• Nenhum resultado encontrado

A configuração atual do campo brasileiro: a transição do latifúndio ao

1.2 A QUESTÃO AGRÁRIA BRASILEIRA HOJE: REALIDADE,

1.2.1 A configuração atual do campo brasileiro: a transição do latifúndio ao

Por onde passei plantei a cerca farpada,

plantei a queimada. Por onde passei plantei a morte matada. Por onde passei, matei a tribo calada

a roça suada, a terra esperada...

Por onde passei, tendo tudo em lei, eu plantei o nada. Confissões do Latifúndio Dom Pedro Casaldáliga

Antes de iniciar as discussões desse item do Capítulo cumpre fazer dois destaques: (1) ao se colocar que há uma transição do latifúndio para o agronegócio não esta se concordando que o latifúndio acabou, como anunciou a Ministra da Agricultura Kátia Abreu, empossada em 2015 no segundo mandato do Governo da presidente Dilma Rousseff. Está se analisando que agora há uma concentração não somente de terras como também do capital agrário, como será melhor analisado nos próximos itens desta Tese. E (2) o que se está chamando de “configuração atual” se refere a uma análise que se inicia temporalmente nos primeiros anos do século 2000, por se entender que tal período possui características bastante singulares para a análise da questão agrária, que também serão apresentadas mais adiante. A configuração territorial brasileira tem raízes históricas muito bem marcadas e se expressa de variadas formas. Uma das formas possíveis de sintetizar esse processo é através da observância do índice de Gini do Brasil, no que toca à propriedade da terra15. Ao se espacializar tal índice pelo território brasileiro, tem-se a configuração apresentada na Figura 5:

15

Índice de Gini é um indicador de distribuição de um determinado bem. No caso específico esse índice foi aplicado para medir a distribuição da terra. O resultado varia entre 0 e 1, onde 0 significa distribuição absoluta e 1 significa concentração absoluta.

Figura 5:

Índice de Gini – Brasil - 2003

Fonte: GIRARDI, 2014.

A Figura 5 é a síntese de todo o processo histórico de expropriação pela qual passou a população do campo. Pela interpretação dos dados, quanto mais escuro no mapa, maior a

concentração fundiária. Acrescenta-se que, no Brasil, no ano de 2003, o Índice de Gini apurado pelo autor do mapa foi de 0,816 (GIRARDI, 2014), que é considerado alto.

O Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) realiza regularmente o Censo Agropecuário, no qual é mensurado o Índice de Gini do país. De acordo com o Censo Agropecuário realizado em 2006, o Índice de Gini foi de 0,872. Em 1985 e 1995 este Índice foi de 0,857 e 0,856, respectivamente (IBGE, 2015). Os dados apurados pelo IBGE demonstram que a concentração de terras não apenas é elevada como ela ainda segue uma trajetória crescente no país.

A raiz do processo, reafirma-se, não é nova. Vinhas, baseando seus estudos e análises nos pensadores da questão agrária da década de 1960, já afirmava o ponto central dos problemas do campo no Brasil. Segundo ele,

Se procedermos a uma decantação das dificuldades que se antolham à marcha da reforma agrária, vamos encontrar sempre um resíduo igual ao término de cada operação, facilmente identificável: latifúndio (VINHAS, 2011, p. 141)

No entanto, embora pela via da reforma agrária o latifúndio não tenha sido vencido, este se reformulou a tal ponto que hoje o grande dificultador do equacionamento das questões sociais e econômicas no campo não é somente o latifúndio improdutivo, muitas vezes utilizado como reserva de capital. O grande entrave agora é o agronegócio. Sobre esse ponto, será feita uma discussão mais profunda ainda nesse item.

No que tange à configuração atual da questão (da reforma) agrária, acredita-se que o ponto marcante para se analisar o período atual seja coincidente temporalmente com o início do século XXI. Tal recorte temporal se justifica por alguns motivos principais, citados a seguir:

a) O Brasil terminou a década de 1990 com uma economia fragilizada, fruto de uma crise política e de uma gestão federal pautada no neoliberalismo, com o governo do presidente Fernando Henrique Cardoso, ligado ao Partido da Social Democracia Brasileira (PSDB); b) No ano de 2003, Luis Inácio Lula da Silva, do Partido dos Trabalhadores (PT), operário e sindicalista, assumiu a presidência do país, representando uma esperança de transformação estrutural das condições sociais brasileira, o que não veio a se consolidar;

c) O agronegócio assumiu a cena política e econômica no campo brasileiro, sendo composto por uma articulação em escala nacional e mundial.

