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2.4 O Espaço Litoral como uma das Principais Apropriações do Território pelo

2.4.1 A configuração territorial das estâncias turísticas costeiras

Os destinos turísticos costeiros ou estâncias costeiras, entendidos como espaços produzidos para o desenvolvimento do turismo de sol e mar cujas formas e funções costumam ser diferenciadas das áreas urbanas convencionais (LIMA, 2006), correspondem a uma forma única de paisagem urbana (STANSFIELD, 1972). Com efeito, Stansfield (1972) afirma que, sendo a sua função primária o caráter recreativo, há o predomínio das atividades de lazer e recreação nos arranjos internos das zonas funcionais do destino.

O atual modelo de estância costeira, de acordo com Pearce (2003), tem suas origens nas cidades à beira-mar, cujo desenvolvimento despontou no final do Séc. XVIII e início do XIX na Europa, em países como Inglaterra e França. A partir dessa época, com as mudanças tecnológicas nos transportes e no setor da construção civil e respectivas implicações na morfologia das estâncias, começaram a surgir diferentes tipos de destinações costeiras, seja quanto às dimensões, seja quanto à forma como o turismo se desenvolve, seja quanto à configuração territorial (PEARCE, 2003). Em resumo:

Variações são percebidas não só na série de acomodações oferecidas, mas também no grau de envolvimento dos agentes de desenvolvimento internos e externos, e mesmo na capacidade dos resorts em servir a diferentes classes sociais. Essas diferenças são tidas como sendo parte de um processo evolutivo dotado de uma progressão implícita ao longo do mesmo caminho, mas a partir de diferentes pontos de vista (GORMSEN apud PEARCE, 2003, p. 282).

Pearce (2003) observa que há semelhanças nos aspectos estruturais desses espaços turísticos. O aspecto básico das destinações costeiras consiste na forma front de mer (SONEIRO, 1991; PEARCE, 2003), ou seja, a distribuição espacial das edificações dos equipamentos turísticos e de apoio que ocorre de forma linear e acompanha a faixa costeira. Paralelamente à praia há um passeio público, uma estrada ou rodovia e uma primeira linha de edificações; essas últimas incluem as “formas mais densas e caras de acomodações e um núcleo de lojas, bares e restaurantes voltados para os turistas” (PEARCE, 2003, p. 284). Essa característica da configuração territorial das destinações

costeiras nada mais é que um reflexo da valorização estética da praia como um recurso turístico58 (SONEIRO, 1991; VERA et al, 1997; PEARCE, 2003).

Esse padrão espacial “front de mer” das destinações costeiras pode ser observado em diversas realidades, tanto nos territórios turísticos maduros do Mediterrâneo quanto em destinações que só emergiram nas últimas décadas. Assim, Macedo & Pellegrino (1999) citam o modelo de ocupação de áreas costeiras brasileiras pela atividade turística, marcado pelo predomínio de manchas urbanas contínuas, as quais se estendem de forma linear pela faixa costeira, estruturadas por vias de acesso paralelas à praia. Sobre a realidade espanhola, Vera et al (1997) citam os exemplos de San Sebastian, Alicante e Málaga, lugares onde o fluxo turístico pode explicar algumas das transformações urbanas que se produziram no “front de mer”, tais como passeios marítimos, o traçado das primeiras avenidas e a construção de uma primeira linha de alojamentos e estabelecimentos hoteleiros de prestígio.

Embora a valorização da praia como um recurso turístico e o conseqüente arranjo espacial “de frente para o mar” sejam características similares às diversas estâncias turísticas, há que se reconhecer a existência de diferenças nos detalhes da organização espacial desses territórios (PEARCE, 2003). A gênese desses espaços turísticos pode ser considerada um aspecto marcante nas diferenciações, visto que há estâncias que surgiram de forma espontânea, através da “descoberta” pelos turistas, como também há aquelas que foram cuidadosamente criadas e planejadas para entrarem no mercado turístico.

De acordo com Stansfield (1972), existem dois tipos de destinos turísticos costeiros, em virtude da origem e da estrutura: i) as destinações que surgem em locais onde já existe um assentamento humano, onde pode ocorrer tanto uma interação, quanto um obscurecimento das funções econômicas pré-existentes; ii) as destinações já fundadas como tais.

