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A Corte Interamericana de Direitos Humanos

C) O “desfecho” do caso

3. O CASO UBÁ: DAS VIOLAÇÕES À “REPARAÇÃO”

3.2 As instâncias internacionais

3.2.2 A Corte Interamericana de Direitos Humanos

O outro órgão do Sistema Interamericano – o único de caráter judicial –, a Corte Interamericana, criada pela Convenção Americana Sobre Direitos Humanos, apresenta dupla competência180: consultiva e contenciosa.

Encarregada da interpretação e aplicação da Convenção Americana181, tem sede em São José, na Costa Rica, e é composta por membros dos Estados-partes na Convenção , que são indicados pelos próprios países signatários.

No caso Ubá não houve manifestação da Corte, haja vista que o litígio terminou em decorrência de um acordo entre os envolvidos.

Ainda assim, para fins didáticos, entendeu-se relevante adicionar um item de discussão sobre o referido órgão julgador, com o objetivo de demonstrar sua existência e relevância no sistema interamericano, bem como evidenciar que nem sempre é necessário provocá-lo, efetivando-se esforços no sentido de reparações mais rápidas, efetivas e, da melhor forma possível, evitando-se violações para que nem precisem ser reparadas.

Optou-se por evidenciar a existência e o funcionamento da Corte Interamericana porque o Brasil expressamente reconhece sua jurisdição. Portanto, seria possível acioná-la caso fosse necessário – não fosse resolvido o caso na Comissão –; considerando o caráter pedagógico e paradigmático do caso aqui apresentado, entendeu-se ilustrativo apontar um eventual caminho a ser seguido em casos semelhantes.

Para que possa ser exercida a jurisdição contenciosa da Corte, é preciso que o Estado-membro da OEA tenha reconhecido expressamente se submeter à sua competência jurisdicional182, o que pode ser feito no momento da ratificação da Convenção, ou por meio de um instrumento ad hoc em momento posterior. O Brasil reconheceu a jurisdição contenciosa da Corte Interamericana pelo Decreto nº 4.463, de 08 de novembro de 2002.

O reconhecimento da competência pode ainda ser feito de forma incondicional ou sob condição de reciprocidade, por um prazo definido ou subordinado a algum caso específico.

180Convenção Americana, arts. 62 e 64. 181

Estatuto da Corte Interamericana, art. 1º; Resolução n. 448, adotada pela Assembleia Geral da OEA. OEA/Ser.L/VI/I.4 rev.9 (2003).

Diferentemente da Comissão, a Corte não recebe peticionamentos individuais. Os únicos legitimados a submeter casos à apreciação da Corte são a Comissão Interamericana – e desde que seja após o processamento perante a própria Comissão –, ou os Estados-partes183.

A despeito de não ser possibilitado aos indivíduos apresentarem demandas diretamente perante a Corte, de forma individualizada, uma vez admitido o processamento de um caso na Corte, é facultado aos representantes das vítimas, às próprias vítimas e familiares apresentarem provas, solicitações e argumentos autonomamente184.

Ainda que seja possível à Corte conhecer ab initio dos casos que a Comissão lhe apresenta – pois não está adstrita à instrução realizada pela Comissão –, a prática tem mostrado que a revisão dos casos somente é realizada em hipóteses considerados absolutamente necessários.

O procedimento perante o órgão julgador do SIDH são compostos de quatro fases, no que diz respeito aos casos contenciosos oriundos de peticionamento individual: 1) fase escrita; 2) fase oral ou de audiência pública; 3) estudo e emissão de sentenças; e 4) supervisão de cumprimento de sentenças.

O quadro a seguir sintetiza esquematicamente o procedimento acima relatado para peticionamento casos decorrentes de peticionamento individual:

183Ibidem, art. 61. A temática da titularidade de direitos pelos indivíduos de forma autônoma é das mais relevantes no direito internacional, e de forma mais específica, no direito internacional dos direitos humanos. Pioneiro, o sistema regional europeu admite acesso direto à Corte Europeia por parte dos indivíduos, grupos de indivíduos e organizações não governamentais, inclusive com o poder de iniciar processos; esta possibilidade foi inserta a partir da adoção do Protocolo n. 11 à Convenção Europeia – que instituiu a nova Corte Europeia, com caráter permanente a partir de 1º novembro de 1998.

