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A CONSTRUÇÃO DE UNIDADES SOBERANAS NA ANTIGÜIDADE TARDIA

Inter Romanos, ut dixi, Romanus, inter Christianos, Christianus, inter homines homo.

(Oros. Hist. Adv. Pag. V,2, 5-6)

Entre os romanos, considero-me um romano; entre os cristãos, um cristão; entre os seres humanos, um ser humano.

(Orósio. História contra os pagãos)

No período tardo-antigo, as monarquias romano-germânicas esforçaram-se, com maior ou menor êxito, para a construção de unidades político-territoriais que, evidentemente, fundamentavam-se em relações de identidade e alteridade. Para que essas unidades fossem consideradas entidades soberanas pelas demais e pudessem, por conseguinte, estabelecer relações diplomáticas, era essencial a existência de certos elementos. Com efeito, assim como um Estado moderno compreende um povo, um território e uma administração soberana, os reinos tardo-antigos deveriam possuir populi, patriae e regni, o que, em certa medida, representa um desdobramento da relação entre populus, prouinciae, senatus/princeps do Império Romano. Contudo, dado o conturbado período de transição da Antigüidade ao Medievo, esses requisitos encontravam-se pouco desenvolvidos nas monarquias romano-germânicas, de modo que era necessário “construir o reino”. O objetivo deste capítulo é, desse modo, analisar as condições que propiciaram o advento dessas unidades soberanas que estabelecerão o novo panorama das relações diplomáticas na Antigüidade Tardia. A construção de novas identidades vinculadas a essas entidades soberanas foi, a esse respeito, o elemento mais importante desse processo, merecendo, por conseguinte, pormenorizada atenção.

1.1. O populus

Conforme Isidoro de Sevilha, sabe-se que a definição de gens é substancialmente diferente da de populus. “Gens é uma multidão de pessoas que tem uma mesma origem ou que procede de uma raça distinta de acordo com sua particular identificação”, já o populus “é o apelativo aplicado a uma multidão humana associada em conformidade com um direito em que todos estão de acordo e com uma concórdia coletiva” – ensina o hispalense.31 No caso da Hispania Visigoda, seu populus era constituído por diversas gentes, tais como os vascos, os galegos, os hispanos, os romanos e os visigodos.32. Gens constitui, por conseguinte, uma dimensão étnica de uma coletividade humana, ao passo que o populus constitui sua dimensão cívica.

Entre os elementos essenciais para a existência de um reino tardo-antigo soberano, a definição do populus certamente é o mais complexo. Trata-se não apenas de definir quais serão os indivíduos submetidos ao poder de um monarca, como também de construir sua relação de identidade e alteridade em comparação com as demais entidades políticas soberanas.

The basic theoretical assumption of frontier studies holds that the frontier is a place of polarities, where frontier societies are created by the interaction of groups that perceived each other as different. Precisely what accounted for perceptions of difference can be a matter of dispute. Ethnic difference is what medieval contemporaries saw. Early medieval ethnicity was not racial, but cultural, and could be diagnosed on the basis of external cultural factors.33

Não se pode, portanto, asseverar, para o período tardo-antigo, que as comunidades políticas eram unidades herméticas e estáticas. Num período de constantes transformações políticas e migrações demográficas, a configuração dos populi romanos e germanos assumia um caráter dinâmico. Assim, muito mais que

31 Isid. Hisp. Etym. IX, 2, 1. e IX, 4, 5.

32 Algumas das gentes que compõem a Hispania Visigoda são elencadas por Isidoro de Sevilha em Etym . IX, 2, 107-114. De acordo com Kulikowski, “In the Gothic period, we have a mingling of populations, outsiders and insiders, hostile and friendly, in a polarized atmosphere of perceived ethnic difference. Their interaction produced a new society, different from anything that had gone before, and different from anything outside the zone of their interaction: no one would deny that the cultural synthesis of seventh-century Spain was a unique achievement.” KULIKOWSKI, M. Ethnicity, Rulership and Early Medieval Frontiers. In: CURTA, F. op. cit. p. 254.

