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BRAZILIAN PORTUGUESE AND ITALIAN

2. A correlativa hipotética no português do Brasil

Uma das questões mais recorrentes no estudo das construções condicionais é a questão da posição em que as orações condicionais aparecem. Usualmente, a oração condicional (prótase) precede a conclusão (apódose), como a ordem não-marcada. A esse princípio universal, estabelecido por Greenberg (1963, apud Comrie, 1986), não se pode apresentar contra-exemplos. Embora muitas línguas admitam ambas as ordens, prótase ® apódose e apódose ® prótase, as gramáticas assinalam explicitamente que a ordem usual é a prótase preceder a apódose.

Segundo Comrie (1986), há algumas línguas, como o turco, em que a prótase deve preceder a apódose porque, nessas línguas, a oração subordinada deve preceder a principal. Dessa forma, não haveria nada de específi co no caso das condicionais. No entanto, como essa mesma ordem, prótase ® apódose, se mantém em línguas que não requerem a ordem subordinada ® principal, pode-se afi rmar que há algo de especial nas condicionais. Em outras palavras, a preferência da ordem prótase ®

apódose em línguas com ordem frasal livre não é apenas estatística, mas

refl ete algo signifi cativo sobre a língua, que tem relação, segundo Comrie (1986), com a ordenação linear que se estabelece entre as orações que compõem a construção, no que diz respeito às correlações modo- temporais e às etapas de argumentação codifi cadas nessas construções. Comrie (1986) sugere que a ordem linear das orações refl ete, por um lado, a referência temporal das duas orações, já que se pode perceber, facilmente, que a referência temporal da prótase tende a ser anterior, ou ao menos não posterior, à da apódose. Por outro lado, a ordenação linear das orações refl ete uma ordenação icônica à sequência de etapas

da argumentação. Comrie (1986) se vale então da proposta de Haiman (1978), que considera as condicionais como tópicos das construções em que ocorrem, por serem codifi cadas em posição inicial, assim como os tópicos.

Esse fator, posição, evidencia a distinção entre as correlativas hipotéticas e as condicionais canônicas, já que, no caso das orações condicionais canônicas as três possibilidades de ordenação são passíveis de ocorrência: a prótese pode anteceder, seguir ou vir no meio da apódose, como foi demonstrado em trabalhos anteriores (FERREIRA, 1997; HIRATA, 1999). Por outro lado, nas correlativas hipotéticas, a prótase deve sempre preceder a apódose, ou seja, a única possibilidade de ordenação é a anteposição, como se pode ver nas ocorrências seguintes:

(22) Se depois desse período não tivermos qualquer notícia, então seremos obrigados a continuar nossa ofensiva’, declarou Kabila (19N:Br:PA)

(23) Se eliminarmos o tempo nestas duas equações, poderemos

então relacionar o espaço com a velocidade, logo, fazendo: que

é a equação (19Ac:Br:Enc)

Vale ressaltar que, nas condicionais canônicas, é possível alterar das orações envolvidas, sem nenhum prejuízo gramatical:

(24) Se a comunidade dá uma chance, fi ca mais fácil. (19Or:Br:Intrv:Cid)

(24a) Fica mais fácil, se a comunidade dá uma chance.

No que diz respeito às correlativas hipotéticas, no entanto, não há possibilidade de se fazer a inversão. Qualquer alteração dessa ordem leva a uma construção não-gramatical, ou, no mínimo, pragmaticamente improdutiva:

(25) [Se for essencial para a sua sobrevivência em Paris, vá tirar fotografi as para a Embaixada.] Se não for, então você pode se dar ao luxo de recusar. (19:Fic:Br:Olinto)

(25a) #Então você pode se dar ao luxo de recusar, se não for. No que diz respeito às correlações temporais que fi guram nessas construções, e que refl etem, nos termos de Comrie (1986), uma ordenação linear de eventos, as condicionais canônicas podem ser realizadas por meio de uma variada gama de correlações, como demonstram Hirata (1999) e Neves (2000). Para as correlativas hipotéticas, entretanto, verifi camos uma restrição nas combinações temporais, que está relacionada à necessidade de se manter, entre a prótase e a apódose, uma sequencialidade temporal, que é icônica à sequência de ocorrência dos eventos. As correlações encontradas foram: futuro do subjuntivo + presente do indicativo ou presente do indicativo + presente do indicativo ou, ainda, imperfeito do subjuntivo + futuro do pretérito, futuro do subjuntivo + futuro do indicativo.

