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A Construção do Saber

O relato que uma pessoa transmite a outra sobre uma situação de constrangimento e violência pode ser interpretado segundo o/a ouvinte de diferentes formas. Podemos imaginar uma situação social de acordo com aquilo que nos dizem e situar o que está sendo dito a partir de uma visão cotidiana, buscando nos colocar no lugar da outra pessoa, mas somente vivenciando é que poderemos saber, aproximadamente, o que o outro sente e vivencia.

Neste capítulo refletimos sobre as situações sociais nas quais os/as adolescentes que cumprem medidas socioeducativas se encontram, principalmente em relação às situações de convívio escolar. Como vimos no capítulo anterior, segundo o ECA o/a adolescente que comete um ato infracional deve dar continuidade aos seus estudos, uma vez que muitos/as, ao saírem da internação e irem para a Semiliberdade ou para a LA, tornam a praticar atos infracionais. Ao pesquisarmos na SEDES quais seriam os principais delitos, constatamos que os mais cometidos são o tráfico de drogas ilícitas e o furto. Muitos/as adolescentes são matriculados/as ou matriculam-se em uma escola, mas logo se evadem e/ou abandonam o convívio com a família.

Há vários fatos relacionados ao ato infracional analisados por diferentes profissionais que lidam com adolescentes que cumprem medidas socioeducativas (ECA, 1990). Ao ouvir ou ler sobre estes/as profissionais, questionamos quais são as possibilidades ou alternativas apresentadas a estes/as adolescentes. O que enfrentam é uma indisponibilidade de cursos de formação profissional, a inoperância do sistema socioeducativo no estado, como também dos acompanhamentos psicológico, pedagógico e do serviço social, além da invisibilidade social.

Os/as adolescentes sob medidas socioeducativas estão envoltos em preconceitos que estimulam a discriminação e o distanciamento social. Essa afirmação se torna óbvia devido à gama de contextos de vida em que estão

inseridos/as. Os “contextos” ligados à violência são os mais comuns, seja a violência física, seja a psicológica, a fome pela falta de alimentos, o desemprego e a mendicância, o analfabetismo e tantas outras. Para estes/as adolescentes os contextos sociais lhes apresentam um discurso de que a educação pode ser um caminho viável para vencer as situações adversas.

Acreditamos que o ato de educar-se e apreender saberes constrói e reconstrói novas formas de ver o mundo, o/a outro/a e a si próprio, independente de condição financeira e social. É por meio da educação, do profissionalismo do/a professor/a no exercício de suas relações de ensino e aprendizagem, que é possível interferir significativamente no agir e no pensar de alunos/as. A educação possibilita esta transformação. É uma força poderosa de construção de horizontes e utilizá-la requer sabedoria e ação. Por isso, ser professor/a não é uma tarefa profissional fácil.

Muitos fatores contribuem para que as atitudes mencionadas sejam premissas dos/as professores/as, apesar de muitas situações contrárias e desestimulantes, tais como: baixos salários, carga horária semanal exaustiva, salas superlotadas, baixo rendimento escolar dos/as alunos/as e falta de material didático-pedagógico de apoio às atividades curriculares e extracurriculares. Em associação a tais situações, há alunos/as que apresentam não somente dificuldades de aprendizado; apresentam problemas mais graves por viverem em situação de risco social, na miserabilidade, na ignorância de saberes técnicos e científicos e ainda cometeram ato infracional. O que falar de grades curriculares que não apresentam disciplinas auxiliares aos conteúdos discriminados pelo curso e obrigatórios para a sua execução? (Por exemplo, uma disciplina optativa de Direitos Humanos ou o fato de educadores/as que nunca ouviram falar de medidas socioeducativas, de relações protetivas do Poder Público e de adolescentes infratores/as).

Os/as adolescentes que cumprem medidas socioeducativas estão sujeitos a rejeições de outras pessoas, principalmente de suas famílias e do seu meio social, por vários motivos, mas qual seria a representação sociológica, psicológica ou educacional de uma criança e de um adolescente que cumpre medida socioeducativa?

Segundo Volpi (1997, p. 14), a “criança e o adolescente são concebidos como pessoas em desenvolvimento, sujeitos de direitos e

destinatários de proteção integral”. A “proteção integral” para o Estado e para a sociedade seria dar condições a estes/as adolescentes de ter reais condições de vida, oferecer condições palpáveis de dignidade para que eles/as possam desenvolver suas capacidades cognitivas e ser saudáveis, no sentido mais amplo da palavra.

Estamos enfatizando que crianças e adolescentes têm direito à educação e devem ter direito ao acesso ao saber especializado e estruturado que advém das escolas, bem como à saúde, à moradia e ao convívio familiar. O acesso a esse saber pela educação é possível e deve ser oferecido a todas as crianças e adolescentes. Os conteúdos trabalhados em sala de aula promovem o aprendizado, mas de qual (quais) forma(s)? Para Vygotsky (1994, p. 118) “[...] o aprendizado é um aspecto necessário e universal do processo de desenvolvimento das funções psicológicas culturalmente organizadas e especificamente humanas”. Seguindo esse pensar, todas as pessoas em uma sociedade deveriam ter acesso à educação e ao aprendizado formal de qualidade.

Segundo Bites (2006, p. 83) a

[...] política educacional fundamenta-se no princípio da igualdade de diretos entre as pessoas, tem como meta a oferta de uma educação igualitária e de qualidade para todos, sem discriminações, com respeito às diferenças individuais, e garantia de permanência de todos na escola, no decorrer de sua formação.

Os anseios e sentimentos que cercam as pessoas envolvidas no ambiente escolar diferenciam-se mutuamente. Em relação aos/às adolescentes que estão cumprindo medidas socioeducativas, o caráter educacional faz parte do conceito de uma educação de caráter de inclusão social. Volpi (1997, p.14) comenta que todos/as os/as adolescentes que se incluem na

[...] condição peculiar de pessoa em desenvolvimento coloca aos agentes envolvidos na operacionalização das medidas socioeducativas a missão de proteger, no sentido de garantir o conjunto de direitos e educar oportunizando a inserção do adolescente na vida social. Esse processo se dá a partir de um conjunto de ações que propiciem a educação formal, profissionalização, saúde, lazer e demais direitos assegurados legalmente.

A escola precisa criar condições para combater possíveis situações negativas, principalmente as situações de exclusão de seus/suas alunos/as, como a repetência, o baixo aproveitamento escolar, a indisciplina e os tipos de

violência, uma vez que nem todos/as os/as que compõem o ambiente escolar estão preparados/as para lidar com essas questões ou com adolescentes que cometeram ato infracional.

Os dados da pesquisa quantitativa serão apresentados no próximo capítulo e buscam retratar as condições destes/as alunos/as. Procuramos analisar as escolas (estaduais ou municipais) que possuem adolescentes matriculados/as que estão cumprindo medidas socioeducativas em regime de LA na cidade de Palmas, no estado do Tocantins, para demonstrar, a partir de dados, os questionamentos aqui levantados.

Ao mencionarmos a escola e seus/as profissionais envolvidos/as estamos debatendo que os/as alunos/as que não cumprem e cumprem medidas socioeducativas estão sujeitos à responsabilidade profissional de seus/as professores/as e que as escolas precisam construir um discurso socializante em todos/as os/as profissionais sobre as medidas protetivas. Há um discurso dominante que precisa ser interpretado e discutido.