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CAPÍTULO 2 A INVESTIGAÇÃO

A. O Grupo APRECIEI

1. A constituição do grupo

A exploração do mundo da natureza, especialmente de fenômenos físicos, tem sido pouco trabalhada em escolas infantis, mesmo naquelas em que as crianças têm voz ativa e nas quais houve um rompimento com uma forma mais tradicional de abordagem do conhecimento.

A exemplo do trabalho desenvolvido na Espanha (HÉRNANDEZ,1998) e na Itália (RABITTI, 1999; RINALDI,1995, 1996), as escolas infantis brasileiras encontram na transformação da curiosidade e das perguntas trazidas pelas crianças em conhecimentos a serem explorados a mola propulsora de sua ação. No primeiro capítulo, argumentamos que, ao organizar os projetos de trabalho, as professoras lidam com a demanda de conhecimento das crianças. De uma questão particular ou de uma narrativa colocada por um grupo de crianças, as professoras procuram extrair o que há de intrigante, o que subverte a ordem, auxiliando a turma a organizar boas perguntas. No campo da exploração do mundo da natureza, temos observado trabalhos feitos com base em questões como: “Pra onde vai o sol quando a noite chega?” Por que o Tiranossauro Rex é do mal?” “Vamos todos morrer?” “Por que chove?” Valendo-se dessas questões, as professoras elaboram planejamentos que procuram ampliar as diversas fontes de conhecimento por meio de pesquisas em livros, vídeos, jornais, revistas e organizar variadas formas de registros.

Conhecedores do trabalho realizado nas escolas inovadoras infantis e guiados pelo propósito da pesquisa, sentimos necessidade de criar um contexto mais apropriado que envolvesse as crianças em investigações sobre determinados fenômenos físicos. Uma possível estratégia seria analisarmos atividades correntes nas escolas e posteriormente retornarmos com os resultados. Para nós, essa postura não era satisfatória. Nossa opção focava uma participação direta do grupo

de professores no próprio transcurso do trabalho. Aceitaríamos o momento de desenvolvimento da prática pedagógica e nos comprometeríamos com o desafio de provocar mudanças. Dessa forma, os professores estariam continuamente usufruindo do processo, transformando sua prática e a realidade da escola. A pesquisa teria, então, sentido para os participantes porque inserida em sua vida profissional. Nossa escolha recaiu em uma pesquisa que, ao ser feita, produzisse mudanças.

E imbuídas desse sentimento propusemos uma intervenção no trabalho dos professores. Iniciamos, em fevereiro de 2002, encontros com um grupo de professoras1 da educação infantil, denominado APRECIEI - Aprendizagem em Ciências na Educação Infantil. O objetivo era criar uma atmosfera não muito usual. Estávamos convencidos da possibilidade de vir a envolver as crianças em investigações sobre fenômenos físicos, apesar do receio das professoras em relação às questões da física. Sendo assim, tínhamos um duplo desafio a superar: o primeiro deles seria quebrar a resistência do grupo em relação à física; o segundo, avançar a metodologia de trabalho já estabelecida, onde o conhecimento sistematizado é muito valorizado.

Na tentativa de desenvolver um trabalho mais ativo com crianças pequenas, introduzimos esta novidade: sugerimos que as professoras evitassem procurar respostas para as questões das crianças no conhecimento sistematizado, que evitassem convidar especialistas ou recorrer a livros onde a resposta pudesse ser encontrada. Ao contrário, sugerimos que investissem na proposição de problemas, ou seja, sugerimos que trabalhassem mais na problematização, como Paulo Freire costuma dizer (FREIRE, 1972).

Argumentamos que, problematizando, cria-se uma situação em que as crianças vão além da percepção superficial do fenômeno. Partimos do pressuposto de que as crianças observam os fenômenos mais cuidadosamente se são desafiadas em suas experiências prévias. Com o desafio, elas ultrapassam o descontentamento ou a surpresa, pelo esforço para dominar a visão fragmentada que têm dos fenômenos (VAZ; WATTS, 1996). Para as professoras, essa proposição foi uma novidade pedagógica, e para nós, uma estratégia do delineamento

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Como o Grupo APRECIEI é composto em sua totalidade por mulheres, passaremos a usar a denominação “professoras” quando nos referirmos às participantes desse grupo.

metodológico da pesquisa. Seduzido pela idéia, o grupo começou a planejar e a conduzir atividades com essas características.

Essa parceria tem se desenvolvido. A cada quinzena, reuníamo-nos para discutir a natureza do conhecimento científico e definir limites e possibilidades de sua exploração por crianças pequenas. Acreditamos que isso tenha acontecido porque construímos um clima de companheirismo onde a voz da professora se destacava. Elas apresentavam narrativas sobre questões, explicações e gestos das crianças. Foram também desafiadas pelas questões de exploração do mundo físico que propusemos fossem feitas com as crianças e não se intimidaram em dar respostas a essas questões, mesmo que inseguras em relação ao conceito envolvido. Respondemos às dúvidas conceituais tanto no campo da aprendizagem quanto no da exploração do mundo físico e opinamos honestamente acerca da condução das atividades.

A produção das crianças também ocorreu em função do trabalho do Grupo APRECIEI. As professoras não aplicavam, simplesmente, atividades interessantes. Ao contrário, participavam ativamente de sua elaboração. Nesse processo elaboravam e modificavam as atividades nos aspectos que julgavam pertinentes e utilizavam ou não essas atividades com as crianças. Uma vez que as sessões foram filmadas, elas puderam observar sua própria atuação, refletir sobre sua postura e de suas colegas, criticando, alterando procedimentos, compartilhando sucessos. A característica marcante desta pesquisa é que a transformação se deu no próprio ato de sua realização. O Grupo APRECIEI tornou-se um verdadeiro grupo de formação porque promoveu mudanças profundas nos indivíduos que dele participaram.

O processo de discussão empreendido pelo APRECIEI foi fundamental para que o foco da pesquisa se clareasse. A escolha teórica e a qualidade dos dados também levaram em conta a reflexão proporcionada pelo grupo. Discussões mais amplas sobre a educação infantil também fizeram parte do trabalho do grupo. Assim acabamos tomando consciência do papel que nos cabe na análise de ações dos órgãos governamentais e das respostas dos movimentos sociais do nosso município.