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CAPÍTULO I A TEORIA DA ATIVIDADE E A GÊNESE INSTRUMENTAL

1.3. A contribuição de Leontiev para a Teoria da Atividade

Leontiev estende e desenvolve o princípio de Rubinshtein sobre a unidade e inseparabilidade da consciência e da atividade em três aspectos. Inicialmente, Leontiev afirma que os estudos psicológicos não devem estar centrados apenas no aspecto

psicológico ou na atividade (de acordo com Rubinstein), como a relação entre a atividade e experiências subjetivas. Em vez disso, sustenta que a relevância da atividade para a psicologia é de natureza mais geral: a atividade é de fundamental importância para a psicologia em decorrência de sua função especial, a função de transformar a realidade objetiva do sujeito em uma forma de subjetividade (LEONTIEV, 1978). A seguir, Leontiev foca nos fenômenos mentais conscientes e inconscientes. Por fim, Leontiev trata de ideias sobre a relação entre mente e atividade e a noção de semelhança estrutural entre processos internos e externos (LEONTIEV, 1978).

O que se verifica, portanto, é a atenção dada por Leontiev aos aspectos

humano: da ação individual mediada e orientada ao objeto, como em Vigotski, para a relação específica entre a consciência e a dinâmica das interações sociais e dos fenômenos sociais por meio da atividade coletiva. Vigotski tinha um conceito de ação, mas não desenvolveu a diferenciação entre ação e atividade, que devemos a Leontiev.

Leontiev exemplificou o funcionamento da hierarquia da atividade em seu exemplo sobre a atividade da caça coletiva (ENGESTRÖM, 1987) e como se desenvolve historicamente a divisão do trabalho a partir do motivo da atividade em satisfazer as necessidades na busca de alimentos e/ou por vestimentas.

Na caça coletiva, em sua organização para a caçada, nem todos os participantes nela engajados agem da mesma forma; dividem-se em grupos em que alguns indivíduos são encarregados de espantar e direcionar a caça a um local onde outros se escondem e planejam uma emboscada para, enfim, abatê-la. Quando um membro de um grupo realiza sua atividade de trabalho, ele também a faz para satisfazer uma de suas necessidades. Um batedor, por exemplo, ao fazer parte da caça coletiva, foi motivado pela necessidade do alimento ou, talvez, uma necessidade por roupas, obtida através da pele do animal morto. No entanto, a sua atividade estava diretamente orientada? Ela pode ter sido direcionada, por exemplo, com o objetivo de assustar o bando de animais e enviá-los para outros caçadores escondidos para uma emboscada. Isso, propriamente falando, é o que deve ser o resultado da atividade deste homem. E a atividade de caça desse membro individual termina com isso. O restante é completado pelos outros membros. Este resultado, ou seja, o envio do bando à emboscada pode não satisfazer a necessidade do batedor em busca do alimento, ou da pele do animal. Os processos de sua atividade, isto é, suas ações, as quais foram direcionados, portanto, não coincidem com o seu motivo e sua atividade; os dois foram divididos entre um e outro, neste exemplo. Os processos, o objetivo e o motivo que não coincidiram com os de outros membros, vamos chamá-los de “ações”. Podemos dizer, por exemplo, que a atividade do batedor é a caça, e o envio do bando à esboscada a sua ação (LEONTIEV, 1978).

Tal distinção muda a unidade de análise do desenvolvimento humano: da ação individual mediada e orientada ao objeto, para atividade coletiva mediada orientada ao objeto. Pois, ainda referindo-se ao exemplo da caçada, a ação de espantar a caça parece

“sem sentido e injustificável” se não levarmos em conta a atividade coletiva em sua totalidade (LEONTIEV, 1981, p. 212)

Portanto, este exemplo retrata a diferenciação entre ação individual e a atividade

coletiva. Esta distinção é evidente na reconstrução da divisão do trabalho como um processo histórico por trás do desenvolvimento das funções psicológicas (LEONTIEV, 1981, p. 208). Nesse exemplo, as ações individuais, que foram direcionadas, não coincidem com o seu motivo e sua atividade; os dois foram divididos entre um e outro. Os processos, o objetivo e o motivo que não coincidiram com os de outros membros vamos chamá-los de “ações”, mas a atividade é coletiva (LEONTIEV, 1978, p. 209- 210).

