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A CONCEPÇÃO PROBLEMATIZADORA E A EXTERIORIDADE

CONCEPÇÕES EDUCACIONAIS DE PAULO FREIRE

B. A CONCEPÇÃO PROBLEMATIZADORA E A EXTERIORIDADE

Aqui também, recolhemos a noção de exterioridade presente na reflexão de Dussel. Diferente da concepção bancária, a concepção problematizadora almeja a libertação do oprimido, a sua retirada da totalidade e a devolução de sua exterioridade.

“O antagonismo entre as duas concepções, uma, a bancária, que serve à dominação; outra, a problematizadora, que serve à libertação, toma corpo exatamente aí. Enquanto a primeira, necessariamente, mantém a contradição educador – educandos, a segunda realiza a superação” (PO 78).

A dialogicidade, negada pela educação bancária por motivos naturais, é a fonte inspiradora essencial da educação problematizadora. O diálogo é imprescindível a quem deseja a libertação. Não há possibilidades de ouvir a voz do outro sem deixá-lo falar. Dessa forma, o maior sinal de respeito pelo outro é ouvi-lo. Ouvi-lo implica em um compromisso de responsabilidade diante daquilo que irá dizer. A sua palavra retrata seus anseios, suas revoltas, esperanças, conta sua história, relata sua cultura que é o núcleo ético mítico que permeia sua vida. A minha atitude diante do que irá dizer reflete o nível de compromisso que tenho com ele. A atitude de indiferença vai ajudar a manter as coisas como estão – a opressão. O compromisso com a transformação representa uma alavanca muito forte na busca da libertação. Conseqüentemente, as atitudes deverão cada vez mais demonstrar compromisso com a mudança.

A educação problematizadora é alicerce para a libertação. Ela rompe com os esquemas verticais característicos da educação bancária. Realiza a superação da dicotomia educador – educando.

“É através deste que se opera a superação de que resulta um termo novo: não mais educador do educando do educador, mas educador-educando com educando-educador. Desta forma, o educador já não é o que apenas educa, mas o que enquanto educa, é educado, em diálogo com o educando, que, ao ser educado, também educa” (PO 78).

Na educação problematizadora não haverá mais sujeito e objeto. Apenas sujeitos do processo trabalhando juntos. Já não há mais autoridade, o diálogo

superou esta barreira.

“Já agora, ninguém educa ninguém, como tampouco ninguém se educa a si mesmo: os homens se educam em comunhão, mediatizados pelo mundo” (Paulo Freire).

Na educação problematizadora, educador e educandos descobrem juntos. O educador propicia ao educando possibilidades de descoberta, nos círculos de cultura. O objeto cognoscível não é mais propriedade do educador. Passa a ser resultado da reflexão sua e dos educando que agora não serão mais recipientes dóceis de conteúdos, mas investigadores e construtores de conhecimento. Realiza-se aqui, de forma radical, o que na cultura semita se identifica como “intersubjetividade ou metafísica da aliança”. Nos círculos de cultura, que não são o mesmo que a sala de aula, pois ocorrem onde quer que educador e educandos possam se encontrar para o processo educativo libertador, ocorre a intersubjetividade, momento em que a comunhão se estabelece como pressuposto, necessidade sine qua o processo libertador não ocorre.

“Pelo fato mesmo de esta prática educativa constituir-se em uma situação gnosiológica, o papel do educador problematizador é proporcionar, com os educandos, as condições em que se dê a superação do conhecimento no nível da doxa pelo verdadeiro conhecimento, o que se dá no nível do logos” (PO 80).

O processo agora busca a emersão do aluno, a descoberta do mundo, do conhecimento, não seu arquivamento. O educando não é mais inibido para não buscar a independência, a capacidade de pensar sozinho, ele é incentivado a aprender desvelar o mundo que está diante dele. O desvelamento que ele alcança, aos poucos vai entusiasmando-o mais na continuidade do processo e o conhecimento torna-se um pressuposto para a liberdade. A educação é a prática da liberdade. Teoria e prática em sincronismo.

O educando tem agora possibilidades de desenvolver seu poder de captação e compreensão da realidade que lhe aparece, podendo, assim, realizar a sua ação no mundo para transformá-lo. Cada um forma sua maneira de pensar e atuar, sem necessidade de ninguém que lhe comunique o mundo da forma como vê.

Agindo e percebendo a dinâmica do mundo, sua compreensão estende-se além das fronteiras daquilo que o sistema quer que veja. Sua consciência crítica é

consciência indócil. Aceitando as coisas como são, semelhante a alguém que acredita serem os fatos e as situações de suas vidas, vontade dos deuses ou fatalidades do destino. Agora, o homem sabe que as coisas ocorrem desde seus atos. Sua felicidade ou infelicidade depende de suas próprias mãos; contrariamente é manipulação pelas mãos de outros. Seu conhecimento do mundo determina sua ação sobre ele. O mundo não é mais mistificado. A educação ajuda desmistificá-lo. Sobre isso, vimos em Enrique Dussel aquilo que ele chama de fetichização do sistema, o endeusamento com a finalidade de torná-lo eterno. No processo educativo libertador que também se faz presente nos dois filósofos, o sistema perde esse status.

Enquanto a educação bancária domestica a consciência, a problematizadora liberta-a. A primeira nega a possibilidade de mudança, a segunda mostra essa possibilidade. A concepção bancária não reconhece o homem como ser histórico, senhor de seu futuro, enquanto a problematizadora reconhece o caráter histórico do homem:

“Por isso mesmo que os reconhece como seres que estão sendo, como seres inacabados, inconclusos, em e com a realidade, que sendo histórica também, é igualmente inacabada” (PO 83).

“Consciência histórica”, tal como entre os semitas. Muito pertinente é perceber que o fundamento do que diz Freire neste momento é o mesmo que o de Dussel quando nos fala sobre a cultura semita e a apresenta como éthos da libertação.

Na inconclusão e na consciência dela residem as raízes da educação como manifestação particularmente humana. Esta inconclusão reforça a necessidade da mudança do homem e o mundo que o rodeia, mudança preconizada pela educação problematizadora e combatida pela educação bancária que preconiza o estático, o imóvel, a permanência.

“Deste modo, a prática bancária, implicando no imobilismo a que fizemos referência, se faz reacionária, enquanto a concepção problematizadora que não aceitando um presente bem comportado, não aceita igualmente um futuro pré-dado, enraizando-se no presente dinâmico, se faz revolucionária” (PO 84). A educação problematizadora torna-se, assim, profética e portanto

esperançosa, para homens que caminham olhando para frente. Para isso, o homem deve pensar, diante da situação em que está, que ela não é intransponível e fatal, limite, “eterno retorno”, mas desafio. Supera-se assim, novamente em concordância com as idéias dusselianas, a fatalidade, o anti-historicismo do eterno retorno do mesmo.

A concepção problematizadora

“propõe aos homens sua situação como problema. Propõe a eles sua situação como incidência de seu ato cognoscente, através do qual será possível a superação da percepção mágica ou ingênua que dela tenham. A percepção ingênua ou mágica da realidade da qual resultava a postura fatalista cede seu lugar a uma percepção que é capaz de perceber-se” (PO 85).