33 KULIKOWSKI,. op. cit.p. 248.

unidades de natureza étnica, os populi tardo-antigos eram unidades políticas, construções sociais que se utilizavam de diversos recursos, tais como a etnia, a história, a língua e a cultura para produzir e disseminar elementos de identidade destinados a distinguir toda uma entidade política.

Veja-se, como exemplo, a imane obra da nobreza eclesiástica hispano-visigoda na construção de um populus visigothorum. Até 589, quando da conversão do reino à ortodoxia nicena e construção de sua unidade religiosa, a gens gothorum denomina apenas os godos, ao passo que o populi gothorum refere-se a todas as gentes sob domínio visigodo. Com os esforços para elaboração de uma unidade político-religiosa, essa diferenciação torna-se praticamente inexistente. As diversas gentes do reino atingem um consenso político pela boa governança do reino, criando a idéia de um populus coeso. Exemplo desse consenso é o cânone 75 do Concílio de Toledo IV, em que Isidoro de Sevilha e os demais bispos do reino estabelecem que o monarca seja eleito pelo conjunto de toda a nobreza hispano-visigoda, tanto a laica como a eclesiástica, “ para que seja preservada entre nós a concórdia da unidade”.34 Nessa direção, analisando as atas dos concílios hispano-visigodos, Isabel Velázquez sugere que

at the councils celebrated under Recceswinth, as before the 5th and 6th, references to patria and gens without mentioning Gothorum, which are also found in later councils [...] reveal, I believe, that awareness of a new political order is taking shape. [...] The gens is no longer defined by virtue of their ethnicity but by their political adherence and seems to encompass the entire population in most of the phraseology, although its main use in contexts dealing with the usurpation of power suggests that they actually have in mind the higher classes of that gens […].35

A questão, portanto, não é apenas saber qual gens pertence a qual reino, mas também qual a imagem que uma comunidade política, um populus, possui de si mesma – o que é fator de significativa importância para pautar as relações

34 Conc. Tol. IV. c. 75.

35 VELÁZQUEZ, I. Pro Patriae Gentisque Gothorvm Satv. In: GOETZ, H-W.; JARNUT, J.; POHL, W.

Regna and Gentes. op. cit. p. 210. Na Historia Wambae de Juliano de Toledo também é nítido o uso intercambiável de godo e hispano, em contraponto ao binômio gallo e franco, que tem no insulto à Provínica da Gália seu paradigma de distinção. O território já se incorporou ao povo dos visigodos, com exceção da Gália Narbonense, província fronteiriça, e por isso, menos fortemente relacionada ao centro de poder régio visigodo.

diplomáticas. Para entender-se apropriadamente a formação dos populi tardo-antigos faz-se necessário lançar luz às diversas matrizes culturais que se entrecruzam no período – a greco-romana, a germânica e a cristã.

1.1.1. O conceito de identidade no mundo romano

“Sou um cidadão romano” – tal expressão, utilizada por Cícero em seu discurso contra Verres, é paradigmática da noção de identidade no mundo romano.36 Argumentar que a alegação de ser cidadão romano – ao invés de trazer socorro e assistência a quem a declarava, tão-somente trouxe morte mais acerba e suplício mais imediato – é poderosíssimo instrumento de argumentação utilizado por Cícero para demonstrar que Verres subvertera totalmente um ideal decantado na cultura política romana – a identificação entre o conceito de “romano” e o de “cidadão”, assim como todos os privilégios e tratamentos, legais e consuetudinários, que decorrem dessa associação.

Com efeito, tanto na República como no Império, a associação entre ser cidadão e ser romano é uma das mais fortes relações de identidade que se pode notar no mundo romano.37 Definitivamente, não se trata da única relação de identidade que um indivíduo romano possuía; mas, possivelmente, trata-se da mais profunda. Relação difícil de ser apreendida, dada a complexidade do conceito de cidadão na cultura romana, bem como de sua transformação ao longo do tempo.

