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2 A OCUPAÇÃO PORTUGUESA DO RIO BRANCO

2.4 A continuidade da disputa pelo rio Branco

Além de buscarem desqualificar os argumentos espanhóis nas pretensões sobre o vale do rio Branco, estes funcionários coloniais procuravam apresentar a máxima antiguidade da posse portuguesa. Tais demonstrações de antiguidade da presença portuguesa poderiam servir para futuros embasamentos em negociações de limites.

Lobo de Almada (1861 [1787], p. 640) afirmava que o argumento espanhol de que os portugueses não haviam povoado nem ocupado o rio Branco não se sustentava porque os portugueses o haviam explorado por muitos anos, incluindo as canoas de observação da década de 1760, e também não tinham encontrado qualquer espanhol. De modo que para Lobo de Almada

Portugal tem direito tão antigo a este territorio, que já o Exm.º Bernardo Pereira de Berredo que governou o estado do Pará pelos annos de 1718 em diante, cita nos seus Annaes Historicos, o rio Branco comunicado com o rio Negro na parte dos dominios de Portugal: tendo já n‟aquelle tempo o referido auctor conhecimento tão certo do rio Branco, que na mesma Historia diz, que ele confina com a colonia hollandeza de Surinam [...] (ALMADA, 1861 [1787], p. 636, nota de rodapé).

Aos Annaes Historicos do Estado do Maranhão de Berredo também recorre Alexandre Rodrigues Ferreira (1994b [1786], p. 97), para determinar a antiguidade da presença portuguesa no rio Branco. E recua ainda mais, ao citar que a denominação do rio teve origem a partir da viagem de Pedro Teixeira entre Belém e Quito entre os anos de 1637 e 1639. Transcreve o parágrafo 728 do Livro X dos Annaes Historicos, que se foi buscar nos próprios escritos de Berredo, o trecho no qual se lê:

Sessenta leguas mais abaixo Yanapuary, quatro gráus aos Norte, desemboca o grande rio Negro (onde hoje temos huma Fortaleza), communicando já com outro caudaloso, chamado Branco (que confina com Suriname, Colonia Hollandeza), povoados ambos de muitas Nações de gentilismo, e algumas dellas missionadas pelos Religiosos de Nossa Senhora de Monte do Carmo [...] (BERREDO, 1905 [1718], p. 290).

Pelo que se observa escrito nesse trecho dos Annaes Histórico, é o mesmo que será depois utilizado por Lobo de Almada em sua Descrição Relativa ao rio Branco. Rodrigues Ferreira (1994b [1786], p. 97) conclui sua análise, a partir dessa fonte, afirmando que pelo rio Branco sempre navegaram os portugueses, ainda que mais particularmente a partir do ano de 1740.

Ribeiro de Sampaio (1850 [1777], p. 205) recua tanto quanto Rodrigues Ferreira, porém vai buscar seu embasamento nos escritos do padre Christovão da Cunha, que acompanhou o retorno de Pedro Teixeira de Quito a Belém. Nesse trecho (do que diz ser da

Relação do rio Amazonas do padre Cunha), se observa escrito sobre a existência de um braço

do rio Negro, pelo qual se pode passar à região onde estão estabelecidos os holandeses. A partir disso, Ribeiro de Sampaio conclui que o rio Branco já era tão conhecido pelos portugueses em 1639 que já se sabia que podia passar por ele para as colônias holandesas (SAMPAIO, 1850 [1777], p. 205-206).

Pelo conhecimento que possuía (era Bacharel) e pelo cargo que ocupava (era ouvidor da capitania), Ribeiro de Sampaio se estenderá mais do que Rodrigues Ferreira e Lobo de Almada sobre esse assunto. Dessa forma, afirma que os portugueses já tinham conhecimento da existência do rio Branco entre os anos de 1639 e 1655, e que esse conhecimento se ampliaria entre os anos de 1655 e 1661, quando formou uma missão no rio Negro o padre Francisco Gonçalves (SAMPAIO, 1850 [1777], p. 206).

A seu ver, o inteiro conhecimento do rio Branco foi alcançado pelos portugueses entre os anos de 1670 e 1671. A estratégia portuguesa nesse período constava de propor a sujeição portuguesa e a religião católica aos grupos indígenas com os quais iam tomando contato, formando aldeamentos. Nesse projeto, era comum grupos de um rio se estabelecerem em outras regiões, o que fez os portugueses navegarem o rio Branco, conduzindo indígenas para se estabelecerem no rio Negro. Também alguns subiam o rio para comprar escravos, enquanto esse comércio foi lícito (SAMPAIO, 1850 [1777], p. 206-207).

