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2. A DIMENSÃO DA CULTURA NA SAÚDE REPRODUTIVA E A APLICAÇÃO DA

2.5. A cooperação internacional e o contexto da implementação de projetos

A cooperação internacional para o desenvolvimento, historicamente foi concebida como uma forma de atuação conjunta de governos e instituições para a realização das necessidades de países menos favorecidos, ou países pobres. Uma de suas primeiras referências é o discurso do Presidente norte-americano, Henry Truman, no qual ele define como diretriz para seu governo a necessidade de tornar seus avanços científicos e progresso industrial disponíveis para o crescimento e progresso das “áreas subdesenvolvidas” (INAUGURAL ADRESSES OF THE PRESIDENTS OF THE UNITED STATES, 1989).

Passados mais de meio século, a atividade da cooperação internacional exercida por governos passou por diversas transformações no âmbito da institucionalização, normatização e formatação de áreas específicas de atuação. A atividade que nasceu da vontade de um país desenvolvido passou a se estabelecer sobre bases comuns pactuadas junto com a contraparte recebedora da assistência. O que, no entanto, possa parecer um processo legítimo e equilibrado esconde atitudes de intenções de poder.

O termo doador ainda é tão utilizado quanto no início das operações de cooperação. Seu nome descreve fundamentalmente sua responsabilidade nesta relação. Governos de países industrializados desenvolveram projetos de assistência para fornecer ajuda aos menos providos, em forma de recursos, conhecimento técnico, construção e implementação de programas sociais, ambientais e econômicos, entre outros. Com o passar dos anos, diversas revisões aconteceram, inclusive na identificação destes atores. Por exemplo, a Declaração de Paris, firmada na Conferência do CAD, denomina países recipiendários de países parceiros, invocando um papel de participação destes na relação de cooperação. E o termo “assistência internacional” cede lugar ao mais termo conveniente, “cooperação internacional”. Apesar destas mudanças o nome para os países e instituições que oferecem a ajuda permanece sendo “doador” (OECD, 2006, p. 2). Fatos assim falam mais do que meros interesses de poder, eles mostram a existência de um regime definido por James Ferguson, como um “aparato do desenvolvimento”, onde as situações são criadas para uma determinada finalidade. O problema social ou econômico é um fato programado para justificar a necessidade da promoção de uma ajuda internacional.

A cooperação não necessariamente parte da necessidade de quem precisa da ajuda, mas da disposição de quem irá oferecer a ajuda. Apesar do reconhecimento da existência de problemas transnacionais, como o HIV/Aids e outras doenças transmissíveis ser um dos fatos que motivam a

ajuda, a cooperação parte de temas previamente estabelecidos por países doadores e inseridos nas agendas de cooperação de seus governos.

Uma tentativa ainda mais cuidadosa de conceituar a cooperação seria separar suas partes e refletir em seus diferentes sentidos. A cooperação é a relação de trabalho conjunto e coordenado entre duas ou mais partes diferentes. Por se estabelecer com um acordo jurídico a cooperação representa uma expressão legal do entendimento e consenso obtido entre partes diferentes. O que não pode ser desconsiderado é que as reuniões de negociação de representantes de governos e a assinatura de um documento de acordo não anulam as diferenças entre os atores e suas populações em questão. Carlos Lopes afirma em seu artigo Should we mind the gap? que a missão da cooperação para o desenvolvimento passa pela “eliminação da distância entre as sociedades que tem e as que não tem, entre as sociedades ricas e pobres e entre as sociedades seguras e inseguras”, mas conclui que “sob o atual constructo econômico, o desenvolvimento não pode ser alcançado por todos, inclusive, a falta de desenvolvimento em alguns é benéfico para outros (LOPES, 2002, p. 122-123).

Ainda com as limitações referentes a sua origem, a cooperação evoluiu e se reinventou com a criação de diferentes técnicas e mecanismos, como a cooperação triangular e a cooperação horizontal, e a criação de fóruns e comitês internacionais para discutir e orientar ações mais consensuais entre seus atores. Um exemplo destes fóruns foi o Fórum de Alto Nível sobre a Eficácia da Ajuda. A seguir apresento um mapa da arquitetura da cooperação. (FIG. 8).

Figura 7 - Visão do Doador.

Como apresentei neste capítulo, os indivíduos possuem sistemas culturais próprios. A reflexão sobre os sistemas permite que enxerguemos as ações dos atores como ações geradas a partir de sistemas específicos. Atores se comunicam a partir de seus sistemas. A comunicação entre atores de sistemas culturais diferentes é viabilizada por meio de canais comuns de comunicação. Na cooperação internacional alguns destes canais são as instituições e as normas que elas geram para orientar as condutas e expectativas dos atores envolvidos (NORTH, 1991, p. 97). A viabilização da cooperação é assegurada pela existência de instituições contrapartes compatíveis que operem sob mesmos processos e sigam mesmas etapas. Um exemplo disto são o uso de modelos de gestão de programas. Atores com diferentes origens culturais trabalham com procedimentos comuns para realizar fins acordados.

Tal compatibilidade, no entanto, tende a ser mais técnica do que cultural. Como mostra a

Figura 09 a cooperação opera dentro do campo do comum. Mesmo que os países envolvidos na

relação de cooperação possuam sociedades culturalmente diferentes, eles interagem em um campo exclusivo de relacionamento, baseado em instituições correspondentes.

Figura 8 - Cooperação realizada via instituições.

Fonte: Elaborado pelo autor.

As instituições são fundamentais para a realização da cooperação. Elas ampliam a capacidade das ações dos atores, fornecendo condições para a sua sustentabilidade. Uma das maiores expectativas em um Projeto de cooperação é ver sua experiência se tornar uma política pública, ou seja, a ação introduzida de fora ser internamente assimilada e reproduzida. Um debate mais além seria: Quem que estas instituições representam? É possível dizer que as organizações de governo e da sociedade civil são representantes legítimos da população? E quando falamos de

cultura? A visão destas organizações representa a visão cultural das comunidades locais? As diversas revisões e a sua abertura para questões particulares aos países recipiendários indica a participação destes na promoção destas mudanças9. Porém o gerenciamento do sistema da cooperação internacional por parte dos doadores me leva a entender que os interesses destes também são inseridos.

Gledhill chama a atenção para uma excessiva ênfase no Estado e nas instituições formais de governo. Segundo o autor, “entender as relações de poder na sociedade certamente envolve mais do que um entendimento das instituições formais do Estado” (GLEDHILL, 1994, p. 22). A crítica feita aqui não é contra o modelo de cooperação via instituições. De acordo com Todd Moss et al, existe um consenso de que a cooperação funcione melhor em ambientes com instituições públicas de alta qualidade (MOSS et al, 2006, p. 4).

2.6. Dois momentos da cultura na cooperação internacional: cultura como barreira e