Em todos os casos, percebemos que a apódose se apresenta como a expressão de uma conclusão à qual o falante chegou a partir daquilo que está expresso na prótase. Nos termos de Dancygier (1998), podemos dizer que nesse tipo de construção, a apódose, que vem marcada pelo

então, apresenta uma única conclusão plausível, depois de eliminadas

todas as outras possíveis, como se pode perceber nas ocorrências seguintes:

(26) No entanto, os dirigentes desses órgãos devem entender que

se essa unifi cação trouxer benefícios para a sociedade, então ela

tem que ser feita (19Or:Br:Intrv:Com)

- a unifi cação tem que ser feita: conclusão plausível a partir da afi rmação da prótase “a unifi cação traz benefícios para a sociedade”.

(27) Se eliminarmos o tempo nestas duas equações, poderemos

então relacionar o espaço com a velocidade, logo, fazendo: que

é a equação (19Ac:Br:Enc)

- poderemos relacionar espaço e velocidade: conclusão plausível a partir da afi rmação da prótase “eliminamos o tempo nas equações”.

Acreditamos que esse fato está ligado à leitura bicondicional que é licenciada nas construções correlativas hipotéticas, e que não necessariamente faz parte de um enunciado condicional canônico.

Outro fator que parece diferenciar as construções correlativas hipotéticas das condicionais canônicas tem relação com os domínios semânticos em que essas construções podem ser utilizadas. Para essa autora, a conjunção condicional se pode ser lida nos domínios de conteúdo, epistêmico e dos atos de fala, conforme se explicitou anteriormente. No caso das correlativas hipotéticas, entretanto, encontramos apenas ocorrências nos domínios de conteúdo e epistêmico, indo ao encontro das propostas de Dancygier (1998) e Declerck e Reed (2001), que consideram que condicionais com a estrutura “se-então” não podem ser usadas, respectivamente, como condicionais de atos de fala ou como condicionais retóricas. Nesses casos, como afi rma Dancygier (1998), não se percebe uma sequencialidade entre as orações que compõem a construção, no sentido de que não são apresentados dois eventos sequenciais ou mesmo duas asserções em sequência, como se pode perceber na ocorrência seguinte:

(28) Pois se você quer a minha opinião, (*então) ia fazer muito bem à Lena voltar a namorar o Ivan - disse Bia. (19:Fic:Br:Amaral:Amigos)

Nessa ocorrência, a prótase “se você quer minha opinião” pode ser considerada como um comentário a respeito do ato de fala contido na apódose “ia fazer muito bem à Lena voltar a namorar o Ivan” e não há entre elas uma relação de sequencialidade. Nesse sentido, em condicionais de atos de fala como essa, o então não cumpriria a função mencionada por Dancygier (1998) de elemento de factualização e sequencialização que ele desempenha em condicionais epistêmicas e de conteúdo, como se vê nas ocorrências seguintes:

(29) Se considerarmos o auxílio-doença como decorrente de um acidente do trabalho, então teremos a estabilidade e a necessidade de propor Inquérito Judicial, mas deixamos claro que o inquérito não serve para afastar a mora do pagamento das verbas rescisórias.

(http://minhanoticia.ig.com.br/editoria/Brasil/2009/11 /05/manifesto+contra+a+prova+trabalhista+do+exame +da+oab+e+lancado+na+web+9010246.html) Acesso em 24/02/2010.

(30) Se duas unidades estão disparando em modo síncrono, então elas estão representando predicações sobre a mesma entidade. Esta técnica é chamada temporal syncrony. (19Ac:Br:Lac:Misc) Nas duas ocorrências podemos perceber que o uso do então aumenta a dependência entre as asserções da prótase e da apódose, impondo factualidade à prótase e marcando a sequencialidade entre elas.

3. A correlativa hipotética na Gramática Discursivo