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A cooperação e os desafios da economia solidária

4. AS BASES TEÓRICAS DA ECONOMIA SOLIDÁRIA E DA AUTOGESTÃO

4.3 A cooperação e os desafios da economia solidária

Os conflitos, a cooperação e a solidariedade sempre estiveram presentes na vida do homem desde o surgimento da humanidade. E logo no início da aventura humana na terra foi possível compreender que a vida se tornaria menos difícil se a cooperação e a solidariedade estivessem presentes para enfrentar as adversidades e superar os conflitos.

A cooperação no processo de trabalho, tal como vemos predominar no início da civilização, entre os povos caçadores ou ainda na agricultura das comunidades indianas, baseia-se por um lado na propriedade em comum das condições de produção e por outro no fato de que o indivíduo permanece também ligado à tribo ou a sua comunidade como a abelha à sua colmeia (MARX, 1980, p. 64).

Ai está a base para aquilo que denomina-se hoje por economia solidária. A propriedade comum dos meios de produção, o processo de tomada de decisão com base na autogestão e o vínculo com a comunidade assumindo um compromisso com o desenvolvimento local sustentável.

A economia solidária, tal qual conhece hoje, tem como seus antecedentes os pioneiros do cooperativismo operário e surgiu como uma reação autorganizada durante a Revolução Industrial no século XVIII. Entre os pioneiros destacam-se: Robert Owen (1771-1858), Willian King (1786-1865), Charles Fourier (1772-1837), Philippe Buchez (1796-1865) e Louis Blanc (1812-1882). É, fundamentalmente, uma filosofia na qual o coletivo prevalece, e busca-se construir outra maneira de processar a economia, tendo base no trabalho e na distribuição equitativa do excedente adquirido e não na acumulação individual de riqueza com base na exploração do trabalho do outro.

Da experiência dos Pioneiros de Rochdale até chegar ao século XXI percebe-se cada vez mais a importância dessas práticas. O maior desafio para as organizações é conseguir a cooperação de seus quadros para alcançar um objetivo comum. Mas dentro dos empreendimentos econômicos solidários pressupõe-se que isso ocorra de forma natural, afinal eles surgem para dar uma resposta às demandas do grupo que se auto-organizou. Nesse contexto, os movimentos sociais se articulam numa iniciativa de vanguarda no processo de construção de novas possibilidades numa sociedade cada vez mais excludente.

É no cotidiano dos movimentos sociais, nas suas místicas, nos seus espaços de diálogo, nas suas lutas que se encontra o sentido e a autenticidade da solidariedade e da cooperação. No Brasil, os povos indígenas já se utilizavam dessas práticas. Posteriormente foram os Quilombolas que mostraram a força da cooperação e da solidariedade. Também nos movimentos revolucionários, que foram sufocados pelo Estado brasileiro, encontram-se relatos dessas práticas. Mais recentemente entre as décadas de 50 e 60 do século XX através da organização das ligas camponesas, das comunidades eclesiais de base, do movimento sindical e de outras formas de organização popular, os movimentos sociais reavivam essa prática banida pela ditadura que se instaurou no país.

É, na década de 1980, que se observa a revitalização dos movimentos sociais no Brasil, apesar da economia solidária não ser o foco, a solidariedade está presente. Numa ação de articulação frente ao avanço das políticas desregulamentadoras e pró-mercado, como instância única e última de sociabilidade, esses movimentos voltam a respirar. É nesse momento que se dá a ascensão política dos trabalhadores, com o retorno da democracia que teve seu auge com a promulgação da nova Constituição em 1988 e as primeiras eleições diretas para presidente em 1989.

Ao contrário do período anterior a década de 1990 é marcada pelo avanço das ideias neoliberais e pelo avanço da globalização que promove profundas transformações nas relações sociais e de trabalho. Ganha espaço a proposta do Estado mínimo através das privatizações e a redução de políticas públicas. A abertura não planejada da economia brasileira coincidiu com transformações sociais de grande vulto ao redor do mundo; assistimos a decadência do socialismo no leste europeu acompanhada pela queda do muro de Berlim; e conhece-se a voracidade das empresas transnacionais e os impactos da automação dos postos de trabalho. Paralelamente, verificou-se o enfraquecimento da luta sindical e o surgimento de vários movimentos sociais desarticulados e pulverizados. É nesse contexto que surgem as iniciativas populares para enfrentar o desemprego. Posteriormente esse movimento se fortalece e se constitui em um Movimento de Economia Solidária.