Esses fatores conjugados ajudam a compreender porque a virada do século XX para o XXI trouxe tanta novidade para o cenário rural brasileiro. No entanto, ainda na campanha eleitoral de 2002, que levaria Lula à presidência do Brasil, foi divulgado um documento intitulado “Carta aos Brasileiros” (SILVA, 2002), no qual eram colocadas as bases do que viria a ser a gestão do presidente Lula nos anos seguintes. A carta tinha como objetivo acalmar o mercado nacional e internacional (que temiam um governo revolucionário no Brasil) colocando que o PT não deixaria de honrar com os compromissos estabelecidos pelo mercado mundial e que “as mudanças que forem necessárias serão feitas democraticamente, dentro dos marcos institucionais” (SILVA, 2002, p. 4).

Embora a Carta aos Brasileiros cite a reforma agrária como necessária para a promoção da paz no campo, nos oito anos de mandato do presidente, a reforma agrária, de fato, não aconteceu. Ainda na Carta, é dada a tônica da política agrária do país, ao afirmar a importância do fortalecimento do agronegócio para equilíbrio da balança comercial brasileira. Um posicionamento político que contrastava com as bases de sua formação e com as raízes históricas do Partido dos Trabalhadores. Exemplo disso é a forma como o PT entendia a questão da reforma agrária, em 1989, quando representou, de fato, a possibilidade de revolução das relações sociais e econômicas no Brasil e depois, quando assumiu o governo. De acordo com o Programa Agrário do PT de 1989,

Afirmamos ser impossível alterar as condições de vida e trabalho no campo brasileiro apenas através do uso das terras públicas e devolutas, que – excetuando-se aquelas destinadas a estradas, parques e outros usos de interesse comum – se concentram fundamentalmente na Amazônia. Embora possam ser usadas de forma criteriosa, não são suficientes nem adequadas para viabilizar assentamentos em larga escala e abrir nova etapa de desenvolvimento para a agricultura brasileira (PT, 2012b. 182).

Ao assumir o controle do Estado, em 2003, o governo Lula elaborou uma proposta para o Plano Nacional de Reforma Agrária, que era um instrumento apontado pelo Estatuto da Terra para orientar a política agrária do país. A proposta foi coordenada por Plínio de Arruda Sampaio e apresentada em 2003. De acordo com essa proposta, a meta seria assentar um milhão da demanda total que seria de cinco milhões de famílias, entre os anos de 2004 e 2007 (FERNANDES, 2013c). Embora fosse tido como uma proposta possível de ser implementada, o governo não a adotou. Em seu lugar, foi adotado o II Plano Nacional de Reforma Agrária (II PNRA), elaborada pelo então ministro de Estado Miguel Soldatelli Rosseto. De acordo com o INCRA, a meta para o II PNRA seria:

Até o final de 2006 serão 400 mil novas famílias assentadas; 130 mil famílias terão acesso a terra por meio do crédito fundiário e outras 500 mil adquirirão estabilidade na terra com a regularização fundiária. São mais de 1 milhão de famílias beneficiadas e mais de 2 milhões de novos postos de trabalho gerados. (INCRA, 2014b, p. 5)

De acordo com a avaliação de Fernandes:

Apesar de tímido, o II PNRA tentou seguir as metas da proposta elaborada pela equipe de Plínio de Arruda Sampaio, mas indicava que não enfrentaria o problema da concentração fundiária e da subalternidade do campesinato, pois priorizava a regularização e a “integração” do campesinato no capitalismo. (FERNANDES, 2013c, p. 195)

O II PNRA não cumpriu a meta e o resultado foi bastante pífio. Segundo Fernandes “a reforma agrária de Lula, em seus dois mandatos, resultou em torno de 37% da meta do II PNRA para o primeiro mandato” (FERNANDES, 2013c. 195).