Qualquer que seja o substantivo que associemos ao adjectivo “romano” (mundo romano, homem romano...) o resultado sempre é o mesmo: construímos uma categoria abstracta e totalizante, e por isso mesmo parcial. Quanto mais essa construção se impuser como um dado empírico, de tal forma considerado como adquirido que não requer nem verificações nem concretizações, mais forte é o seu carácter oculto de tipo ideal. E isso é válido obviamente para todas as civilizações complexas, mas é ainda mais válido para as grandes civilizações que, como a romana, levaram até limites de extrema tensão as dimensões de tempo e espaço. Tempo: ao longo dos 1300 anos que constituem a duração mínima da

36 Cic. In Ver. 5.2.147.

37 NICOLET, C. O cidadão e o político. In: GIARDINA, A. O homem romano. Lisboa: Presença, 1992. p. 22. “Humildes ou poderosos, governados por assembléias ou por magistrados eleitos anualmente e por um senado, ou por um príncipe vitalício (ao lado do qual, aliás, continuam a existir as antigas instituições), nenhuma hesitação é possível: cada romano é um cidadão, e todo aquele que possua ou adquira o “direito de cidadania”, a “cidadania” romana, é automaticamente romano”.

história romana (outras periodizações mais amplas são igualmente proponíveis) como se pode falar de um homem romano substancialmente igual a si próprio desde a cidade dos Tarquínios até a cidade de Augusto ou de Teodósio, o Grande? Espaço: as deslocações geográficas de um império que depressa se tornou “supranacional” formam um emaranhado de culturas e de tipos humanos, enquanto o carácter unificante da cultura greco-romana e os valores mutáveis da humanitas das classes dirigentes se implantavam como manchas de leopardo, de acordo com a trama ponteada do urbanismo e das áreas directamente controladas pelas cidades.38

A configuração de Roma como uma res publica visava, evidentemente, ao interesse comum do conjunto da população romana. Constituía um pacto social, em que os sacrifícios e encargos individuais se justificavam pelos benefícios da vida conjunta e do interesse geral; uma sociedade orgânica, em que a cada um lhe cabia uma função social específica para o bom funcionamento do corpo social como um todo.39 Consoante essa concepção utilitarista, só pode ser considerado cidadão aquele que pode ser mobilizado em caso de guerra, que paga os impostos públicos e que participa nas decisões e ações da esfera da política. Daí decorre a exclusão de mulheres, crianças, escravos, estrangeiros e de outros grupos marginalizados da vida pública romana. Não são cidadãos e, por conseguinte, não podem ser considerados plenamente romanos.

Conseqüentemente, ser romano é, antes de tudo, pertencer a um estatuto jurídico. Não se trata, de modo algum, de um estatuto jurídico igualitário. As diferenças de tratamento jurídico entre os diversos substratos da sociedade romana, como os honestiores e humiliores, por exemplo, não deixam margem à dúvida da flagrante assimetria existente no trato entre as diversas condições sociais. Não obstante, esse estatuto jurídico que confere a um romano, independentemente de sua condição social ou econômica, o status de cidadão, significa que esse indivíduo está enquadrado no pacto social constitutivo da sociedade e, em especial, da vida pública romana. Assim, o cidadão romano assume três encargos: é um soldado que pode ser mobilizado, é um contribuinte que sustenta as instituições e as benfeitorias romanas, e é um indivíduo chamado a participar da vida política da Res publica, seja

38 GIARDINA, A. O Homem Romano. In: GIARDINA, op. cit. p. 10.

39 NICOLET. op. cit. p. 27. “Uma cidade é como um organismo vivo: se é ameaçada, é preciso defendê-la; por vezes precisa de recursos: é preciso fornecê-los; tem de manifestar a sua vontade, deve-se exprimi-la colectivamente; tem de agir: necessita de homens que falem, comandem, façam as contas, administrem, assegurem o culto, obedeçam”.

como eleitor, ou, eventualmente, como candidato a determinadas magistraturas.

Conforme Nicolet,

não é necessário tomar uma decisão de princípio para justificar ou criar esses deveres: eles são anteriores a qualquer lei, contemporâneos da fundação da própria cidade. Dizem respeito e obrigam todos os cidadãos, a partir do momento em que começam a fazer parte da cidade:

quando a sua idade o impõe ou, se são alógenos, precisamente devido ao próprio acto que os converte em cidadãos.40

Ainda que a constituição política de Roma longe estivesse de uma democracia, cumpre ressaltar que, na delicada vida política romana, os sacrifícios da res publica, do interesse em comum, deveriam ser sopesados com seus benefícios.