Assim se foi reconhecendo cada vez mais o rio Branco, que além das atividades apontadas tinham ainda a colheita de drogas e a pescaria, tornando indubitável a certeza da presença portuguesa nesse território. Ribeiro de Sampaio (1850 [1777], p. 207-208) cita também as incursões ocorridas entre as décadas de 1730 e 1740, já citadas anteriormente, e relacionadas às tropas de resgate que praticavam o apresamento de indígenas, encerradas com o Diretório Pombalino.

Os espanhóis tentaram se expandir para o rio Branco, conforme Ribeiro de Sampaio (1850 [1777], p. 238), por ignorarem ou desconhecerem os fatos da expansão portuguesa, a

seu ver, verdade indiscutível. Quanto ao ponto em que D. Manuel Centurion se referia ao desrespeito português aos últimos tratados assinados entre Portugal e Espanha, Ribeiro de Sampaio (1850 [1777], p. 238-239) observava que não sabia a que tratado o governador espanhol se referia.

No entanto, estes tratados obrigavam também os espanhóis a permanecerem nos territórios que já tivessem povoado e ocupado. E embora o de Madri tenha sido anulado, deveria a situação permanecer no estado em que estavam antes do tratado, que em 1750 ficou determinado que fossem os marcos de fronteiras colocados nos cumes dos montes que separavam as bacias hidrográficas (SAMPAIO, 1850 [1777], p. 239-240).

Ribeiro de Sampaio (1850 [1777], p. 240) argumenta que bastava aos espanhóis observar o Mapa dos confins do Brazil com as terras da Coroa da Espanha na America

Meridional, de 1749, que depois ficou conhecido como Mapa das Cortes, e serviu de base

para a demarcação de fronteiras no Tratado de Madri de 1750.

Na legenda do mapa se encontra escrito “O que está de amarelo he o q' se acha occupado pelos Portugueses. O que está de cor de rosa he o q' tem occupado os Espanhoes. O que fica em branco não está até prezente ocupado”, e que foi observado por Ribeiro de Sampaio (1850 [1777], p. 240). Na página seguinte é apresentada a figura 6 que representa o Mapa das Cortes, do qual se destaca, como modificação, um detalhe com a região do rio Branco.

O que se percebe com este mapa, assim como com a Carta de l’Amérique méridionale (1748) de Jean Baptiste Bourguignon D‟Anville, é que a cartografia exercia grande influência sobre as negociações de limites entre os vizinhos Impérios coloniais. Muitas decisões eram baseadas nos conhecimentos que os cartógrafos colocavam nos mapas sobre as regiões em disputa (FURTADO, 2011). Por esse motivo o estranhamento de Sampaio, se já se havia definido na cartografia esses limites no rio Branco.

No entanto, os nomes dos acidentes geográficos nos mapas nem sempre condiziam com o que se encontrava no terreno, o que dificultava o trabalho das comissões demarcadores das Coroas, como se observou no caso da denominação de alguns rios no vale do rio Branco diferindo para espanhóis e portugueses. Embora no Branco essas comissões não tenham se encontrado após a assinatura do Tratado de Madri.

Essa grande importância dos mapas no século XVIII era explicada pelo fato de que estavam em todas as partes. Eram utilizados nas campanhas militares das guerras, nas negociações diplomáticas que se seguiam aos conflitos, nos empreendimentos comerciais ou de prospecção mineral, entre outros fins (FURTADO, 2011, p. 71). Desse modo, a carta de

D‟Anville e o Mapa das Cortes (encomendado por Alexandre de Gusmão para as negociações em Madri) serviriam para subsidiar as negociações diplomáticas em Madri, e este último ainda seria utilizado para demarcar os limites entre Portugal e Espanha na América.

Figura 6 – Mapa dos confins do Brazil com as terras da Coroa da Espanha na America Meridional [1749].

Fonte: Biblioteca Digital da Biblioteca Nacional. Disponível em:

http://objdigital.bn.br/acervo_digital/div_cartografia/cart1004807.pdf. Acesso em: 23 de outubro de 2012.

Voltando às contestações de Ribeiro de Sampaio aos argumentos espanhóis, discute a questão de que os espanhóis não haviam encontrado vestígio de ocupação portuguesa na expedição do cabo Rondon de 1773. Para o ouvidor (SAMPAIO, 1850 [1777], p. 240-241), o governador espanhol provavelmente queria se referir a povoações, mas não significava que os portugueses não dominassem o rio Branco, pois as atividades realizadas na região, já citadas, embora com caráter menos permanente que as povoações, ainda assim definiam a posse portuguesa do rio Branco.

Conforme Ribeiro de Sampaio (1850 [1777], p. 241), o uso a que se destinava a área ocupada é o que determinava a sua ocupação. Por tal motivo, considerava o vale do rio Branco já ocupado. Uma concepção distinta da proposta no início desta pesquisa, ainda no primeiro capítulo, tendo em vista que se pensa em ocupação efetiva, como ocorreu a partir da instalação de uma fortificação e da constituição de aldeamentos. Mas, para Ribeiro de Sampaio, as incursões e as atividades econômicas realizadas serviriam para definir a posse da região para a Coroa portuguesa.

