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5 O ASSENTAMENTO SANTO DIAS: CONTEXTUALIZAÇÃO

5.1 A conquista da terra

O processo de ocupação da fazenda Capão Quente, uma antiga usina de produção de álcool que, após a falência, passou a destinar as terras para pasto, envolveu um trabalho de base desenvolvido pelo MST, com apoio do Sindicato dos Metalúrgicos de Guapé, Itajubá e a regional de Varginha, junto às comunidades rurais do município de Guapé denominadas Aparecida do Sul e Santo Antônio, além da zona urbana do município. Este trabalho culminou na ocupação pacífica da fazenda, na madrugada do dia 30 de outubro de 2002, envolvendo 96 famílias. Um aspecto peculiar deste processo, relatado no PDA (AESCA, 2010), é que a ocupação ocorreu logo após a eleição presidencial de 2002. Este fato ocasionou uma maior repercussão na mídia regional e nacional e certa visibilidade para a ação política relacionada à reforma agrária na região do

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Instrumento de gestão do Assentamento que será mais bem detalhado no decorrer deste tópico.

sul de Minas, que apresenta somente dois projetos de assentamentos: o Santo Dias e o Primeiro do Sul, localizado no município de Campo do Meio, MG.

À época, as condições eram precárias e as famílias foram se instalando em antigas casas existentes na propriedade e em barracos de lona. Após a limpeza da área e com parcos recursos (sementes, por exemplo), iniciou-se o plantio de arroz, milho e feijão, mas a produção não foi suficiente para a manutenção de todas as famílias. Este fato, somado às suas precárias condições e as dificuldades iniciais que envolvem um processo de ocupação, fizeram com que uma parte das famílias não agüentas se a prova, partindo da fazenda ocupada (MAGRINI, 2010).

O preparo do solo, o plantio e os tratos culturais eram realizados com os materiais que os acampados possuíam, como enxadas, foices, facões (ecótipos paleotécnicos) e no primeiro plantio não se utilizaram insumos, como fertilizantes químicos. A união era a tônica e, literalmente, “batiam-se ombros” na realização das tarefas no campo. Uma horta foi também estruturada e os produtos diversos eram destinados à alimentação familiar. Houve solidariedade por parte de um proprietário local que repassou uma vaca aos acampados para o fornecimento de leite que, diluído em água para maior rendimento, era repassado às famílias. Aquelas que tinham um maior número de criança recebiam uma quantidade maior. Mesmo com a comida racionada, famílias dividiam o pouco que tinham. A ajuda mútua era comum.

Neste período inicial, as famílias acampadas tinham de superar variadas formas de preconceito por parte das comunidades do entorno e da própria cidade. Estes preconceitos influenciaram a oferta de empreitas por parte de proprietários locais aos acampados, fato que agravou ainda mais a precariedade das condições iniciais no acampamento, devido à ausência de recursos financeiros. Aos poucos, e na base da amizade, alguns acampados, criados em Guapé, foram conseguindo empreitas, como roçar arroz ou apanhar café, que

empregavam um grupo de pessoas do acampamento. Assim, os preconceitos foram sendo superados e algumas divisas passaram a ser geradas, dando um alento para as famílias, especialmente as mais numerosas. Atualmente, há oferta de trabalho e um maior respeito e confiança nas famílias assentadas.

Em relação às trajetórias das famílias entrevistadas, foram verificadas semelhanças. Naturais de diversas localidades do país, como dos estados de Minas Gerais, São Paulo, Paraná e Bahia, os assentados têm origem rural e comumente migravam para outras regiões em busca de trabalho ou terra. Nesta jornada, puderam experimentar a vida na periferia de grandes e médias cidades, como em São Paulo, Campinas e Ribeirão Preto, no estado de São Paulo, convivendo com a violência urbana, com a fome, com o desemprego e o subemprego, dentre outras mazelas sociais das grandes cidades. A partir de uma diversidade de formas, as famílias tiveram acesso à informação sobre a luta pelo acesso à terra, como em reuniões paroquiais, de sindicatos ou por meio de repasses realizados por familiares que já se encontravam acampados. Por meio desse processo de formação política, parte dos receios que envolviam o engajamento na luta se diluiu, sendo o suficiente para encorajá-las a “romper a cerca” em busca de melhorias de vida, envolvendo o retorno à terra, a busca por uma morada, um local onde tivessem maior autonomia para trabalhar e produzir (Caderno de campo).

O ano de 2004 foi marcante para o assentamento Santo Dias, pois se intensificou o conflito envolvendo os acampados e o antigo proprietário, por meio de ações judiciais de reintegração de posse. À época, houve a realização de uma vistoria pelo juiz local, onde se observaram os chamados coletivos (as áreas de plantio comunitário), repletos de milho, arroz, feijão e hortaliças, entre outras culturas e as precárias condições que se encontravam as famílias acampadas. Na ocasião, a reintegração de posse foi negada por decisão judicial. No entanto, houve outras tentativas, por parte do antigo proprietário e, ainda em 2004, por

meio de decisão judicial, foi acatada a reintegração de posse, com uma liminar de despejo. Esta decisão ocasionou uma operação policial, no intuito de retirar as famílias acampadas da área. Porém, houve rápida resposta de uma advogada ligada ao MST, postergando, por alguns dias, o processo de desocupação da área. A tensão era grande no acampamento, pois o risco de uma ação policial mais rígida, visando destruir as casas, os barracos e as lavouras, aumentava com o passar dos dias.

O PDA (AESCA, 2010) descreve que esse processo culminou na decisão do juiz da vara agrária, autorizando a liberação de uma área equivalente a 250 hectares para a realização de plantio. Após esse processo, foi realizada, pelo INCRA/MG, em dezembro de 2004, uma vistoria na área e, em 12 de julho de 2005, foi registrada em cartório a carta de imissão de posse da fazenda.

A criação do Assentamento Santo Dias, depois de percorridos mais de quatro anos desde a ocupação, foi formalizada por meio da Portaria da Superintendência Regional do INCRA no 74, de 5 de dezembro de 2006, publicada no Diário Oficial da União no dia 28 de dezembro de 2006 (BRASIL, 2006).

O nome escolhido para o Assentamento é uma homenagem ao líder operário Santo Dias da Silva, assassinado por policiais militares em 30 de outubro de 1979 (mesmo dia em que houve a ocupação da fazenda Capão

Quente) (INCUBADORA TECNOLÓGICA DE COOPERATIVAS

POPULARES DA UNIVERSIDADE FEDERAL DE LAVRAS-

INCUBACOOP/UFLA, 2007).

5.2 O Assentamento Santo Dias: do planejamento às formas de organização,