Daí a importância do census na configuração política da sociedade romana.41 O census é o elemento mediador que transforma um homem romano em um senador, um cavaleiro, um mercador; é o processo que converte o homem natural em homem político, e que lhe confere seus devidos direitos e encargos. Seu posto no exército, o montante de tributos que deve contribuir, os níveis de acesso na deliberação da res publica, tudo isso depende do papel exato que a um cidadão, por meio do census, se lhe atribui. Através desse espectro da sociedade romana, era possível que se administrasse a política de modo que as competências fiscais e militares mais onerosas recaíssem sobre os ricos ou bem-nascidos que, em contrapartida, segundo o modelo de pesos e contrapesos, possuíam também maior acesso às deliberações políticas e privilégios de tratamento. Assim, àqueles cujos encargos da res publica eram maiores, reservava-se-lhes maiores benefícios; àqueles outros que não tinham tantos privilégios, justificava-se-lhes tal condição devido à sua menor contribuição à res publica.

Formam-se, por conseguinte, papéis sociais muito definidos que darão azo à formação de outras relações de identidade, aparte da identificação entre romano e cidadão que lhes subjaz. Essas subcategorias são desdobramentos da associação romano/cidadão, uma vez que, numa sociedade complexa, vários níveis de identidade coexistem e se entrecruzam, sendo necessário, tal como no âmbito da

40 NICOLET, op. cit. p. 26.

41 NICOLET, op. cit. p. 28. “[…] trata-se de um conjunto de dados respeitantes à idade, à origem local ou familiar, ao mérito mas também, e sobretudo, ao patrimônio, em suma, à riqueza”.

coletividade, construir identidades para o nível individual.42 Para efeitos de política externa, todo cidadão é um romano; não pode haver diferenças em seu tratamento independentemente de sua condição socioeconômica. Contudo, no plano interno, as diferenças afloram, assim como a necessidade de encontrar subrelações de identidade e alteridade. Conforme Andreu Pintado, a consideração que a comunidade possuía em relação ao indivíduo “se expresa con el término latino de existimatio y era variable en función del carácter personal de cada individuo, de los méritos a éste unidos por medio de su comportamiento y conducta, y también de prestigio y la existimatio familiar, a la que en Roma se daba mucha importancia.”43 São nessas subunidades sociais que “as solidariedades concretas da vida coletiva se manifestam plenamente”.44

Evidentemente, para a elite romana, havia uma imagem muito clara do

“romano puro” construída tanto nas relações de alteridade com outros povos como também na alteridade entre honestiores e humiliores. Veja-se, por exemplo, a muitos romanos cultos tiveram sérias dificuldades em reconhecer seus concidadãos das camadas populares como autênticos romanos. E, se o afastamento da urbanitas poderia ser entendido como um sinal de afastamento da ciuilitas, as formas exageradas de urbanitas também poderiam ser entendidas como uma degeneração da ciuilitas. Por conseguinte, na auto-representação do romano culto, pertencer à

42 “A identidade social tem um nível individual: para um indivíduo, ela se caracteriza pelo conjunto de interações com o sistema social, levando a que ele pertença a um gênero, a um grupo etário, a uma classe social, a uma nação, etc. Graças à identidade social aplicada individualmente, a sociedade, por meio de representantes autorizados ou no dia-a-dia das interações, pode lidar com o indivíduo, classificando-o, enquanto o indivíduo por sua vez pode achar seu nicho no sistema social. Entretanto, a identidade social não se esgota no nível dos indivíduos, ela tem a ver também com interações de grupos inteiros, transindividuais, em suas relações com outros grupos do mesmo tipo.” CARDOSO, C.

F. Etnia, nação e Antigüidade: um debate. In: CONGRESSO DA SOCIEDADE BRASILEIRA DE ESTUDOS CLÁSSICOS: Fronteiras e Etnicidade no Mundo Antigo, V, 2003, Pelotas. Atas do V Congresso Da Sociedade Brasileira De Estudos Clássicos: Fronteiras e Etnicidade no Mundo Antigo. Pelotas, 2003.

43 ANDREU PINTADO, J. Munificência pública en la Província Lusitânia. (siglos I-IV d.C.).

Zaragoza: Instituto Fernando el Católico, 2004. p. 32.

