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A contribuição da Psicologia para a análise de conceitos

Capítulo 2: Análise de conceitos/palavras/metáforas

2.1 A contribuição da Psicologia para a análise de conceitos

A psicologia fez contribuições importantes para o entendimento do funcionamento conceitual do ser humano que afetam o modo como devemos realizar qualquer análise conceitual. Embora filósofos sempre tenham feito análise de conceitos, o modo como esta atividade é encarada passa atualmente por uma reformulação importante, devido ao questionamento do chamado Modelo Clássico de caracterização dos conceitos, que será explicado adiante. Esse questionamento teve como precursor Wittgenstein (1996) e, posteriormente ganhou força devido a pesquisas no campo da psicologia e da linguagem, que iremos abordar agora.

Seguiremos aqui o argumento apresentado por Ramsey (1992) para falar sobre as consequências da pesquisa em psicologia para a análise conceitual. Uma importante revisão de literatura sobre o tema pode ser encontrada em

Lakoff (1990) e discussões sobre o tema foram realizadas na literatura brasileira por Oliveira (1991) e Lima (2010).

O Modelo Clássico é geralmente atribuído a Aristóteles, e afirma que a análise de conceitos busca por uma definição simples, que atinge a essência de um determinado conceito, estabelecendo uma série de notas para que algo seja incluído ou excluído de uma determinada categoria, de forma precisa e sem exceções. Assim, “o homem é um animal racional” estabelece a essência do homem e constitui uma categoria dentro da categoria “animal” a qual somente o homem pertence.

Figura 1: Ilustração que exemplifica o funcionamento do modelo clássico

No entanto, pesquisas empíricas realizadas por psicólogos como Eleanor Rosch (1973) colocam em questão o modelo tradicional, ao mostrar que o pertencimento a algumas categorias não acontece de maneira tudo-ou-nada. O processo de categorização é caracterizado muito mais como uma avaliação de semelhança ao longo de um contínuo do que como a aplicação de uma definição que traça uma linha clara e inequívoca. O grau de maior ou menor pertencimento de determinado item a determinada categoria varia em intensidade, e há formação de zonas “cinzas” em que a separação entre membros e não-membros é de difícil realização (Ramsey, 1992).

RaR Racional Animal

A B

Figura 2: ilustração do campo semântico para a categoria conceitual “pássaro” (Diessel, n.d., p. 4).

Alguns itens de uma categoria são considerados mais típicos do que outros: Eleanor Rosch os chamou de protótipos (Rosch, 1973). A figura 2 ilustra a ideia de protótipo e exemplares mais periféricos para a categorial conceitual “pássaros” – nesta figura o protótipo dos pássaros seria o “robin” (pisco-de-peito- ruivo). Colocando no contexto de outro exemplo: se for pedido a um grupo de pessoas que citem um animal mamífero, o mais provável é que as respostas mais frequentes sejam algo como “cachorro” ou “vaca”, e não “baleia”. O item considerado típico é algo que pode apresentar variação de pessoa para pessoa ou entre diferentes culturas, ou pode ter alguma estabilidade e universalidade dentro de um determinado universo discursivo, algo que somente pesquisas empíricas de uma população específica podem ajudar a estabelecer. No entanto, o processo de categorização parece passar por uma comparação entre um candidato qualquer e o membro típico da categoria.

Não há uma propriedade ou conjunto de propriedades que um item deve possuir para que seja julgado uma instância de um conceito alvo. Pelo contrário, a posse de um número significante de características prototípicas é suficiente para gerar intuições de que é uma instância de uma dada categoria. Além disso, a relevância ou saliência dessas propriedades não precisa ser uma constante

fixa e pode variar em diferentes contextos (Ramsey, 1992, p. 65)7

As pesquisas de Rosch não tomaram como base a linguagem acadêmica e científica, mas sim a linguagem ordinária. O que nos levaria a acreditar que eles podem dizer algo importante sobre a utilização e análise de conceitos dentro do âmbito do discurso formal em psicologia?

Ramsey (1992) sugere que estes resultados não se aplicam somente a categorias simples da linguagem ordinária, como “pássaro” ou “mamífero”: “A falha da filosofia analítica de produzir uma análise completamente satisfatória e não controversa da vasta maioria dos conceitos abstratos deveria sugerir por si só que algo está errado”8 (p. 68). É possível que a procura por uma série de condições suficientes para a delimitação rigorosa de um conceito não corresponda à realidade de como efetivamente lidamos com conceitos em discursos mais teóricos e formais.

Essa hipótese dialoga bem com a concepção segundo a qual raciocinamos metaforicamente, ou seja, por semelhanças e analogias, já que

7 “(…) there is no one property or set of properties an item must possess to be judged as an

instance of a target concept. Instead, possession of a significant number of prototypical features is sufficient to generate intuitions that it is an instance of a given category. Furthermore, the relevance or salience of these properties need not be a fixed constant and can vary over contexts”.

8 “The failure of analytic philosophy to produce an uncontroversial, completely satisfactory

aponta para a presença de um constante processo de comparação na formação e manutenção de categorias conceituais. Além disso, também possui afinidade com a concepção polissêmica e potencialmente equívoca da linguagem, já que a categorização envolve procedimentos dependentes de contexto.

Se for correto que a linguagem científica não é tão diferente assim da linguagem ordinária, os resultados descritos acima não se referem somente a conceitos como “animal mamífero”, mas descortinam algo da complexidade e imprecisão das nossas ferramentas de trabalho teórico. O estudo do burnout desenvolvido nesta tese parece corroborar a perspectiva segundo a qual o que encontramos rotineiramente na atividade de análise conceitual não são entidades simples, claras e unívocas, mas sim complexas e polissêmicas.