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A COZINHA DO IMIGRANTE

No documento DOLORES MARTIN RODRIGUEZ CORNER (páginas 74-80)

Trabajareis de sol a sol, cuando menos diez horas. Si llueve, solo es agua. Si hace sol os achicharraréis. A la hora de comer tendréis arroz y “feijão”. ¿Sabéis lo que es? Es un plato típico de Brasil, algo sin el cual no puede pasar el brasileño y que para el extranjero es algo que suena fuerte. ¿Pan? […] Solo unas tortas de maiz. ¿Vino?

Ese es un sueño, un sueño loco. Agua y gracias.128

Aquele que emigra leva consigo uma cultura impregnada que será confrontada com a cultura do país de recepção, como os imigrantes judeus em Paris, segundo Ariès:

O imigrante não chega como tabula rasa, pronto a adotar costumes, mas vem socializado pela cultura de seu país. Pode apenas retraduzir ou reintegrar as exigências da sociedade em que se

estabelece segundo as normas de sua própria cultura.129

Os costumes alimentares exigiram um tempo para adaptação às novas formas de alimentação, diferentes da cultura original, com a introdução de novos ingredientes: “Achava que o óleo, não tinha o gosto do azeite, porque a gente tinha azeite direto lá. Então, os condimentos fizeram muita falta no começo, mas depois a gente foi se adaptando”.130 Para fazer os pratos de sua cozinha, os imigrantes

espanhóis encontravam a maioria dos ingredientes, mas alguns eram substituídos por produtos nacionais, uma vez que importá-los somente seria possível em um

128 La Voz de Galicia, 09.05.1953. In: PERES, Elena Pájaro. Op. cit. p.70. 129

ARIES, Philippe; DUBY, Georges. História da Vida Privada. Da Primeira Guerra a nossos dias. nº

5. “Ser imigrante na França”. São Paulo: Cia. Das Letras, 2001. p.500.

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Maria América Millás San Miguel, Maruja, entrevista concedida à autora em 17 de dezembro de 2004, em São Paulo, às 10hs.

segundo momento, quando conseguissem um salário melhor, mesmo porque a cultura alimentar também pertence à bagagem dos que emigram.

Ao se pensar em identidade culinária, se faz necessário pensar em ingredientes, na sua combinação, na bebida, no sabor, no aroma ou nos procedimentos que a caracterizam. Os ingredientes e os procedimentos para elaboração dos pratos são determinantes neste momento de reprodução dos pratos.

Assim, o homem que emigrava só, rapidamente abandonava seus costumes alimentares, adaptando-se ao que era possível comer, até porque, a princípio, fazia suas refeições em pensões. Portanto, os que moravam em pensões dependiam do tipo de cozinha oferecida, como aconteceu com o Sr. Elias, que, tendo ido morar numa pensão de cozinha brasileira, foi obrigado a acostumar-se com a nova alimentação. Outros imigrantes estranhavam tanto o alimento encontrado que passavam a comer apenas lanches e frutas: “Recuerdo que en los primeros días fue penoso porque no tenia apetito y comía un bocadillo y los famosos plátanos que alimentan mucho y son muy ricas”.131

O ato de emigrar envolve, portanto, um período de adaptação, durante o qual o financeiro decide o que comer: “Asumían algunas formas de alimentación de la clase obrera. Y cuando ya estuvieran más asentados, entonces podían importar y recuperaban algunos platos y algunos aspectos de su alimentación de origen”.132

Muitos se adaptaram rapidamente ao alimento, conforme a situação, mas outros tardaram algum tempo: “Depois que eu entrei na atividade gastronômica foi fácil. Foram difíceis estes seis meses, desde a chegada até eu ir a um restaurante a

131 Emilio Fernández Cano, entrevista concedida à autora em 22 de dezembro de 2004, na Casa de

España - São Paulo.

132

Hernandez Jesus Contreras, entrevista concedida à autora em 27 de setembro de 2004, na Universidad Central de Barcelona - Espanha.

trabalho, porque morava numa pensão e a pensão nos dava uma comida horrorosa”.133

Depois de algum tempo, a adaptação à comida no Brasil foi tal, que havia aquele que não mais se acostumaria aos costumes culinários espanhóis, como relatou o Sr. Elias: “Fui lá duas vezes, na casa onde nasci é muito diferente, são outros costumes agora, não acostumaria lá. Não me adapto, porque as comidas são fortes como carne de porco”.134 Dona Rosaria declarou: “Não voltei mais a Espanha.

Não moraria mais na Espanha. Vou fazer o que lá?”.135 Da mesma maneira, Gretel afirmou que: “Porque toda a minha vida está aqui. Adoro a Espanha procuro ir sempre que posso, tenho família lá, mas a minha vida e mentalidade está aqui. Fui criada aqui, tenho forma de pensar, de agir, muito mais próxima do brasileiro que do espanhol”. Este é o sentimento que envolve a maioria.

A dignidade de vida que o trabalho poderia oferecer, propiciando melhores condições financeiras, era buscada pelos imigrantes em outras terras. No intuito de preservar sua memória e sua identidade, os espanhóis procuravam adquirir não só os ingredientes, mas também os utensílios necessários para a elaboração dos pratos, tais como as paellas, pucheros, morteros ou almirez, que fazem parte da cultura material, uma vez que:

[...] o valor simbólico que atribuímos aos objetos ou artefatos é decorrente da importância que lhes atribui a memória coletiva, a memória que nos impele a desvendar em relação ao presente e a

133 Belarmino Fernandez Iglesias, entrevista concedida à autora em 24 de janeiro de 2005, no

Restaurante A Figueira - São Paulo.

134 Elias García Marino, entrevista concedida à autora em 17 de dezembro de 2004, no Butantã - São

Paulo, às 14hs.

135

Maria del Rosário Rodriguez Benitez, D. Rosária, entrevista concedida à autora em 29 de março de 2004, no Aeroporto - São Paulo.

inventar o patrimônio dentro dos limites possíveis, estabelecidos pelo

conhecimento.136

Sem cair na questão dicotômica – permanência e mudança –, pretendeu-se analisar as incorporações, transformações, substituições, alterações e adaptações havidas ao longo das temporalidades, tentando evitar a perda de referenciais. Viu- se, entre outros fatores, que a questão da memória e da identidade impregnava o preparo dos alimentos na cozinha dos imigrantes, que se preocupavam em reproduzir aqui os sabores da terra deixada.

136

Imagem 4 – Paella.137

Existem sensações gustativas para sempre inscritas em letras de ouro na memória ou que dão origem à literatura. Iguarias habitualmente julgadas comuns podem ser sublimadas pelas circunstâncias e pelo quadro: o sanduíche de arenque defumado devorado a dentadas e regado de aligoté na aurora fresca das vindimas de Borgonha, a castanha grelhada da esquina das ruas de Paris nos dias de cerração gelada, os mexilhões com batatas fritas degustado diante do Sena, são iguarias tão gastronômicas quanto o foie de gras d’Argent.138

137 Foto cedida por Juan José Requena, 2004.

138 PITTE, Jean Robert. A gastronomia francesa: história e geografia de uma paixão. Porto Alegre:

II – GASTRONOMIA ESPANHOLA:

SABORES E MEMÓRIAS

No documento DOLORES MARTIN RODRIGUEZ CORNER (páginas 74-80)