Baseado em critérios como planejamento ou espontaneidade, caráter intensivo ou caráter extensivo, Barbaza (apud SONEIRO, 1991; apud GONÇALVES, 1996), por sua vez, identifica a existência de três tipos de estâncias turísticas litorais: as resultantes de

58 “A forma linear do resort junto à costa ou da cidade à beira-mar reflete a sua orientação em direção ao

um processo pontual de aménagement, as áreas de desenvolvimento extensivo e, por fim, as oriundas de um processo de desenvolvimento espontâneo. Como exemplo do primeiro grupo, Barbaza cita o planejamento proposto pelos governos romeno e búlgaro para a costa do Mar Negro, cuja “expansão turística observada não foi uma conseqüência, mas o móbil do comportamento econômico” (BARBAZA apud GONÇALVES, 1996, p. 54). Sobre essa experiência, afirma Soneiro (1991, p. 104):

El proyecto fue perfectamente meditado y calculado, de suerte que la oferta (…) precedió siempre a la demanda; de esta manera, el control del negocio turístico jamás fue abandonado a la iniciativa privada ni a la improvisación. Si a ello añadimos el carácter colectivo de la propriedad de la tierra y el papel jugado por el Estado en la financiación, podremos entender que los vastos complejos turísticos creados (Mamia, en Rumanía; Zlatni Pjassac, en Bulgária), con una capacidad receptora comprendida entre las 15.000 y las 25.000 camas turísticas, resulten ser centros funcionales muy localizados, cuyo impacto sobre la organización territorial, que continúa como antaño dominado por las funciones portuários tradicionales, apenas se há dejado sentir, siendo asimismo leves los efectos sobre el médio natural.

Em relação às destinações de desenvolvimento extensivo, Barbaza (apud SONEIRO, 1991; apud GONÇALVES, 1996) apresenta o exemplo do litoral francês de Languedoc- Roussillon, cujo desenvolvimento turístico foi um resultado de ações planejadas do governo e da iniciativa privada. À semelhança do exemplo da costa do Mar Negro, a oferta precedeu a demanda; no entanto, as conseqüências do planejamento foram diferentes, conforme nota Soneiro (1991, p. 104.): “es mucho más la réplica litoral de

las estaciones de esqui íntegrales (…) que una fórmula verdaderamente integrada en el territorio receptor”. Em resumo, criaram-se centros turísticos artificiais em um

ambiente receptor agrícola e pesqueiro, sem integração com essas atividades econômicas pré-existentes.

Diferentemente das duas situações anteriores, o terceiro caso descrito por Barbaza (apud SONEIRO, 1991; apud GONÇALVES, 1996) que usa como exemplo paradigmático a Costa Brava (na Espanha), se refere ao crescimento turístico de forma espontânea e sem planejamento dos centros turísticos costeiros. Trata-se de uma forma de desenvolvimento intensiva, surgida espontaneamente, sendo movida pela procura turística, ou seja, a demanda precede a oferta (SONEIRO, 1991).

É comum que nesse tipo de destinação, cuja gênese deu-se de forma não-planeada, não haja um controle no uso e ocupação do território o que, na opinião de Gonçalves (1996), pode levar o turismo a inibir as atividades pré-existentes como a agricultura e a pesca,

além de gerar impactos negativos no ambiente. Tanto a Costa Brava quanto a Côte d‟Azur (França), cujo desenvolvimento turístico ocorreu de forma desordenada, baseado no segmento de sol e mar, “representam tipos de destinos onde o crescimento e estruturação da oferta turística se deram em estreita articulação com a massificação dos movimentos turísticos internacionais” (GONÇALVES, 1996, p. 57).

Em resumo, nos ambientes costeiros, a atividade turística, segundo Moraes (1999), manifesta-se associada a vários processos: pode ser estruturada como um setor dentro do ordenamento urbano de uma cidade litorânea; ora pode estar articulada a espaços de segundas residências; em outra situação pode ocorrer mediante maciços investimentos que criam a função turística e fazem reviver „cidades mortas‟; ou ainda, pode ser uma indutora da ocupação de novas áreas.

Sejam os destinos turísticos litorâneos surgidos de forma espontânea, sejam os espaços cuidadosamente planejados para albergar a atividade turística, o fato é que se observa nessas áreas receptoras um acelerado processo de transformação de suas estruturas territoriais e alterações nas dinâmicas social e econômica (GONÇALVES, 1996; VERA

et al, 1997; BARROS, 1998; CRUZ, 2002).