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A concordância de valores entre os pais e filhos adolescentes

4. Discussão dos resultados

4.1. A concordância de valores entre os pais e filhos adolescentes

Na priorização que pais e filhos fazem relativamente aos diferentes valores, podemos constatar que, entre estas duas gerações, não existem grandes diferenças - as diferenças significativas centram-se somente nas dimensões Poder Social, Realização Pessoal e Espiritualidade, o que poderá indicar a concordância da maioria de dimensões de valores entre pais e filhos adolescentes.

Contudo, permanece em aberto a questão de que esta concordância de valores inter-geracional abarque, também, a transmissão dos valores parentais aos filhos, já que a continuidade de valores entre ambos poder-se-á dever, simplesmente, ao facto de partilharem o mesmo espaço sócio-cultural (Kohn, Slomczynski, & Schoenbach, 1983; Whitbeck & Gecas, 1988) e de sofrerem as mesmas influências macro-sistémicas (Bronfenbrenner, 1986). Neste sentido, e de acordo com a conceptualização de valor de William (cit. por Rokeach, 1979), os valores, para além de serem um núcleo de desejos do indivíduo, reflectem, simultaneamente, os desejos da sociedade, i.e., os valores enquanto produto da cultura social são enraizados no indivíduo através do processo de socialização (Bengtson et al., 2002; Braithwaite & Blamey, 1998).

Tendo como referência a teoria dos Valores Humanos Básicos de Schwartz (1992), podemos observar, através dos resultados obtidos, que ambas as gerações - pais e filhos adolescentes - mostram um equilíbrio entre os valores que expressam interesses individuais e os que expressam interesses colectivos. No entanto, apesar de os pais e os filhos terem valorizado em primeiro lugar os valores colectivos – nomeadamente, a dimensão Relacional –, existe, nos adolescentes, uma propensão para a valorização dos valores individuais. Estes dados podem reflectir o facto de pais e filhos pertencerem a gerações distintas que vivenciam fases discrepantes do ciclo de vida, estando, assim, expostos a um conjunto de inter-influências crono-sistémicas díspares. Os pais, por pertencerem a uma geração anterior, terão sido educados numa sociedade mais fechada com um regime social mais rígido em que se valorizava, sobretudo, os valores colectivistas. Acresce a isto, ainda, o factor idade que está associado a uma maior abertura à colectividade e uma necessidade mais veemente de envolvimento com o meio social. Por outro lado, para além dos adolescentes terem uma necessidade crescente de autonomia, manifestando reiteradamente características de auto-centração, actualmente,

as gerações mais recentes vivem numa sociedade mais democrática que fomenta a valorização dos valores individuais; assim, o caminho centrífugo que os adolescentes vão percorrendo, afasta-os dos sistemas de valores colectivos (Devesa, 2005).

Centremo-nos nas dimensões dos valores em que pais e filhos expressaram diferenças estatisticamente significativas: Poder Social, Realização Pessoal e Espiritualidade. Relativamente às diferenças encontradas entre pais e filhos, observamos que os pais valorizam mais o Poder Social e a Espiritualidade, e os filhos a Realização Pessoal. Os pais, enquanto resultado de um processo mais complexo e moroso de desenvolvimento pessoal e social, ocupam um lugar socialmente mais relevante, no qual poderão exercer um maior controlo sobre os outros e ter mais controlo sobre os recursos, o que poderá explicar as pontuações mais elevadas na dimensão Poder Social. Quanto à Espiritualidade, de acordo com alguns autores esta tende a aumentar com o avanço da idade (Oliveira, 2000). No que concerne à Realização Pessoal, a valorização desta dimensão pelos filhos poderá ser explicada apelando à moratória, em que os jovens procuram experimentar diferentes papéis para, posteriormente, traçarem os seus objectivos de vida.

Quanto às diferenças entre pais e filhos na valorização dos valores em função do sexo dos pais e dos filhos, verificamos que na dimensão Realização Pessoal existe uma diferença de género, com uma maior valorização desta dimensão pelos participantes do sexo masculino - pais e filhos -, o que corrobora os resultados do estudo de Schwartz e Rubel (2005). Tendo por base a Teoria Social, este resultado poderá ser explicado em função a) das expectativas sociais em relação aos papéis desempenhados por indivíduos do sexo masculino; b) do lugar que ocupam na hierarquia social, em que os homens detêm mais cargos de poder e com uma maior valorização do status (Schwartz & Rubel, 2005), o que poderá contribuir para a valorização da competência, ambição e sucesso37.

No que concerne à dimensão Poder Social, verifica-se que os pais de ambos os sexos e os adolescentes/filhos do sexo masculino apresentam resultados estatisticamente mais elevados em relação às filhas/irmãs. Este resultado reflecte, novamente, o facto dos indivíduos do sexo masculino valorizarem muito o poder e a realização pessoal, e vai de encontro com ao que é referido na literatura sobre as diferenças de género.

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Havendo uma forte influência social e, consecutivamente, de género, nos comportamentos, é esperada uma maior submissão e complacência por parte das mulheres e uma maior competitividade, dominância e controlo por parte dos homens (Philpot, Brooks, Lusterman, & Nutt, 1997). Contudo, as progenitoras não apresentaram resultados estatisticamente inferiores em relação aos pais e aos filhos, o que não corrobora o argumento descrito. No entanto, este facto poderá ser explicado com a entrada em força das mulheres no mercado de trabalho, e o aumento da igualdade de oportunidades, em que as mulheres estão progressivamente a ocupar mais cargos de relevo social (Bengtson et al., 2002), promovendo, deste modo, o poder social nas mulheres adultas.23

Verificou-se ainda, uma diferença estatisticamente significativa entre mães e filhas, em que as progenitoras valorizaram mais o poder social. Este resultado poderá ser explicado em função da diferença de idades e dos papéis sociais desempenhados por estas duas gerações. As mães têm uma participação mais activa na sociedade, em termos laboral, cultural e financeiro, fazendo com que valorizem mais os valores ligados à preservação da imagem, à fortuna, ao reconhecimento e à influência social38.

Por último, na dimensão Espiritualidade, as mães apresentaram diferenças estatisticamente mais elevadas em relação às filhas, aos filhos e aos pais, o que sugere uma maior espiritualidade por parte das progenitoras. Um dos valores englobados na Espiritualidade é a religião - que tem como princípio a ligação com o Outro (Oliveira, 2000) -, o facto de as mães terem um papel privilegiado na maternidade e no envolvimento com os filhos, permite a estas uma maior experimentação de acções ligadas ao cuidado físico e emocional dos outros.

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