44 NICOLET, op. cit. p. 29.

45 Cic. De haruspic. Resp. XIX.

ciuilitas era substancialmente diferente de pertencer à humanitas, apanágio de poucos milhares de romanos. Conforme GIARDINA, “em Roma, só os membros da aristocracia senatorial, apoiados pela riqueza, pelo prestígio e pelas clientelas, seriam plenamente cidadãos.”46 Todos os romanos pertenceriam à ciuilitas; mas apenas alguns possuíam a humanitas, qualidade mais autêntica do homem romano.

Nesse sentido, é ilustrativo recorrer aos discursos de Cícero, em que o orador romano qualifica, diversas vezes, seus inimigos como cidadãos nefastos, ímpios e perversos,47 recordando, porém, que “posto que sejam inimigos (hostes), porque nasceram cidadãos, quero-os avisados mais e mais”. 48 Isso significa, por conseguinte, que a categoria de cidadão é status jurídico, desprovida de qualquer conteúdo ético. Adquirido de diversas formas, inclusive a venda, cujo volume é alvo de crítica de Cícero em relação a Marco Antônio,49 o foro de cidadão também poderia ser subtraído, como punição a um indivíduo, como no caso de Públio Lêntulo.50

Desde uma perspectiva quase popular, Vegécio, inspirado em Cícero e em Virgílio, define, três séculos depois, o que constituiria o cerne do homem romano, por meio de oposições antropológicas: “os romanos são menos prolíficos do que os Gauleses, mais baixos do que os Germanos, menos fortes do que os Africanos, inferiores aos Gregos nas técnicas e na razão aplicada às coisas humanas”. Apesar de aparente descrição negativa, o homem romano de Vegécio era superior aos demais devido à sua destreza militar, era essa a autenticidade romana.51 Note-se, porém, que, escrevendo no século IV, Vegécio ainda considera estrangeiros diversos povos que formalmente compunham o Império Romano.52 Em outras palavras, tanto para um senador do século I a. C. como para um autor do século IV d.C., oriundo de uma camada mais popular, ser cidadão não é o mesmo que ser romano. Desse modo, no plano interno, não bastava receber o estatuto jurídico de cidadão romano para sê-lo, é necessário possuir certas virtudes, variáveis de acordo com o ponto de vista.

46 GIARDINA. op. cit. p. 16.

47 Cic. Cat. I, 3 e 9; II, 29; III, 21; e Phil. II, 1.

48 Cic. Cat. II, 27.

49 Cic. Phil. II, 92.

50 Cic. Cat. III, 15.

51 Veget. Milit. I. 1.

52 Pode-se suscitar a hipótese de que, para Vegécio, seria justamente a incorporação desses povos ao Império a causa da degeneração do exército romano, de que trata sua Res Militaria.

Em ambos os casos, e na maior parte dos relatos, nota-se a associação entre temperamento guerreiro e romanidade, associação tomada quase que como um dado da natureza, haja vista a hegemonia militar romana construída no Mediterrâneo. As virtudes com que se buscam identificar os romanos visam sobretudo a explicar essa superioridade. Trata-se, portanto, não mais da definição de um homem romano, mas de uma civilização romana. Essa idéia fica muito evidente no canto VI da Eneida, quando Enéias, aos descer ao Inferno para encontrar seu pai, encontra as gerações vindouras que constituíram a glória de Roma. Diz o pai Anquises:

Outros saberão, com mais habilidade, abrir e animar o bronze, creio de boa mente, e tirar do mármore figuras vivas, melhor defenderão as causas e melhor descreverão com o compasso o movimento dos céus e marcarão o curso das constelações: tu, romano, lembra-te de governar os povos sob teu império. Estas serão tuas artes, impor condições de paz, poupar os vencidos e dominar os soberbos.53

No plano externo, é evidente que Roma não concebia a idéia de uma pluralidade de nações dotadas de direitos iguais.54 A civilização romana, senhora do Mediterrâneo, tratava os demais povos por meio de relações clientelares. Seu

No plano externo, é evidente que Roma não concebia a idéia de uma pluralidade de nações dotadas de direitos iguais.54 A civilização romana, senhora do Mediterrâneo, tratava os demais povos por meio de relações clientelares. Seu