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2 O POVO KAINGANG

4.4. O Papel do Movimento Indígena e a Constituição Federal de 1988 – A Grande

4.4.1 A Constituição Federal de 1988

O processo de elaboração e aprovação da Constituição Federal Brasileira de 1988 teve como diferencial a intensa participação do Movimento Indígena organizado, dos militantes da causa, advogados e antropólogos. São inegáveis as conquistas e ampliação de mecanismos democráticos instituídos, ressaltando-se a dimensão social impressa na formulação dos direitos assegurados.

A Constituição promulgada em 1988 reconhece aos povos indígenas além dos direitos territoriais, o respeito á sua organização social, aos costumes, às línguas e às tradições. Na história do Brasil é a primeira vez que se tem o direito de ser índio e manter-se vivendo segundo as culturas dos diversos povos. Na educação foi assegurado a utilização da língua materna na alfabetização, e o direito aos processos próprios de aprendizagem; e na saúde foi reconhecido o direito a atenção diferenciada e o respeito às especificidades culturais de cada povo.

Figura 3: Indígenas assistem a votação do capítulo da Constituição referente a seus direitos no Congresso Nacional em Brasília.

Desde então o Ministério Público Federal passou a defender os direitos dos povos indígenas. No Capítulo VIII “Dos Índios” o Artigo 231 estabelece que:

“São reconhecidos aos índios sua organização social, costumes, línguas, crenças e tradições, e os direitos originários sobre as terras tradicionalmente ocupam, competindo a União demarcá-las, proteger e fazer respeitar todos os seus bens; além de outras garantias com relação à terra; do reconhecimento e respeito das organizações socioculturais dos povos indígenas, assegurando a capacidade civil plena. União legislar sobre populações indígenas”. (CF, 1988).

No entanto, o reconhecimento das especificidades culturais de cada povo, de sua concepção de saúde e doença, das formas próprias de tratar os problemas de saúde e o papel dos especialistas tradicionais não se efetivou na prática.

O texto constitucional discorre sobre saúde disposto em cinco artigos (Art. 196-200), determinam que a saúde é direito de todos e dever do Estado, com organização dos serviços de saúde de forma regionalizada e hierarquizada, constituindo um sistema único. O

Sistema Único de Saúde foi criado com o objetivo de mudar a situação de desigualdade na assistência à saúde da população, tornando universal o acesso ao atendimento, obrigatório e gratuito, além da integralidade e equidade da assistência.

A Constituição de 1988 contemplou as reivindicações do movimento da Reforma Sanitária, para tanto, instituiu o Sistema Único de Saúde (SUS), respondeu também ao movimento indígena e indigenista, reconhecendo os direitos aos povos indígenas a sua organização social, a tradição, à língua, á demarcação de terras. “No campo da saúde a Constituição também passou a garantir o direito indígena de atenção integral e diferenciada em decorrência das especificidades e situação de vulnerabilidade deste segmento

sociocultural (LANGDON, 2001)”.

No entanto, quando da publicação da Lei nº 8080/90 Lei Orgânica da Saúde, que tem como princípio a universalidade das ações com a participação dos cidadãos assegurada pela Lei 8142/90, a saúde dos povos indígenas não foi contemplada no texto da lei, permanecendo a atenção sob a responsabilidade da FUNAI/Ministério da Justiça.

Iniciava-se assim um longo processo que culminou com a efetivação da Política Nacional de Atenção à Saúde dos Povos Indígenas aprovada pela Portaria do MS nº 254/2002, diversos decretos e portarias foram editados para estruturar o Subsistema de Atenção à Saúde Indígena.

Em 1991, o Decreto nº 23/1991, estabeleceu mudanças relativas às condições para a prestação de assistência à saúde das populações indígenas. Em abril de 1991 através do Decreto nº 100/1991 é transferida a responsabilidade pela saúde indígena da FUNAI para o Ministério da Saúde, passando a ser o gestor nacional a FUNASA, órgão da administração indireta, vinculado ao Ministério da Saúde.

A mudança de responsabilidades na saúde indígena ocasionou entre as instituições FUNAI e FUNASA conflitos por competências, levando a disputas judiciais, comprometendo a assistência a saúde para os povos indígenas. Em meio às disputas ocorre a IX Conferência Nacional de Saúde que aprovou a realização em 1993 da II Conferência Nacional de Saúde para os Povos Indígenas (II CNSPI).

O ano de 1993 foi histórico para os povos indígenas brasileiros, nossas vozes ecoaram pela floresta, pelos igarapés, pelo cerrado, no semi-árido, no litoral, nos campos de cima da serra, no planalto Riograndense num processo democrático em debates calorosos que integraram as recomendações da II CNSPI. Estava sendo construído o Subsistema de Atenção à Saúde Indígena, tendo como base os Distritos Sanitários Especiais Indígenas

(DSEI), e o controle social exercido pelos Conselhos Distritais de Saúde Indígena (CON

DISI),

com participação de indígenas, profissionais de saúde e gestores de saúde.

A II Conferência Nacional de Saúde para os Povos Indígena ocorreu em outubro de 1993 e definiu as diretrizes e princípios norteadores da Política de Saúde Indígena. Neste momento foi referendada a proposta de estruturação dos Distritos Sanitários Especiais Indígenas com autonomia administrativa, bem como, a necessidade da gestão da saúde indígena pelo Ministério da Saúde. A importância da II CNSPI ultrapassou suas resoluções, porque foi precedida de um amplo processo de mobilização, discussão e elaboração de propostas com a participação efetiva dos povos indígenas.

O Distrito Sanitário Especial Indígena – DSEI tem o seguinte conceito:

“Um modelo de organização de serviços – orientado para um espaço etno- cultural dinâmico, geográfico, populacional e administrativo bem delimitado –, que contempla um conjunto de atividades técnicas, visando medidas racionalizadas e qualificadas de atenção à saúde, promovendo a reordenação da rede de saúde e das práticas sanitárias e desenvolvendo atividades administrativo-gerenciais necessárias à prestação da assistência, com controle social” (PNASPI, 2002, p. 13).

Em meio às disputas políticas entre FUNAI e FUNASA foi promulgado o Decreto nº 1.141/1994, revogando o Decreto-Lei nº 23/1991. Este decreto contrariou o processo de construção da Política Nacional de Atenção à Saúde Indígena no âmbito do SUS, uma vez que, devolveu a FUNAI a coordenação das ações de saúde segmentando responsabilidades e ações. A recuperação e a assistência à saúde ficaram sob a gestão da FUNAI e as ações de prevenção e promoção à saúde permaneceram com a FUNASA. (PNASPI, p. 9).

A FUNAI e a FUNASA passaram então a prestar assistência à saúde dos povos indígenas de forma integrada. Desde a transferência de responsabilidade da saúde indígena as instituições passaram a vivenciar um conflito por competências. As expectativas de melhorias dos serviços de saúde prestados aos povos indígenas não se efetivaram, gerando insatisfação dos usuários e trabalhadores de saúde.

Em 29 de junho de 1994 o então Deputado Federal Sérgio Arouca apresenta à

Câmara dos Deputados o Projeto de Lei nº 4.681/94 – Dispõe sobre as condições e

funcionamento de serviços de saúde para as populações indígenas. O texto foi elaborado a partir das propostas da II Conferência Nacional de Saúde para os Povos Indígenas. A proposta de Arouca tramitou até 1999 quando a questão da saúde indígena voltou a ser tema da agenda nacional, o que resultou na criação de uma série de medidas legais que vieram a constituir a Política Nacional de Atenção à Saúde dos Povos Indígenas, vinculada ao Ministério da Saúde.

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