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2 MIGRAÇÕES INTERNACIONAIS: PADRÕES E TENDÊNCIAS DA

3.2 A continuidade dos movimentos internacionais

Assim como existem teorias que tentam dar conta das causalidades dos fluxos migratórios internacionais, existem teorias que tentam explicar a continuidade e permanência de tais movimentos. Os fatores que desencadeiam as migrações internacionais são um pouco diferentes dos fatores responsáveis pela sua perpetuação no tempo e no espaço dos movimentos (Massey et al, 1993).

De acordo com a teoria das redes sociais, as relações interpessoais são uma forma de capital social para se ter acesso a uma vaga de emprego no exterior. A conexão entre os futuros migrantes, os não-migrantes e os migrantes mais antigos no local de destino aumenta a probabilidade dos movimentos internacionais. Com a diminuição dos riscos e das incertezas, os custos de migrar diminuem e conseqüentemente o retorno esperado aumenta. À medida que as redes sociais se ampliam, menores serão os custos da emigração e mais pessoas estarão dispostas a deixar seu país para trabalhar no exterior. Os fluxos se tornam menos seletivos em termos socioeconômicos e mais representativos nos países de origem. Os governos têm grandes dificuldades em controlar os fluxos internacionais, uma vez iniciados. Isso se deve ao processo de formação das redes que acontece fora do controle do Estado.

Essa teoria aceita a idéia de que a migração internacional é uma decisão individual ou da família, mas discorda que exista uma forte correlação entre os diferenciais salariais, as taxas de emprego e os fluxos migratórios internacionais. A questão é que quaisquer que sejam os efeitos dessas variáveis na promoção ou inibição dos fluxos, eles serão encobertos pela queda dos custos e dos riscos de migrar, ocasionada pelo desenvolvimento das redes sociais.

Pelo fato de a migração internacional se tornar institucionalizada pelas redes sociais, ela passa progressivamente a ser independente dos fatores que a originaram, sejam eles estruturais ou individuais.

Satisfeita a demanda por mão-de-obra estrangeira nos países receptores de imigrantes, o governo desses países passam a restringir a entrada de trabalhadores imigrantes, como, por exemplo, mediante a concessão de vistos.

De acordo com a teoria institucional da migração, essas barreiras criam um nicho lucrativo, em termos econômicos, para os empresários e instituições dedicadas a promover a migração internacional por intermédio de meios ilícitos. Tais instituições fornecem transporte clandestino para a localidade de destino, contratos de trabalho entre os empresários e os imigrantes, falsificação de documentos e vistos, casamentos entre os nativos ou residentes legais e os imigrantes, crédito, moradia temporária e assistência no país de destino. Por outro lado, grupos humanitários procuram ajudar os imigrantes, fornecendo apoio jurídico, serviços sociais, abrigo e conselhos legais para obtenção de documentos e visto.

Mais uma vez, o desenvolvimento dessas instituições, assim como acontece com as redes sociais, torna-se independente dos fatores que deram origem aos fluxos. Os governos dos países receptores de emigrantes têm dificuldades em frear os movimentos internacionais, uma vez cristalizados. Ademais, o estabelecimento de medidas restritivas para dificultar os fluxos acaba criando um mercado negro das migrações.

Em consonância com o crescimento das redes sociais e com o desenvolvimento de instituições que promovem e facilitam as migrações internacionais, está o que Myrdal (1957) denominou de “causação cumulativa”. As migrações internacionais se mantêm com base em tal processo na medida em que o ato de migrar altera o contexto social onde as subseqüentes decisões de migrar são realizadas, o que eleva a probabilidade dos movimentos. Alguns cientistas sociais (Stark, Taylor & Yitzhaki, 1986; Taylor, 1992) apontaram seis fatores socioeconômicos que são potencialmente afetados cumulativamente pela migração. São eles:

1) A distribuição da renda. Antes de alguém emigrar de uma comunidade rural qualquer, a desigualdade relativa entre as famílias ou domicílios dessa comunidade é pouco percebida. Tais unidades de produção vivem num nível de subsistência com uma parte mínima da renda proveniente de outras atividades. À medida que membros de alguns domicílios e famílias vão trabalhar no exterior, as remessas enviadas por eles aumentam a desigualdade relativa entre as unidades produtivas. Devido aos custos e riscos associados à migração internacional, as primeiras famílias e domicílios que enviam seus membros para localidades

estrangeiras pertencem à classe média ou alta na hierarquia local. Aos poucos, a sensação relativa de desigualdade de renda entre os domicílios e famílias estimula a emigração de pessoas localizadas na base da hierarquia econômica da comunidade, e assim por diante. Nesse compasso, a percepção de desigualdade de renda entre famílias e domicílios vai diminuindo até o momento em que todas as unidades de produção passam a participar da migração e a receber remessas. 2) A distribuição de terra. Emigrantes internacionais provenientes de uma comunidade rural costumam comprar terras nas localidades de origem como um meio de adquirir prestígio ou como uma fonte de renda para uma futura aposentadoria. Essas terras não são cultivadas e permanecem ociosas (salários recebidos no exterior são mais lucrativos que a produção agrária), o que diminui a demanda por mão-de-obra local e pressiona os trabalhadores a emigrar. Quanto mais gente trabalhando no exterior, maior será o acesso à renda necessária para comprar terra. Nesse sentindo, maior o volume de terras inutilizadas, maior o número de trabalhadores locais sem emprego e maior pressão para emigrar. 3) A organização da agricultura. Esse fator socioeconômico aumenta a propensão à emigração internacional de indivíduos residentes em localidades rurais, de maneira semelhante à distribuição de terra, mencionada anteriormente. Domicílios com alguns membros residindo no exterior têm condições de investir em maquinário, herbicidas, irrigação, fertilizantes e outros métodos intensivos em capital para aumentar o volume e melhorar a qualidade da produção no local de origem. Isso acontece porque os migrantes têm acesso ao capital para financiar tais recursos. À medida que se mecaniza e capitaliza a agricultura, menor será a necessidade de força de trabalho para a produção. Portanto, um maior número de trabalhadores é dispensado das tarefas agrícolas. Esses trabalhadores

desempregados, pertencentes aos domicílios sem emigrantes

(consequentemente, sem renda do exterior), sentem-se pressionados a emigrar. Quanto maior o volume de emigrantes, maior o número de domicílios capazes de investir na mecanização agrícola, maior desemprego e maior pressão para a emigração;

4) A cultura da migração. À medida que a proporção de migrantes eleva-se em uma comunidade, valores e percepções culturais são modificados de maneira a

aumentar a probabilidade de migrar. A experiência dos migrantes em países industrializados altera seus gostos e motivações. Inicialmente, os indivíduos procuram migrar com o propósito de ganhar dinheiro para um objetivo específico. No entanto, depois de emigrar, as pessoas adquirem um forte conceito de mobilidade social, desejos por bens e por estilos de vida dificilmente alcançados no país de origem. Massey et al (1993) acreditam que quanto maior o número de vezes que um indivíduo migra, maior as chances dele reemigrar.

Em relação à comunidade de origem, o ato de migrar torna-se uma atitude habitual e parte da cultura local. Para homens e mulheres jovens, a migração se transforma num ritual de passagem, onde quem não a realiza é considerado fraco, indesejável. Aos poucos, as informações relativas aos locais de destino se difundem pela comunidade de origem, assim como seus valores, sentimentos e comportamentos.

5) A distribuição regional do capital humano. A migração é um processo seletivo, na medida em que os mais aptos a migrar são os trabalhadores mais bem qualificados, com elevada produtividade. A emigração dessa força de trabalho aumenta a concentração de capital humano nas regiões de destino e reforça o crescimento econômico. Em contrapartida, ao diminuir a quantidade de capital humano nas regiões de origem dos fluxos, coopera para sua estagnação econômica e, consequentemente, para a emigração.

Essa seletividade migratória foi denominada por Lee (1980) de seletividade positiva, que ocorre quando a migração é impulsionada principalmente em razão de fatores positivos no lugar de destino. As pessoas migram, não por necessidade, mas por perceberem oportunidades existentes em outros lugares, e por ponderarem as vantagens e desvantagens nos locais de origem e de destino. Pessoas com alto nível de instrução, por exemplo, migram, freqüentemente, porque percebem melhores ofertas em outros lugares.

6) O rótulo social de determinadas ocupações. Nas sociedades de destino, quando algumas vagas de emprego são significativamente ocupadas por mão-de- obra estrangeira, passam a ser rotuladas como “trabalho de imigrante”. Tais ocupações são desprezadas pela população nativa, o que reforça ainda mais a

demanda por trabalhadores imigrantes. Essa demanda estrutural estigmatiza determinadas ocupações profissionais que se tornam inapropriadas para os nativos. Nesse caso, o estigma provém da presença hegemônica de imigrantes no trabalho e não das características do cargo.