Assim, a contribuição de Leontiev para a Teoria da Atividade está relacionada ao reconhecimento e à importância do aspecto coletivo da atividade humana. O autor propõe um sistema integrado em uma hierarquia da atividade e considera esta como unidades organizadas em três camadas hierárquicas (Figura 3), tendo início com um motivo ou uma necessidade, seguido de ações destinadas à realização dos objetivos desejados e operações controladas pelas condições de execução.

Figura 3. Modelo Hierárquico da Atividade de Leontiev (NARDI, 1996, p. 30)

No modelo hierárquico (Figura 3), a atividade é a unidade definida pelo motivo. Na Figura 3, a necessidade é uma condição interna (um pré-requisito) para que ocorra a atividade. Contudo a necessidade não pode determinar a direção exata da

atividade, orientando-se a partir das metas dessa atividade. Na medida em que a necessidade encontra a sua direção em um objeto (que se torna “objetivado”), o objeto torna-se o motivo da atividade, e é isso que a estimula.

O motivo, Figura 3, representa a condição necessária para que ocorra uma atividade. Em outras palavras, uma atividade existe para satisfazer um motivo ou necessidade do ser humano. Portanto as metas de uma atividade podem ser identificadas através do motivo (BERTELSEN; BODKER, 2003).

As ações, Figura 3, são representadas por processos, isto é, passos ou procedimentos conscientes que devem ser direcionados para cumprir as metas da atividade. De tal modo que uma atividade é focada em satisfazer um motivo, as ações são orientadas para a realização consciente das metas. Uma ação ou várias ações podem ser direta ou indiretamente orientadas para a realização de uma ou várias metas. As ações, portanto, podem ser entendidas como processos direcionados às metas, tendo vida (existência) temporária em relação à atividade. Às vezes, as ações são executadas repetidamente até que o objetivo desejado seja alcançado. Essas ações repetidas ou rotinas são transformadas em operações internalizadas e prontas para processá-las, quando necessário. Leontiev explica que este processo de transformação traz nova compreensão da atividade em que o ser humano está envolvido (LEONTIEV, 1978).

Ainda, pela Figura 3, nota-se que os aspectos operacionais das ações tornam-se rotineiros e inconscientes com a prática. Isso significa que a função psicológica de pensar sobre o modo de executar uma determinada ação sofre alteração com a prática repetitiva, isto é, torna-se natural, não exige mais pensar sobre como proceder para seu desenvolvimento. O sucesso das operações depende, pois, das condições sob as quais determinada ação é executada, sendo que o motivo e o objetivo da atividade permanecem os mesmos, pois mudança no motivo leva a outras metas e operações.

Isso implica que as operações são controladas pelas condições em que o objetivo é apresentado. Como resultado da influência das condições, a execução de uma operação pode ser transformada em uma série de ações, uma vez que podem ocorrer mudanças nas condições normais de execução. Contudo uma atividade pode ser

dinamicamente transformada, como resultado das mudanças que ocorrem nas condições em que determinada ação será realizada.

Leontiev escreveu sobre a importância da mediação na atividade humana. No entanto, em sua Teoria da Atividade, maior atenção é dada para os aspectos subjetivos do sujeito, não sendo dito muito sobre os papéis e responsabilidades dos indivíduos envolvidos na realização da atividade. Além disso, a ideia de contradições internas como força propulsora de mudança e desenvolvimento no sistema de atividade ganha força na Teoria da Atividade a partir das ideias de Engeström, como artefato para entender o diálogo, as múltiplas perspectivas e vozes, as contradições, a produção e a mundança organizacional.

A seguir, apresenta-se a contribuição de Engeström para a Teoria da Atividade.