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CAPÍTULO 1 – O MERCADO DA ARTE: LEIS DE INCENTIVO E MARKETING

1.3 A consolidação do patrocínio cultural no Brasil

No Brasil, a Constituição Federal de 1988 prevê, em seu Artigo 21534, que o Estado garantirá ―[...] a todos o pleno exercício dos direitos culturais e acesso às fontes da cultura nacional‖ e dará apoio ―a valorização e a difusão das manifestações culturais‖. Ou seja, a cultura deve ser vista como um compromisso do Estado, por isso, eventos culturais (exposições de arte, shows musicais, dança, teatro, etc.) sempre foram promovidos ou financiados de uma forma ou outra, via de regra, pelo Estado (através dos museus e outros órgãos), ou com o apoio de empresários interessados nos benefícios fiscais oferecidos pelo Estado aos patrocinadores de projetos culturais. Sendo que no evento da CowParade Porto Alegre o patrocínio ocorreu sem nenhuma Lei de incentivo à Cultura, portanto, não sendo passivel de dedutibilidade nos impostos da Vonpar Alimentos. Entretanto, é válido relizar a retomada histórica para perceber a evolução dos tipos de apoios financeiros à cultura.

Em 19 de junho de 1964 (ano do Golpe Militar35), foi estabelecida no Brasil a representação da UNESCO, que acabou se tornando o Escritório Nacional no âmbito do Cluster Mercosul e Chile. Em Brasília, o escritório da UNESCO iniciou suas atividades em 1972, porém, por muito tempo a colaboração foi estreita, e somente em 1992, com a Declaração Mundial sobre Educação para Todos, elaborada e aprovada por ocasião da Conferência Mundial de Educação para Todos (Jomtien, Tailândia, 1990)36, foi que a UNESCO assinou definitivamente um acordo de cooperação com o Ministério da Educação do Brasil.

A UNESCO passou a ser uma espécie de núcleo global das tensões envolvendo a cultura, e a administrar as discussões que ocorriam em âmbito mundial, relacionadas a um conjunto de ações e propostas de regulamentação, definição e normatização da categoria cultura. Mattelart (2005, p. 160) sustenta a ideia de que a cultura, como uma área de competência, conforme foi

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Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/Constitui%C3%A7ao.htm>. Acesso em: 26/02/2012.

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O Golpe Militar de 1964 designa o conjunto de eventos ocorridos em 31 de março de 1964 no Brasil, e que culminaram no dia 01 de abril de 1964, com um golpe de estado que encerrou o governo do presidente João Belchior Marques Goulart, também conhecido como Jango.

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especificamente reivindicada pela UNESCO, ganhou um peso institucional a partir dos anos 1990, com a promulgação de vários documentos de regulamentação,

declarações, recomendações e convenções.

Em 1972, um projeto de lei do senador José Sarney, que instaurava incentivos fiscais à cultura no Brasil, foi bloqueado pela área econômica do governo (Emílio Garrastazu Médici era o presidente em exercício – 1969-1974), e a iniciativa não conseguiu prosperar. O Ministério da Cultura (MinC) foi criado em 15 de março de 1985 pelo Decreto 91.14437, por desdobramento do Ministério da Educação e Cultura (MEC) com a missão constitucional de ampliar o acesso da sociedade brasileira à produção e à fruição cultural. Somente treze anos depois, em 1985, Sarney apresentou um novo projeto. No ano seguinte, em 02 de julho de 1986, a Lei

7.50538 foi sancionada e, em 03 de outubro do mesmo ano, regulamentada.

Em março de 1990, Fernando Collor e seu secretário de cultura, Ipojuca Pontes, extinguiram a Lei Sarney, e o vácuo político criado no âmbito federal inspirou a criação de incentivos fiscais municipais para o apoio de projetos culturais. Em dezembro 1990, foi promulgada a Lei Mendonça39, em São Paulo, permitindo dedução parcial dos patrocínios no ISS40 e no IPTU41. A partir daí, outros municípios brasileiros usaram o instrumento: Acre, Mato Grosso, Paraíba e Rio de Janeiro criaram leis com dedução no ICMS, estabelecendo um modelo adotado depois por outros Estados.

Em 1990, por meio da Lei 8.02842 de 12 de abril daquele ano, o Ministério da Cultura foi transformado em Secretaria da Cultura, e em dezembro de 1991, o novo secretário da cultura, o sociólogo Sérgio Paulo Rouanet, instaurou o até hoje em vigor Programa Nacional de Apoio a Cultura, conhecido como Lei Rouanet43. O Programa reestabelecia os princípios básicos da Lei Sarney e criava dois outros

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Disponível em: <http://portal.mec.gov.br/arquivos/pdf/d91144.pdf>. Acesso em: 27/02/2012. 38

Lei 7.505: Art. 1º. O contribuinte do imposto de renda poderá abater da renda bruta, ou deduzir com despesa operacional, o valor das doações, patrocínios e investimentos inclusive despesas e contribuições necessárias à sua efetivação, realizada através ou a favor de pessoa jurídica de natureza cultural, com ou sem fins lucrativos, cadastrada no Ministério da Cultura, na forma desta Lei. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L7505.htm>. Acesso em: 02/09/2011.

