• Nenhum resultado encontrado

CAPÍTULO I – A MORAL E OS FATORES DO DESENVOLVIMENTO

1.4. A teoria do desenvolvimento moral de Kohlberg

1.4.4. A construção do conceito de moralidade na teoria de Kohlberg

A moralidade, definida a partir de princípios de justiça, representa o equilíbrio das relações sociais a partir do uso de operações lógicas. De acordo com Kohlberg (1981, 1984) as duas principais operações lógicas relacionadas com o desenvolvimento moral são a igualdade e a reciprocidade. Estas operações orientam e regulam as ações dos indivíduos sobre o meio externo e determinam, a partir de ações e interações, a qualidade do julgamento moral. As operações de igualdade e reciprocidade são essenciais para o desenvolvimento moral porque possibilitam o desenvolvimento da tomada de perspectiva social, considerado por Kohlberg (1984) como o agente motivador para o desenvolvimento dos estágios morais.

De acordo com Kohlberg (1984) as operações ou princípios de justiça estão presentes na estrutura de cada estágio e em quatro orientações morais por ele identificadas (ordem normativa, utilidade da consequência, self-ideal, e justiça). As orientações morais representam tipos de estratégias utilizadas pelos indivíduos para se resolver um conflito. Kohlberg (1984) afirma que todas as orientações morais podem ser utilizadas para resolver conflitos em qualquer estágio. Entretanto, o indivíduo pode se guiar por alguma orientação específica ao resolver um determinado conflito. As orientações morais são definidas por Kohlberg (1984) da seguinte forma:

 Utilidade da consequência – orientação das ações pela consequência ou bem- estar que esta provoca no self ou nos outros;

 Self-ideal – orientação das ações a partir da imagem de um self ideal e bom que executa sempre boas ações;

 Justiça – orientação das ações a partir das ideias de liberdade, igualdade, reciprocidade ou contrato entre as pessoas.

De acordo com Kohlberg (1984), dentre as orientações morais, a orientação de justiça mostra-se como a mais adequada para a resolução de dilemas sociomorais. Primeiro, por dar a cada envolvido no conflito o que é seu por direito. Segundo, por estar presente em todas as demais orientações, de modo que a manutenção das regras, do bem-estar do grupo ou das relações do indivíduo com a sociedade representa sempre uma ideia de justiça. De acordo com Kohlberg (1981, 1984) a evolução das operações de justiça em cada estágio ocorre da seguinte forma:

No estágio 1 as normas são obedecidas para se evitar a punição e por terem sido feitas para serem cumpridas. A igualdade representa a distribuição rígida de ações entre os indivíduos, e a reciprocidade significa a simples troca de ações entre o self e os outros. Nesse estágio ainda não está presente a habilidade de tomada de perspectiva social.

No estágio 2 as normas deixam de ser cumpridas apenas pela intenção de evitar a punição e passam a se relacionar com a realização de uma necessidade. A igualdade surge com o reconhecimento de que os indivíduos, por possuírem necessidades e interesses próprios, são iguais, mesmo que essas necessidades e interesses sejam diferentes. A reciprocidade representa uma ideia de trocas concretas entre as necessidades de cada indivíduo. Nesse estágio a ideia inicial de role-taking é apresentada, ainda de forma primitiva: os indivíduos são capazes de reconhecer a

existência de perspectivas diferentes, ao reconhecer que existem necessidades e interesses diferentes dos seus, mas não são capazes de pensar de acordo com a perspectiva do outro.

As normas no estágio 3 representam expectativas sociais compartilhadas entre os membros de um grupo e que devem ser seguidas para o bem das relações sociais. A igualdade está relacionada com o tratamento igual entre as pessoas na execução adequada dos papéis sociais. A reciprocidade é entendida nesse estágio a partir da regra de ouro (faça com os outros o que gostaria que fizessem com você), e as trocas sociais estão envolvidas com valores como a confiança, a lealdade e a gratidão. A ideia de role- taking também está presente na regra de ouro: o indivíduo começa a adotar a perspectiva do outro e entender o que este pensa ou sente. No entanto, o role-taking é realizado de forma serial, não sendo possível para o indivíduo entender as perspectivas de forma mútua.

No estágio 4 as normas representam uma forma de manter a ordem e o bem-estar social. A igualdade representa a ideia de que todos os indivíduos são iguais e por isso todos devem respeitar as normas sociais. A reciprocidade refere-se à troca de ações entre o indivíduo e a sociedade, de forma que ao respeitar as leis os indivíduos garantem que seus direitos sejam respeitados. A tomada de perspectiva social está ligada também à manutenção das normas e representa o indivíduo adotando a perspectiva da sociedade e respeitando as regras por entender que essa atitude mantém o bem-estar social.

No estágio 5 as normas deixam de ser importantes para a manutenção do bem- estar social e passam a ser importantes para garantir os direitos individuais, sendo estabelecidas por meio de contratos entre cada indivíduo e a sociedade. O bem-estar social está relacionado com o bem-estar de cada indivíduo na sociedade. A igualdade refere-se à igualdade de direitos de cada indivíduo, e a reciprocidade passa a ser

entendida como ações que visam à troca entre indivíduos e contratos, ou seja, cada indivíduo respeita e cumpre as regras para o bem dos demais na sociedade. A reciprocidade deixa de existir quando as regras infligem os direitos individuais e passa a ser restabelecida com a criação de novos contratos.

No estágio 6 as normas passam a ter valor secundário diante dos princípios morais que regem as ações individuais. As regras são respeitadas por terem como base os princípios de proteção dos direitos humanos fundamentais, como vida, liberdade e dignidade. A igualdade implica na igualdade de direitos e de valores: todos são iguais porque todos são seres humanos e por isso merecem uma vida digna, possuem direitos que devem ser preservados e respeitados. A reciprocidade refere-se à troca de valores e de respeito para com a vida do próximo, e ao tratamento igual e digno de um ser humano com outro e da sociedade com cada indivíduo.

A sequência de evolução das operações de justiça em cada estágio representa uma forma de mostrar como a moralidade é construída ao longo do desenvolvimento. A partir dessa sequência, Kohlberg (1984) afirma a necessidade de entender a moralidade como um conceito único, formado a partir do desenvolvimento das estruturas cognitivas, das oportunidades de tomada de perspectiva social a que cada indivíduo está exposto, e que acompanha a evolução do entendimento das operações de igualdade e reciprocidade nas relações sociais.

1.5. Mensuração do julgamento moral: principais instrumentos

Documentos relacionados