Essas transformações no mundo do trabalho exigem respostas do movimento sindical que exerceram papel preponderante nesse momento. Com apoio do Departamento Intersindical de Estudos Sócio-econômicos (Dieese) em 1994 foi criada a Associação Nacional de Trabalhadores de Empresas de Autogestão e Participação Acionária (Anteag). Esse movimento vai ganhando corpo e as iniciativas de geração de trabalho e renda que tem como base a forma solidária e associativa multiplicam-se e chamam a atenção de setores da sociedade civil, do poder público, de universidades e entidades de classe e vão sendo criadas organizações que se colocam como apoiadoras ou agregadoras dessas iniciativas.

Em 2001, durante o Fórum Social Mundial (FSM) foi criado o GT Brasileiro. De 2001 a 2003 o GT Brasileiro já havia realizado três plenárias e na realização da terceira plenária criou-se o Fórum Brasileiro de Economia Solidária (FBES), cujo objetivo era promover a interlocução dos empreendimentos econômicos solidários junto ao Governo Federal e outras instituições. Em 2003, a economia solidária ganha destaque quando assistimos também a criação em nível Federal de Governo, da Secretaria Nacional de Economia Solidária (SENAES)22, visando formular e articular políticas de fomento à economia solidária.

O movimento vai se articulando e chega a junho de 2006 a I Conferência Nacional de Economia Solidária (I CONAES), com o tema: Economia Solidária como Estratégia de Desenvolvimento organizada com base em três eixos:

- Os fundamentos da Economia Solidária e seu papel para a construção de um desenvolvimento sustentável, democrático e socialmente justo.

- O balanço do acúmulo da economia solidária e das políticas públicas implementadas.

- Os desafios e prioridades para a construção de políticas públicas de economia solidária, sua centralidade, a articulação com as demais políticas e os mecanismos de participação e controle social (I CONAES, 2006a, p. 2)

Em março de 2008, foi realizada a IV Plenária Nacional de Economia Solidária organizada pelo Fórum Brasileiro de Economia Solidária (FBES) cujo objetivo foi:

Apresentar para o Brasil uma discussão e um plano de lutas articulados e propositivos apontando para um desenvolvimento alicerçado sobre os princípios da cooperação e da solidariedade. A cooperação vista como a ação política, tendo na vivência da autogestão a sua sustentação, e a solidariedade vista como a prática entre as pessoas – que tem nos valores, do tipo de ajuda e confiança mútua, seu pilar de segurança (FBES, 2008, p. 2).

22 Essas conquistas se devem pela proximidade do governo de Luiz Inácio Lula da Silva aos movimentos sociais. Essa aproximação, e a organização dos movimentos sociais permitiram a criação desse espaço dentro do governo.

E em junho de 2010, realizou-se II Conferência Nacional de Economia Solidária (II CONAES), com o tema: Pelo Direito de Produzir e Viver em Cooperação de Maneira Sustentável. Também com três eixos temáticos que propiciaram uma avaliação do caminho percorrido apontando limites e possibilidades para a economia solidária. Os três eixos são:

- Avanços, limites e desafios da Economia Solidária no atual contexto socioeconômico, político, cultural e ambiental nacional e internacional.

- Direito a formas de organização econômica baseadas no trabalho associado, na propriedade coletiva, na cooperação, na autogestão, na sustentabilidade e na solidariedade, como modelo de desenvolvimento.

- A organização do Sistema Nacional de Economia Solidária (II CONAES, 2010a). As conferências além de se apresentarem como importantes instrumentos de consolidação da democracia participativa mostram que a economia solidária não é um movimento paternalista, tampouco assistencialista, paradoxalmente se apresenta como um movimento autogestionário que pretende através da organização dos trabalhadores construir novas relações de trabalho e se caracterizar com uma economia sem patrões e sem empregados, mas não se restringe a isso.

Outro espaço de discussão e apresentação da economia solidária foi a Campanha da Fraternidade Ecumênica 2010 (CFE), que reuniu várias igrejas de diferentes matrizes religiosas. Com o lema: ‘Vocês não podem servir a Deus e ao dinheiro’ (Mt, 6,24), o Conselho Nacional de Igrejas Cristãs (CONIC) chama as mais diferentes denominações religiosas para repensar os rumos da economia e da vida. Para Sguarezi (2010), “O objetivo da CFE foi colocar em debate uma alternativa de uma economia a serviço da vida e não apenas dos interesses econômicos”. Assim a economia solidária vai se afirmando como importante instrumento de inclusão social, de participação e de criação de consciência política.