Outro fator agravante da questão é que a visão que o Partido dos Trabalhadores tinha sobre a reforma agrária na época da sua fundação, construída muito próxima com os movimentos sociais do campo foi absolutamente contrária à política de reforma agrária que o Partido adotou nos anos em que esteve no poder, onde não enfrentou, de fato, a questão agrária brasileira. Exemplo disso é que a maior parte da reforma agrária realizada foi feita pelo componente da regularização fundiária e não da desapropriação de terra, que é a que, de fato, configura a reforma agrária que transforma a estrutura fundiária. Mesmo considerando o disposto no II PNRA de que “a centralidade está no instrumento de desapropriação por interesse social para fins de reforma agrária dos latifúndios improdutivos” (INCRA, 2014b, p. 19), ao apurar os dados tem-se que no período de 2003-2010, ou seja, nos dois mandatos do governo Lula,

A regularização fundiária respondeu por 74% da área dos assentamentos, a desapropriação representou 11%, o restante ficou com outras modalidades de obtenção de terras como compra, reconhecimento etc. (FERNANDES, 2013c, p. 195).

Os dados permitem afirmar que a reforma agrária, se não sumiu totalmente, perdeu muito da sua capacidade de promover a justiça na distribuição das terras no campo.

Avaliando o governo Lula e as razões para a diminuição da reforma agrária no período, Bernardo Mançano Fernandes coloca que:

No segundo governo Lula, a reforma agrária perdeu força e os números caíram pela metade. Algumas das razões para explicar essa queda estão situadas nas políticas de redistribuição de renda, na diminuição do desemprego com a retomada do crescimento que reativou o mercado interno, ampliando o consumo de massas. Neste período, as ocupações de terras despencaram de 110 mil famílias em 2004 para pouco menos de 17 mil famílias em 2010 (DATALUTA, 2012). (FERNANDES, 2013b, p. 87)

O fato de que a reforma agrária perdeu força nos últimos anos pode ser compreendido a partir de uma vasta gama de fatores, de ordem social e econômica. O “Bolsa Família”, programa de distribuição de renda do governo federal, tem sido apontado como um elemento importante desse cenário. Sobre essas causas no arrefecimento da luta pela terra, Fernandes coloca que:

A partir de 2003, nós temos uma política de redistribuição de renda, vou colocar aqui de distribuição de renda, que é o Bolsa Família. Essa política teve um impacto na economia nacional fantástico, que fez com que a renda urbana se tornasse mais alta do que a renda rural. De maneira que muitas famílias que acampavam hoje ela avalia se vale a pena você ir [acampar]. A renda de um assentado hoje tá muito menor do que a renda de quem vive na cidade. Além de você ter uma diferença de renda, você teve também uma diminuição do desemprego. Então você tem diminuição do desemprego, diminuição da renda no campo. (Bernardo Mançano Fernandes. Entrevista. 12/03/2014).

Seguindo em sua análise, ele argumenta que as perspectivas da reforma agrária não são animadoras. Segundo ele:

Para nós fazermos uma reforma agrária desapropriatória tem que haver correlação de forças. Ingenuidade ficar pensando que um presidente vai fazer hoje uma reforma agrária desapropriatória com essa correlação de forças que está aí. Não vai fazer. (Bernardo Mançano Fernandes. Entrevista. 12/03/2014).

E ainda:

Para você concretizar uma política mais efetiva de reforma agrária, nós precisamos mexer na correlação de forças. A correlação de forças que nós temos hoje não permite isso. Ou seja, a bancada ruralista não permite que isso aconteça. E você tá vendo o PT em aliança com o PMDB, o acordo deles para [re]eleger a Dilma16 não é para fazer reforma agrária. A reforma

agrária não entra na pauta. (Bernardo Mançano Fernandes. Entrevista. 12/03/2014).

Embora situando a sua avaliação em questões de ordem social (bolsa família) e política (bancada ruralista), acredita-se que a principal razão para a diminuição do ritmo de implementação da reforma agrária seja de ordem econômica. Obviamente admite-se que a economia tem implicações com as questões sociais e políticas, mas ela é a causa principal. Economicamente é que as elites agrárias brasileiras se impõem e orientam as políticas voltadas para o campo brasileiro.

Toda a mobilização contrária a reforma agrária repercute nas várias instâncias em que a reforma agrária é pensada e onde ela tem condição para ser executada. Assim, um fator importante a ser considerado, portanto, é a destinação de recursos públicos para a reforma agrária. Torna-se importante analisar qual tem sido a postura do Estado em relação à questão (da reforma) agrária, no tocante aos recursos destinados para esta política.

Segundo dados do sítio eletrônico da Auditoria Cidadã da Dívida Pública do Brasil, o país destinou 0,12% do Orçamento Geral da União, em 2011, para a função “Organização Agrária”17

(ORÇAMENTO GERAL DA UNIÃO - 2011; 2012). É um percentual ínfimo quando comparado com o que foi destinado ao pagamento da função “Juros e Amortização da Dívida”, que totalizou 45,05% do Orçamento (Ibid). Embora, convém esclarecer, que este não seja um assunto central para esta Tese.

