esses estão presentes no dia a dia da sociedade e cada indivíduo, em sua subjetividade, experimenta de forma singular seu processo de envelhecimento.

Assim, para que medidas públicas para a velhice sejam formuladas, apresenta-se como necessária uma compreensão da pluralidade de contextos sociais nos quais esses indivíduos estão inseridos. Do mesmo modo, questões específicas, efeitos de determinados marcadores de distinção, terão de ser pensados também para que a aplicação de fórmulas generalizantes não se imponha como determinismo a ser cumprido por certas políticas, mesmo quando bem intencionadas. O específico e o geral, a meu ver, devem ser contemplados numa mesma perspectiva sobre a posição de sujeito em uma sociedade. Ou seja, o processo de envelhecimento está relacionado com marcadores sociais e pode-se apresentar de diferentes formas, pluralidade essa que será explanada no próximo capítulo a partir das narrativas de idosas participantes do Trabalho Social com Idosos do SESC Deodoro, em São Luís.

CAPÍTULO 4 - “ANTIGAMENTE EU ERA IDOSA, MAS AGORA EU SOU JOVEM”

Documentos relacionados