Gráfico 01

Fonte: Relatório anual da Comissão Interamericana de Direitos Humanos (2011)

A primeira fase é a mais complexa, pois compreende a efetiva instrução do caso. É neste momento que ocorre a submissão do caso pela Comissão; a apresentação do escrito de argumentos e provas pelas partes (presumidas vítimas e Estado demandado); definição da lista de peritos – quando necessário –; a resolução pela convocação ou não de uma audiência; apresentação de alegações finais e observações das partes.

As decisões que profere são sentenças, e por isso, dotadas de obrigatoriedade185. A execução de suas determinações faz-se no plano interno de cada país, pelo mesmo procedimento para execução de decisões contra o Estado186.

Importante destacar que a Corte profere sentenças internacionais e não sentenças estrangeiras. E essa diferenciação se faz relevante, na medida em que implica repercussão de ordem prática para a exigibilidade de cada uma no plano

185

Convenção Americana, arts. 67 e 68. 186Ibidem, art. 68.2.

interno. Sentenças estrangeiras são sentenças proferidas por tribunais ligados à soberania de determinado Estado; as internacionais, por sua vez, são aquelas emanadas de um tribunal internacional que tem jurisdição sobre os Estados-parte187.

As sentenças estrangeiras, para serem proferidas, seguem as regras estabelecidas em cada ordenamento jurídico nacional, portanto, por vezes pode inclusive tratar sobre questões diversas daquelas que são passíveis de apreciação ou até mesmo permitidas no Brasil; além disso, para serem executáveis internamente, precisam ser homologadas pelo STJ188.

Contrariamente, as sentenças internacionais não necessitam de averiguação e homologação pelo STJ, porquanto são baseadas no direito internacional de forma agrupada ao nacional; a norma alienígena já foi incorporada (recepcionada) pelo ordenamento interno, tornando-se parte dele.

Portanto, ao Estado somente resta executá-la, já que está em conformidade com suas próprias normas, execução esta que pode ser espontânea ou forçada.

Sendo obrigatória a implementação das sentenças da Corte, não somente pela ratificação da Convenção Americana, mas também em virtude da ratificação da jurisdição contenciosa pelo Estado brasileiro, não é possível alegar impossibilidade jurídica de cumprimento das determinações por violação da legislação interna.

No máximo, é possível invocar o instituto do art. 59, do Regulamento da Corte, que prevê um instituto semelhante aos embargos de declaração do processo brasileiro; dispõe que é permitido às partes requerer à Corte a interpretação de suas próprias sentenças, com o objetivo de aclará-las; mas não omitir-se ao seu cumprimento.

O exercício da outra função da Corte, a consultiva, está previsto no art. 64, da Convenção; diz respeito à competência de interpretar as obrigações dos Estados americanos previstas nos tratados de direitos humanos. Além disso, com base nesta competência, pode emitir opiniões solicitadas por um Estado acerca da compatibilidade entre qualquer de suas leis internas e a Convenção ou outros tratados de direitos humanos dos quais sejam parte189.

187

MAZZUOLI, Valério de Oliveira. As sentenças proferidas por Tribunais Internacionais devem

ser homologadas pelo Supremo Tribunal Federal? Disponível em:

http://www.juspodivm.com.br/i/a/%7BC (acesso em agosto de 2012). 188Art. 105, I, i, CF/88, atribuição incluída pela EC 45/2004.

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Não se trata do foco do trabalho, mas a autora reputou relevante chamar a atenção do leitor para esta atuação consultiva da Corte, propondo neste ponto da obra, a concepção de uma espécie de controle de “internacionalidade” das leis e atos normativos dos países inseridos na realidade de um

Para provocar esta competência da Corte são legitimados os Estados-parte na Convenção e os demais Estados e órgãos da OEA – ou seja, até mesmo a Comissão está legitimada para tal desiderato.

Quanto ao objeto de análise interpretativa, o art. 64, da Convenção determina que ela própria será passível de interpretação pela Corte, bem como outros tratados de direitos humanos dos Estados americanos.

No que tange à abrangência do objeto sujeito à interpretação, a Corte avaliou extensivamente o alcance do termo, em sua Opinião Consultiva Nº 1, de modo a determinar que o art. 64 da Convenção lhe conferia poderes interpretativos em relação a qualquer tratado, sempre que estivesse diretamente implicada a proteção de direitos humanos nos Estados americanos.