No entanto, o que se apresenta ainda como mais importante de ser analisado é o fato de que o total do Orçamento destinado à função Organização Agrária vem diminuindo, especialmente a partir do ano de 2007, conforme pode ser verificado com mais detalhes no Gráfico 2:

17

Esta função é subdividida nos seguintes setores: (1) desenvolvimento sustentável de projetos de assentamento; (2) assentamento para trabalhadores rurais; (3) desenvolvimento sustentável dos territórios rurais; (4) apoio administrativo; (5) assistência técnica e extensão rural na agricultura familiar; (6) crédito fundiário; (7) Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar (PRONAF); (8) gerenciamento da estrutura fundiária e destinação das terras públicas; (9) Brasil quilombola; (10) PRONERA; (11) cidadania e efetivação dos direitos das mulheres; (12) gestão da política de desenvolvimento agrário; (13) paz no campo e (14) conservação, manejo e uso sustentável da agrobiodiversidade.

Gráfico 2:

Fonte: VIGNA, 2012. Dados do Siga Brasil/Senado Federal. Elaboração INESC.

*Os valores aplicados se referem aos valores pagos na Lei Orçamentária Anual (LOA) mais Restos a Pagar de exercícios anteriores. Tudo isso compõe o chamado Desembolso Financeiro, que está apresentado no Gráfico 1.

A partir de 2007, quando a função Organização Agrária contou com um pico de orçamento de mais de cinco milhões de reais, tem-se um decréscimo nos valores destinados, até chegar em 2011, em que o orçamento desta função contou com pouco mais que três milhões de reais, o que corresponde a algo em torno de 60% do valor destinado em 2007. Se se concorda que a distância entre a intenção do Estado em promover uma determinada política pública e a efetiva consolidação dela possui relação com o volume de recursos disponibilizado para tal, conclui-se que a reforma agrária, quando muito, aparece nos discursos daqueles que ocupam o Estado em um determinado momento histórico.

Complementando estes dados referentes à redução do orçamento destinado às questões agrárias, o Gráfico 3 sistematiza o que foi falado sobre a política de reforma agrária, trazendo os números que demonstram a diminuição do número de famílias assentadas, como consequência, inclusive, do que foi apresentado no Gráfico 2.

2.908 2.856 1.726 2.879 4.265 4.982 5.598 3.918 4.285 3.815 3.303 0 1.000 2.000 3.000 4.000 5.000 6.000

Orçamento da função Organização Agrária da União Brasil - 2001 a 2011* (R$ milhões)

Gráfico 3:

Fonte: INCRA, 2015. Dados Históricos-INCRA-DT. Elaboração: Ednizia Kuhn, 2015.

Quando analisados conjuntamente, os dados apresentados nos Gráficos 2 e 3, revelam um período marcante na compreensão do processo de “esquecimento” da reforma agrária. Entre 2006 e 2008, diminui consideravelmente tanto o valor aplicado na Organização Agrária como o número de famílias assentadas. Os anos de 2005 e 2006 se destacam com um aumento no número de famílias assentadas, quando comparado à série histórica apresentada. Atribui-se esse fato ao processo de reeleição do Presidente Lula, que o conduziu por mais um mandato de quatro anos (2007-2010) onde os movimentos sociais do campo foram importantes protagonistas.

Chama ainda a atenção o fato de, em 2011, conforme o Gráfico 3, foram assentadas apenas 22.021 famílias, o menor número registrado na série histórica de 19 anos. De acordo com os dados do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), em 2011, existiam, aproximadamente, 180 mil famílias acampadas no Brasil (VIGNA, 2012).

No entanto, como tem-se tentado construir um processo explicativo para o campo brasileiro, que se pauta na reformulação do latifúndio clássico e sua transformação em agronegócio, torna-se fundamental considerar algumas análises. O agronegócio compreende a articulação de variados sistemas, como o agropecuário, o industrial, o mercantil, o