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Lei nº 10.923 de 30 de Dezembro de 1990. Disponível em: <http://www.cultura.gov.br>. Acesso em: 20/11/2010.

40 ISS – Imposto sobre Serviço

41 IPTU – Imposto sobre Propriedade Particular e Territorial Urbana. 42

Disponível em: < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L8028.htm>. Acesso em: 29/02/2012. 43

Lei nº 8.313, de 23 de dezembro de 1991- Lei Rouanet: restabelece princípios da Lei nº 7.505, de 02/07/1986, institui o Programa Nacional de Apoio à Cultura - PRONAC e dá outras providências. Disponível em: <http://www.cultura.gov.br>. Acesso em: 20/11/2010.

instrumentos: o FNC (Fundo Nacional de Cultura) e o FICART (Fundos de Investimento Cultural e Artístico).

Para Isaura Botelho44, em seu artigo intitulado Dimensões da cultura e

políticas públicas: ―[...] há bons exemplos de políticas democráticas desencadeadas

por governos municipais e o maior ganho, deste comprometimento, foi o de ter ampliado a visibilidade da área cultural na maioria destas gestões, o que não significa ganhos de natureza propriamente cultural‖.

Em 1989, o único mecanismo de financiamento para a cultura na cidade de Porto Alegre era o Funcultura, que viabilizava exclusivamente projetos de iniciativa do Poder Público. Com o intuito de estimular a produção cultural local, surge o Fumproarte45, criado em 1994 (o presidente da República era Itamar Franco (1992-

1994) pelo PRN – Partido da Reconstrução Nacional, o governador do Rio Grande

do Sul era Alceu Collares (1991-1994), do PDT – Partido Democrático Trabalhista, e o prefeito de Porto Alegre, Tarso Genro (1993-1997), do PT – Partido dos Trabalhadores) em Porto Alegre, através da Lei 7.328 de 1993.

O Fumproarte nasce com o objetivo de estimular a produção artístico-cultural da cidade de Porto Alegre, através de financiamento direto, a fundo perdido, de até 80% do custo total dos projetos de produção (decreto 10.867/93) ou sem limite previsto dos projetos de criação, formação, estudo ou pesquisa (decreto 16.009/08). A distribuição dos recursos é definida mediante concurso público, realizado pela Secretaria Municipal da Cultura de Porto Alegre.

O Fumproarte investe, diretamente, recursos em projetos de natureza artístico-cultural, e ao contrário das Leis de Incentivos, que trabalham em sua maioria com renúncia fiscal, o Fumproarte é um fundo que se destina a apoiar projetos das mais diversas áreas da cultura e disponibilizar o acesso da população aos mesmos46. Segundo Denise Velloso Fernandes Ribeiro, em sua dissertação de mestrado intitulada Políticas culturais públicas para as artes visuais: o caso do Frumpoarte em Porto Alegre (UFRGS, 2009), o setor de cultura municipal de Porto Alegre surgiu a partir

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BOTELHO. Isaura. Dimensões da Cultura e Políticas Públicas. Disponível em: <http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0102-88392001000200011&lang=pt>. Acesso em: 02 de maio de 2012.

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Disponível em: <http://www.portoalegre.rs.gov.br/fumproarte/>. Acesso em: 12/12/2011. 46

TOMASI, Elizabete. Fundo Municipal De Apoio À Produção Artística E Cultural De Porto

Alegre – Fumproarte. Disponível em: <nutep.adm.ufrgs.br/projetos/projportoalegre.htm#7>. Acesso

do Serviço de Recreação Pública, que já existia desde 1926, organizando programações na Praça do Alto Bronze (na época, chamada de Jardim de Recreio).

Em 1999, ocorreram transformações no Ministério da Cultura, com ampliação de seus recursos e reorganização de sua estrutura, promovida pela Medida Provisória 813, de 1º de janeiro de 1995, transformada na Lei 9.649, de 27 de maio de 1998. Em 2003, o Presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva, aprovou a reestruturação do Ministério da Cultura, por meio do Decreto 4.805, de 12 de agosto.47

Ao longo dos 26 anos de sua existência, o Ministério da Cultura do Brasil – MINC- contou com a gestão de 13 ministros48, todos eles nomes de destaque no cenário político-cultural do país, como o economista Celso Furtado (1986-1988), o filósofo e diplomata Sérgio Paulo Rouanet (1991-1992), já citado acima, e o cantor, músico e compositor Gilberto Gil (2003-2008). Em 2011, após a indicação da presidente Dilma Rousseff, a Ministra Ana de Hollanda assumiu a coordenação do Ministério da Cultura49.

A Lei de Incentivo à Cultura parte de um benefício fiscal (que pode ser oferecido tanto para pessoa física ou jurídica) como um atrativo para investimentos culturais. Existem hoje leis de incentivo federais, estaduais e municipais. Dependendo da lei utilizada, o abatimento em impostos pode chegar até a 100% do investimento. Cada lei tem um funcionamento específico, e as leis federais oferecem isenção no Imposto de Renda às pessoas físicas ou jurídicas.