É uma economia que, em tese, se contrasta com a economia capitalista porque redefine o centro da atividade econômica, do capital para o trabalho, da maximização do lucro para o preço justo, da alienação da hiperespecialização para a politecnia, da competitividade abusiva para a solidariedade, reformata a lógica econômica hoje centrada no consumismo pelo consumismo e recoloca a economia numa dimensão social, ética, cultural, ambiental e política, apropriadamente chamada de economia solidária.

Porém, em muitos empreendimentos econômicos ditos solidários, parece que o “espírito” cooperativista não está presente. Não há nada de autogestão. A hierarquia é reposicionada, o trabalho torna-se precarizado. Pois os trabalhadores estão fora das redes de

securidade social, perdem direitos como: férias, décimo terceiro salário, seguro desemprego entre outros. Além disso, não se supera a distância entre trabalhadores e “intelectuais”. Mas a economia solidária no seu compromisso pedagógico busca superar essas limitações. Criar o próprio trabalho, viver sem patrão, lutar contra um sistema excludente e em Estado paternalista que embasa suas ações em legislações arcaicas é um desafio que está colocado e a questão que merece ser problematizada neste momento é: A autogestão acontece de fato em empreendimentos econômicos solidários? Ou é apenas um discurso? Centrar o estudo na autogestão é importante porque as iniciativas de economia solidária não se restringem a autogestão, mas a economia solidária não acontece sem ela. A autogestão acaba por ser um pilar desses empreendimentos, pois “A autogestão, no sentido mais amplo, significa o exercício coletivo do poder e surgiu como uma concepção de gestão social ou da visão da sociedade autogestionária presente em várias Teorias Socialistas” (DORNELES, 2005, p. 03), ou seja, a autogestão é um princípio da economia solidária.

A autogestão é um projeto de organização democrática que privilegia a democracia direta. Esta constitui um sistema em que voluntariamente, sem perceberem remuneração e sem recorrerem a intermediários, os cidadãos debatem todas as questões importantes, em assembleias. A periodicidade dessas reuniões deve ser compatível com a disponibilidade dos agentes envolvidos (MOTHÉ, 2009, p. 26). Numa proposta de radicalização da democracia a autogestão é uma estratégia de capilarizar a democracia na sociedade. É uma forma de superar as falsas promessas da democracia representativa e chamar os cidadãos a serem protagonistas e construtores de novas possibilidades econômicas e sociais. É nesse âmbito de discussão e embate político que floresce a economia solidária.

Paul Singer, um dos artesãos da economia solidária no Brasil, afirma:

A ES é o conjunto de atividades econômicas – de produção, distribuição, finanças e consumo – organizadas de forma autogestionária, ou seja, no âmbito das quais não há distinção de classe: todos os que nelas atuam são seus proprietários e todos os que são proprietários nelas trabalham. A democracia na gestão dos empreendimentos (uma cabeça, um voto) é o que distingue a ES da economia capitalista (SINGER; KRUPPA, 2004, p. 92)

Distingue-se, porém convive no seio do capitalismo. O Movimento de Economia Solidária surge embrionariamente dentro dos problemas gerados pela exclusão social provocada pela sociedade de consumo. É nesse conflito entre capital e trabalho, é na tensão entre a economia de mercado e a sociabilidade que a economia solidária se apresenta como um projeto de organização dos trabalhadores. É na diferença das relações de trabalho entre os

seus sujeitos que se encontra ao mesmo tempo a tradição na busca do ideal do trabalho associado e a inovação da proposta. É na forma de gestão que se define, se o empreendimento é de economia solidária, ou não.

Esse movimento casa o princípio entre a posse e o uso dos meios de produção e distribuição (da produção simples de mercadorias) com princípio da socialização desses meios (do capitalismo), [...] cujos princípios organizativos são: posse coletiva dos meios de produção pelas pessoas que as utilizam para produzir; gestão democrática da empresa ou participação direta [...] ou por representação; repartição da receita líquida entre os cooperadores por critérios aprovados após discussões ou negociações entre todos; destinação do excedente anual [...] também por critérios acertados entre os cooperados (SINGER, 2003, p. 13).