4 2 .9 1 2 6 2 .0 4 4 8 1 .9 4 4 1 0 1 .0 9 4 8 5 .2 2 6 6 0 .5 2 1 6 3 .4 7 7 4 3 .4 8 6 3 6 .3 0 1 8 1 .2 5 4 1 2 7 .5 0 6 1 3 6 .3 5 8 6 7 .5 3 5 7 0 .1 5 7 5 5 .4 9 8 3 9 .4 7 9 2 2 .0 2 1 2 3 .0 7 5 3 0 .2 3 9 1995 1996 1997 1998 1999 2000 2001 2002 2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009 2010 2011 2012 2013 Número de famílias assentadas - 1995 a 2013 - Brasil

tecnológico, o financeiro e o ideológico, daí a sua grande força e complexidade. Bernardo Mançano Fernandes aponta para este processo e para a relação entre o latifúndio e o agronegócio,

O caráter latifundiário é permanente e está explicitado no controle territorial determinado pela concentração da terra. Todavia, em sua formação, o complexo articulou os sistemas agrícola, industrial e comercial que se utilizou da verticalização da produção, por causa do uso intensivo de tecnologias e de grande investimentos, de modo que o latifúndio, embora continue sendo base territorial por concentrar o recurso terra, o processo produtivo é controlado pelo agronegócio. (FERNANDES, 2013b, p. 34)

A transição do latifúndio para o agronegócio se deu em escala mundial. Ariovaldo Umbelino Oliveira analisa a questão da mundialização da agricultura, tecendo relações entre este processo e as suas implicações para o Brasil. Sua análise é fundamental porque ela oferece uma luz para o entendimento da questão agrária no país, oferecendo subsídios para a análise dos processos econômicos que impulsionam as novas políticas públicas, inclusive, na área de Educação do Campo. Segundo Oliveira:

No final do Século XX, o modo capitalista de produção conheceu profundas transformações derivadas, de um lado, da crise e fim do socialismo no leste europeu, e de outro, da consolidação do processo de mundialização do capitalismo monopolista através do neoliberalismo. Esse processo trouxe consigo a reordenação territorial em termos mundiais da formação, compra e fusões de monopólios econômicos que passaram a comandar a economia, igualmente, em termos mundiais. A novidade que trouxe foi a presença, no plano mundial, de monopólios formados em países emergentes, ao lado de processos de ascensão internacional de setores das burguesias nacionais com apoio dos Estados. As associações entre empresas monopolistas internacionais com empresas nacionais transformaram ambas, nas empresas mundiais. Ou seja, o capital disseminou-se pelos países emergentes, arrebatando setores das burguesias nacionais, transformando-os em capitalistas mundiais (OLIVEIRA, 2012, p. 2).

A ação desses monopólios se dá, segundo o autor, de acordo com dois processos distintos e articulados:

Essas empresas articulam-se através de dois processos monopolistas territoriais no comando da produção agropecuária mundial: a territorialização dos monopólios e a monopolização dos territórios [...]. A territorialização dos monopólios atua simultaneamente, no controle da propriedade privada da terra, do processo produtivo no campo e do processamento industrial da produção agropecuária [...]. A monopolização do território é desenvolvido pelas empresas de comercialização e/ou processamento industrial da produção agropecuária, que sem produzir no

campo, controlam através de mecanismos de subordinação, camponeses e capitalistas produtores do campo (OLIVEIRA, 2012, p. 2, 8 e 10).

Isso significa que o processo produtivo no campo é outro. As necessidades do modo de produção capitalista também são outras. Não se trata mais e somente de expropriar os grupos sociais do campo. Trata-se agora de processos mais complexos de obtenção da renda da terra e subordinação desses grupos ao capitalismo, agora em sua fase monopolista. Fernandes acrescenta a esta análise que “o agronegócio é um novo tipo de latifúndio e ainda mais amplo, agora não concentra e domina apenas a terra, mas também a tecnologia de produção e as políticas de desenvolvimento” (FERNANDES, 2005, p. 38). Daí a importância de analisar a organização política atual e pensar quais estratégias serão adotadas no combate ao processo de expropriação estabelecido agora no campo.

O agronegócio traça estratégias para se legitimar perante a sociedade. Isso porque a não é interessante para ele se vincular à mesma imagem que hoje se tem do latifúndio, ligada à escravidão, à monocultura, à expropriação e à violência, conforme poética e profundamente retrata Dom Pedro Casaldáliga, no texto trazido no início desse item. Regina Bruno, em uma análise sobre o Movimento “Sou Agro”, veiculado pela mídia em 2011, esclarece melhor a questão da estratégia de construção da imagem do agronegócio. Segundo ela, “imagem, mídia e marketing cada vez mais se apresentam como organizadores da construção simbólica do poder e se encontram na base da ação e da retórica de legitimação patronal rural” (BRUNO,