Já as Leis de Incentivo à Cultura estaduais proporcionam isenção de ICMS50, e as municipais, de IPTU e ISS. É possível ainda que alguma lei opte por financiar ou fazer empréstimos a projetos culturais regionais. Ao optar por uma ou outra, o produtor cultural leva em consideração a região onde o projeto cultural será inserido, as necessidades, e as dimensões que terá. Por exemplo, uma empresa que não está dando lucro não tem como beneficiar-se da Lei Rouanet, mas pode beneficiar- se das leis estaduais ou municipais. O produtor cultural, ou ainda como Teixeira

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Disponível em: <http://www.cultura.gov.br/site/o-ministerio/historico-do-ministerio-da-cultura/>. Acesso em: 29/02/2012.

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José Aparecido de Oliveira (1985); Aluísio Pimenta (1985-1986); Celso Furtado (1986-1988); Hugo Napoleão do Rego Neto (1988); José Aparecido de Oliveira (1988-1990); Ipojuca Pontes (1990-1991); Sérgio Paulo Rouanet (1991-1992); Antônio Houaiss (1992-1993); Jerônimo Moscardo (1993); Luiz Roberto do Nascimento e Silva (1993-1994); Francisco Weffort (1995-2002); Gilberto Gil (2003- 2008); Juca Ferreira (2008-2010); Ana de Hollanda (2011- atual)

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Disponível em: <http://www.cultura.gov.br/site/2011/03/15/26-anos-do-minc/> Acesso em: 30/01/2011.

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Coelho (1995, p.30) denomina: ―[...] a figura do agente cultural, do animador cultural, do mediador cultural, ou outro nome que se queira chamá-lo [...]‖, torna-se uma exigência do público e também da própria dinâmica cultural, os produtores culturais têm a função de atuar como o intermediário entre o artista, financiador (patrocinador), a mídia e o público.

As propostas culturais para serem apresentadas à Lei Rouanet podem ser de diversos segmentos: teatro, dança, circo, música, literatura, artes plásticas e gráficas, gravuras, artesanato, patrimônio cultural (museu e acervo, por exemplo) e audiovisual (como programas de rádio e TV, sítios e festivais nacionais) 51. Uma vez o projeto aprovado pelo Ministério da Cultura e publicada a aprovação no Diário Oficial, o produtor cultural terá que iniciar a busca pelo patrocínio junto às empresas. A empresa que aceitar apoiar o projeto cultural deixará de recolher no DARF (Documento de Arrecadação de Receitas Federais) do Imposto de Renda o valor que irá para o projeto e fará o depósito desta quantia na conta corrente do projeto, e como comprovante, receberá um recibo especial que deverá ser arquivado juntamente.

Como já foi visto em relação à Lei Rouanet, é importante destacar sua marca na história das políticas culturais e na movimentação dos bens simbólicos no Brasil. A renúncia fiscal alastrou-se por muitos estados e municípios, que também criaram suas legislações com dedução no Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Prestação de Serviços - o ICMS no âmbito estadual e ISSQN (Imposto Sobre Serviços de Qualquer Natureza) de âmbito municipal.

A Lei de Incentivo do Rio Grande do Sul52 é um exemplo a ser mencionado,

beneficiando as empresas que devem ser sediadas no estado, inscritas na categoria geral de contribuintes do ICMS e não podem ter aderido ao Simples Nacional, que não estejam inscritas com Dívida Ativa. Instituída através da Lei nº 10.846, de 19 de agosto de 1996, o Sistema Estadual de Financiamento e Incentivo às Atividades Culturais prevê a compensação de recursos destinados ao pagamento do Imposto sobre Operações relativas à Circulação de Mercadorias e sobre Prestações de Serviços de Transporte Interestadual e Intermunicipal e de Comunicação, por parte de empresas financiadoras de projetos culturais.

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Informações retiradas do Site Oficial do Ministério da Cultura. Disponível em: <http://www.cultura.gov.br/site/>. Acesso em: 25/03/2011.

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Olivieri (2004) aborda características de uma política brasileira como sendo neoliberal, já que o Estado se isenta de suas funções relativas ao propiciador e mantenedor de manifestações culturais, cedendo seu espaço para os investimentos privados. No patrocínio e financiamento privado de artistas, exposições, eventos, entre outras atividades culturais, o que acontece é a conversão do valor econômico investido em um valor simbólico

Para Vannucchi (1999, p.122), podemos resumir três características básicas da Indústria Cultural brasileira: a dependência econômica acentuada tanto do capital estrangeiro, especialmente norte-americano, quanto dos governos federal e estadual; a dependência cultural do estrangeiro, como os modelos de programas que são importados de outros países e a música das programações das rádios e a heterogeneidade própria do povo brasileiro. Devido a nossa diversidade cultural entre os diversos estados que compõem o nosso país, e porque somente uma pequena parcela participa interativamente da sociedade de consumo. A CowParade é um exemplo da dependência da indústria cultural norte-americana, que com seus anseios mercadológicos é capaz de inserir no mercado até mesmo o que não havia sido produzido para ele, já que a CowParade não surgiu em sua origem com tal intenção.