Dessa forma, é pertinente afirmar que a economia solidária é uma construção e sua dinâmica se dá através do diálogo franco e aberto, no qual, seus sujeitos assumem uma postura democrática e participativa que poderá se dar através da ação comunicativa23, e levar conforme (HABERMAS, 1982) mencionado por Santos (1999, p. 36-45), a uma “[...] situação comunicativa [...]” que procure construir uma relação dialógica com base nos princípios da

verdade, da veracidade e da justiça, na busca da satisfação não só dos empreendimentos econômicos solidários e de seus trabalhadores, mas dos consumidores, sem menosprezar a responsabilidade social da organização com a sociedade, com o meio ambiente, com a cultura local e outros elementos com os quais ela interage.

Segundo o professor Farid Eid (2004, s.p),

A Economia Solidária pode ser interpretada como uma economia não capitalista onde a fraternidade é essencial e se traduz pelo conjunto crescente de experiências organizativas de trabalhadores, que buscam articular-se em redes, através de associações, cooperativas, empresas autogestionárias em diversos ramos de atividades, clubes de troca, entre outras, espalhadas pelo país gerando postos de trabalho e renda na construção da cidadania coletiva, na busca por melhoria na qualidade de vida em áreas urbanas e rurais.

23 Barbara FREITAG, A teoria crítica: ontem e hoje, 1988. “Para Jürgen HABERMAS, A ação comunicativa não é uma faculdade abstrata inerente ao indivíduo isolado, mas um procedimento argumentativo pelo qual dois ou mais sujeitos se põem de acordo sobre questões relacionadas à verdade, à justiça e à autenticidade” (Ibid. p. 59-60). Cf. Maria Aparecida Ferreira de AGUIAR, Psicologia Organizacional..., 2000, p. 62-96-11. Cf. Mats ALVESSON & Stanley DEETZ, Teoria crítica e abordagens pós-modernas para estudos organizacionais. In: Handbook de Estudos Organizacionais, 1998. “A ação comunicativa é o entendimento comunicativamente alcançado, dependente da comunicação não distorcida, da presença da discussão livre baseada na boa vontade, argumentação e diálogo. Na base da discussão racional não distorcida, Habermas assume que o consenso pode ser alcançado levando-se em conta os estados presente e desejável. Ele sustenta que na própria linguagem e no modo como é usada existem certas condições para alcançar este ideal: a expectativa e o desejo de ser entendido e acreditado e a esperança de que outros aceitarão nossos argumentos e outras proposições” (Ibid., p. 244).

Para alguns militantes esses empreendimentos são os germes que corroem o sistema capitalista no processo de construção do socialismo. No entanto, críticos dessa ideia atestam que é um equívoco considerar que os empreendimentos de economia solidária (EES) teriam potencial transformador do sistema global do capital. Para Antunes (2003, p. 114), eles agem

[...] como um mecanismo minimizador da barbárie do desemprego estrutural, eles cumprem uma efetiva (ainda que limitadíssima) parcela de ação. Porém, quando concebidas como um momento efetivo de transformação social em profundidade, elas acabam por converter em uma nova forma de mistificação que pretende, na hipótese mais generosa, “substituir” as formas de transformação radical, profunda e totalizante da lógica societal por mecanismos mais palatáveis e parciais, de algum modo assimiláveis pelo capital. E na sua versão mais branda e adequada à Ordem pretendem em realidade evitar as transformações capazes de eliminar o capital.

Tais discussões evidenciam as contradições e a complexidade que envolve o tema. Fugindo dessa perspectiva de remédio para todos os males, a economia solidária, é uma forma de relacionamento que os movimentos sociais encontraram, e ao mesmo tempo construíram para resistir a visão, e a ação hegemônica do sistema capitalista, dentro do próprio sistema, negando suas contradições, mas inevitavelmente precisa se relacionar com ele. Segundo Gallo (2003, p. 22),

Em princípio pode parecer bastante contraditório o termo Economia Solidária, já que soma conceitos de solidariedade com o de economia. Dentro da lógica capitalista hegemônica, o termo é incoerente porque vai contra os seus princípios de lucratividade e de acumulação do capital. Por outro lado, uma economia solidária possui uma lógica baseada na cooperação, na solidariedade, na integração e na inserção social; busca também sobreviver através de seus excedentes econômicos e da sua acumulação de capital.