Também se questionava os motivos pelos quais os espanhóis avançaram pelo vale do rio Branco, que, conforme se verificou, foram justificados pela busca da “laguna Parime y cerro Dorado”. Embora os espanhóis tenham praticado a atividade cotidiana da colonização ibérica na América, a constituição de povoações e a busca pela aliança indígena, para se estabelecerem junto aos conquistadores.

Essa justificativa da busca da “laguna Parime y cerro Dorado” causava estranheza tanto a Ribeiro de Sampaio quanto a Lobo de Almada. O primeiro não sabia dizer se se tratava de um pretexto espanhol para invadir o rio Branco e uma tentativa de convencer os portugueses de que uma busca que já durava quase três séculos, sem qualquer resultado positivo, justificava sua expansão. Afinal, os espanhóis no vale do rio Branco também repetiram esses fracassos como o próprio Ribeiro de Sampaio (1850 [1777], p. 245-246) verificou com os militares presos.

Segundo Ribeiro de Sampaio (1850 [1777], p. 247) os espanhóis estavam nessa busca desde 1536, e mesmo os holandeses já tinham procurado o Dorado na região, pois essa era a função da expedição do desertor Nicoláo Horstman em 1741, encontrar metais e pedras preciosas na região (SAMPAIO, 1850 [1777], p. 249).

“Confesso se não sei se mais me move a ira, ou provoca o riso, ouvir pronunciar em serio tom que se chegou a descobrir a Laguna Dorada!”, assim reagia Ribeiro de Sampaio (1850 [1777], p. 246) sobre este argumento espanhol. E acrescentava:

Mais ainda no philosopho, no iluminado seculo 18.º, nos nossos dias, ousa o governador hespanhol D. Manuel Centurion anhelar com diligencias repetidas a invenção d‟esta chimera, ou d‟esta pedra chrysopeya das descobertas. (SAMPAIO, 1850 [1777], p. 249).

Compartilhava dessa opinião, quase dez anos depois de escrever Ribeiro de Sampaio, Manuel da Gama Lobo de Almada, ao comentar a carta de D. Manuel Centurion a Tinoco Valente, como segue abaixo:

Laguna Parime, y cerro Dorado – são cousas, que só existem na imaginação; se não é que os hespanhóes tomam por Cerro Dorado as serras de crystaes [...]; pois enquanto á laguna Parime, é fabuloso, que haja semelhante lagôa no rio Branco, [...] Os geographos que dão nas suas cartas a lagoa Parime comum as aguas vertentes destes dous rios [Orinoco e Branco], configuraram nesta parte por informações pouco exactas (ALMADA, 1861 [1787], p. 632-633, nota de rodapé).

Quimera, fábula ou imaginação dos espanhóis o fato é que depois os funcionários da Coroa portuguesa também verificariam essas informações sobre as chamadas “serras de crystaes”. Primeiro foi ordenado em 1776, ao então comandante do Forte São Joaquim, capitão Philippe da Costa Teixeira, que se fizesse a verificação da serra do Caraumaã e em outras locais. Essa ordem era resultado do que diziam os espanhóis às autoridades portuguesas. Mas, tudo com muito sigilo, tendo em vista que ainda se encontravam em negociações os limites entre Portugal e Espanha (FERREIRA, 1994a [1786], p. 90; 93). Fariam também tais verificações Rodrigues Ferreira em 1786 e Lobo de Almada em 1787.

O fato é que esses funcionários coloniais tentavam desconstruir argumentos utilizados pelos espanhóis que poderiam ser utilizados novamente posteriormente. Entretanto, o ponto principal nessa disputa pela posse definitiva do vale do rio Branco tinha começado a se desenhar em 1775. Era a construção do Forte São Joaquim, ao mesmo tempo em que se formavam povoações com indígenas no rio Branco. O Estado português chegava efetivamente à região.

Esse novo contexto, além de modificar as relações entre portugueses e indígenas, também colocava a Coroa portuguesa a ocupar efetivamente esse território. O Forte São Joaquim, representado em seu comandante e seus subordinados, seria o braço da política portuguesa no Branco e o condutor da estratégia de ocupação empregada a partir da expulsão dos espanhóis.

Dentro de suas muralhas, ou destacados delas, estavam aqueles que trabalhariam para definir a posse da região a favor dos portugueses e para isso os indígenas eram imprescindíveis, como mão-de-obra, força militar ou para o povoamento. Por tais motivos, é que sobre o Forte São Joaquim e o processo de aldeamentos iniciado paralelamente à sua construção que vamos tratar nas próximas páginas desta pesquisa.