A economia solidária pode não ser a solução definitiva para todas as deficiências do capitalismo, mas a ideia de que os próprios trabalhadores podem criar suas possibilidades e protagonizar sua reação contra a exclusão social através da auto-organização é um grande salto, principalmente quando protagonizado pelos excluídos, visto que ao tomar o seu destino criando o próprio espaço de trabalho através de seus empreendimentos sem esperar soluções do governo e dos patrões já é um grande avanço, é uma grande contribuição para a nação.

Com base na solidariedade, na cooperação e na autogestão é uma economia que vem apresentando excelentes resultados, tanto do ponto de vista econômico, quanto do ponto de vista social-organizativo e ambiental, no campo e na cidade. Portanto, a economia solidária assume um compromisso ético com a vida, “Trata-se de um movimento que têm por objetivo a cidadania terrestre” (MORIN; ALMEIDA; CARVALHO, 2002, p. 101). Assim a economia

solidária como não está desvinculada da autogestão e da cooperação igualmente se vincula a sustentabilidade. Pois “O uso produtivo não necessariamente precisa prejudicar o meio ambiente ou destruir a diversidade, se tivermos consciência de que todas as nossas atividades econômicas estão solidamente fincadas no ambiente natural” (SACHS, 2001, p. 32).

Economia solidária parte do pressuposto da cooperação nas relações de produção, nas relações sociais, e nas relações com a natureza. Mas qual é a relação do conceito de cooperação e a sua relação com a economia solidária? É bem verdade que a cooperação é algo inerente a sociedade humana, mas ela toma outra forma diante do aprimoramento do processo capitalista de produção e com o rompimento definitivo da divisão natural do trabalho na

família. Com o surgimento das máquinas, das fábricas e a consolidação do processo da Revolução Industrial a cooperação toma outra dimensão. O processo de produção capitalista assenta-se na divisão do trabalho, mas essa fragmentação só se torna efetivamente divisão do trabalho a partir do momento em que se opera num processo coletivo, que coloca a cooperação como condição sine qua non para o processo de produção.

O fim da manufatura exige a cooperação, mas quem vai ficar com o resultado dessa cooperação não é o trabalhador, mas sim o capitalista. O trabalho é do trabalhador, mas o resultado do trabalho é do capitalista que detêm os meios de produção, compra a matéria- prima e a mão de obra. Se por um lado a cooperação é capaz de aumentar a rentabilidade do trabalho em dez vezes, a divisão do trabalho força a cooperação, a cooperação não é sinônimo de união, é uma cooperação não espontânea, obrigada, porque se o trabalhador não responder as demandas e as exigências da cooperação da empresa ele está fora do mercado de trabalho, e assim, fica suprimida a sua capacidade sobrevivência.

Dessa a forma a cooperação ajudou a produzir um homem fragmentado, cindido e dominado pelo despotismo não tendo mais o domínio sobre a sua própria vontade. Com a introdução da máquina no processo produtivo, quem estabelece o ritmo do trabalho humano é o processo de produção, quem exerce o poder sobre a capacidade produtiva do trabalhador são as forças matérias de produção, são elas que determinam a sua relação com o indivíduo e com a sociedade.

Na medida em que a humanidade vai caminhando e o grau de desenvolvimento das forças produtivas vai se aprimorando tem-se como consequência o aperfeiçoamento da divisão do trabalho. Para Marx (1979, p. 47),

Os diversos estágios do desenvolvimento da divisão do trabalho representam igual número de diferentes formas de propriedade. Em outros termos, cada novo estágio

da divisão do trabalho determina, ao mesmo tempo, relações de indivíduos entre si, no tocante às coisas, instrumentos e produtos de trabalho.

E o que é cooperação, nesse contexto? A cooperação aqui se diferencia do processo de cooperação dos primórdios da humanidade, das comunidades, nem mesmo da cooperação escravista dos povos asiáticos e dos romanos. Cooperação é, “A forma de trabalho em que muitos trabalham planejadamente lado a lado e conjuntamente, no mesmo processo de produção ou em processos de produção diferentes, mas conexos, chama-se cooperação” (MARX, 1985, p. 442). A superação da manufatura exige a cooperação, mas quem vai ficar