• Nenhum resultado encontrado

A criação de tribunais especializados de competência mista

A solução, para o problema da visão do direito da família e do direito penal como compartimentos estanques na prática judiciária, seria melhor encontrada num modelo semelhante ao sueco, através da criação de tribunais de competência especializada mista, penal e família, em que a regulação das responsabilidades parentais e o processo crime seriam decididos pelo mesmo juiz/a, de preferência pelos juízes da secção penal, com especial vocação para a proteção dos bens jurídicos essenciais à sobrevivência da comunidade e à proteção da dignidade da pessoa humana.

O FENÓMENO "ALIENAÇÃO PARENTAL" − MITO(S) E REALIDADE(S) 2. A "alienação parental" como estratégia defensiva de agressores sexuais de crianças

A criação legislativa destes tribunais, que terão a sua competência definida por regras gerais, objetivas e prévias ao início da ação, não constituiria qualquer violação do princípio do juiz natural e da proibição de tribunais ad hoc ou ex post (artigo 32.º, n.º 9, da CRP), mas uma forma de proteção das vítimas contra todas as formas de violência no seio da família, exigida pelos direitos destas à integridade pessoal, ao livre desenvolvimento da personalidade e à autonomia (artigos 25.º, n.º 1 e 26.º, n.º 1, da CRP), objetivo que o Estado tem o dever de prosseguir em virtude da sua tarefa fundamental de promover a igualdade de género (artigo 9.º, al. h), da CRP).

10. Conclusões

1.º Feitas acusações de abuso sexual credíveis, mesmo que não obtenham prova suficiente em processo penal, não devem ser admitidas alegações de alienação parental.

2.º A tendência recente para avaliar, em simultâneo, o abuso sexual e a alienação parental, dá demasiada atenção às alegações de alienação parental, compromete a neutralidade da avaliação psicológica relativa ao abuso sexual e compromete, de forma apriorística, o reconhecimento da validade e do impacto das alegações de abuso sexual, crime com consequências tão graves para o desenvolvimento da criança que não podemos correr o risco de olhar para estas alegações de modo displicente.

3.º Quando existem simultaneamente intervenções criminal e de proteção, deve atribuir-se centralidade às declarações para memória futura recolhidas no procedimento criminal, devendo estas ser valoradas nos processos tutelares cíveis, sendo fundamental que seja organizada a comunicação entre os processos e que se pondere a possibilidade de participação na diligência dos profissionais responsáveis pelas vertentes sociais, familiares e da saúde. 4.º Mesmo que os factos não reúnam prova suficiente para fundamentar uma condenação no processo-crime podem ser objeto de prova no processo tutelar cível, que não pressupõe um ónus da prova tão exigente como no processo-crime nem visa punir o adulto, mas antes proteger a criança de um perigo para a sua saúde, educação, segurança e desenvolvimento. Insuficiência de prova não é o mesmo que alegação falsa.

5.º O conceito de alegação falsa não deve ser usado pelos profissionais que lidam com as vítimas, pois é um conceito que «agarra» todos os preconceitos e mitos existentes na sociedade sobre o abuso sexual de crianças. Tem o efeito perverso de branquear ou relativizar as suspeitas e de comprometer a objetividade da investigação, desprotegendo todas as crianças e reforçando o mito de que o abuso é o fruto de uma confabulação da criança, tornando-a mais vulnerável e acentuando o seu sofrimento.

6.º Alegações infundadas ou que não se provam não podem presumir-se feitas de má fé para privar o outro progenitor do convívio com a criança: se existe um testemunho da criança e pareceres de profissionais a atestar a credibilidade deste testemunho nunca se poderá afirmar que se trata de alegações falsas, mesmo que no processo-crime não se reúna prova suficiente.

O FENÓMENO "ALIENAÇÃO PARENTAL" − MITO(S) E REALIDADE(S) 2. A "alienação parental" como estratégia defensiva de agressores sexuais de crianças

7.º A presunção de inocência do arguido é válida dentro do processo penal, mas não pode impedir que os processos cíveis se orientem pelo princípio do inquisitório e pelo conceito de superior interesse da criança.

8.º Nos processos tutelares cíveis (processos de promoção e proteção e regulação das responsabilidades parentais), o único critério de decisão é o interesse da criança e o objetivo a proteção da criança contra um perigo, enquanto probabilidade ou potencialidade da ocorrência de um facto lesivo, mesmo que não exista um facto consumado, um dano ou uma lesão.

9.º O conceito de abuso sexual, do ponto de vista da Lei de Proteção de Crianças e Jovens em Perigo, é mais amplo do que o conceito penal, não se exigindo, para a aplicação de uma medida de protecção, a prova da intenção do agente nem a sua culpa jurídico-criminal.

10.º As acusações de abuso sexual devem ser investigadas, de forma imparcial, por profissionais com competência especializada. A noção de especialização exige a frequência de seminários de formação contínua e preparação intensa em abuso sexual e/ou trabalho com crianças ou adultos que tenham sido sexualmente abusados na infância.

11.º Os medos e as necessidades de segurança das mulheres e das crianças vítimas de violência devem refletir-se nas decisões judiciais de guarda e de visitas: não devem ser impostas visitas, em situações de indícios de violência doméstica ou de abuso sexual. As decisões judiciais, nestas situações, devem ser orientadas pela proteção da criança e não pela manutenção da relação desta com ambos os progenitores. Nos casos de maus-tratos da criança ou de abuso sexual, a relação com o progenitor rejeitado não deve ser promovida, devendo, antes ser protegida a relação da criança com o progenitor que a protege e com quem tem uma relação afetiva mais forte.

12.º A SAP, devido à falta de validade científica, não pode ser utilizada como critério nas decisões judiciais nem nos relatórios sociais ou nas perícias.

13.º A SAP descura a questão de saber se o progenitor atingido pela alienação é desleal com a criança e se esta tem razões para recusar o convívio, por exemplo, por ter assistido à violência doméstica do pai contra a mãe, por ter sido sexualmente abusada, negligenciada, ou maltratada por aquele. Não distingue a alienação reativa a um mau trato da alienação injustificada.

14.º Para substituir a SAP surgiu o conceito de «alienação parental» como facto objectivo, sem pretensão de constituir uma patologia, e que se define como o conjunto de manobras dolosas utilizadas por um dos pais com a intenção de afastar o outro progenitor da vida dos/as filhos/as.

15.º Este novo conceito, apesar de se referir a um fenómeno cuja existência se constata nos tribunais, padece, na sua origem teórica e na sua aplicação prática, dos preconceitos da SAP – menorização das crianças e dos seus direitos à palavra e à autodeterminação e diabolização

O FENÓMENO "ALIENAÇÃO PARENTAL" − MITO(S) E REALIDADE(S) 2. A "alienação parental" como estratégia defensiva de agressores sexuais de crianças

das mulheres como manipuladoras – sendo abusivamente utilizado, pelos defensores do progenitor «alienado», para desvalorizar alegações de abuso sexual de crianças e de violência doméstica.

16.º Um diagnóstico de alienação parental não pode basear-se em alegações de abuso sexual não provadas em processo penal nem no facto de a criança recusar visitas ou de a mãe ter solicitado inibição ou restrição das mesmas. Uma mãe que, na convicção de que o progenitor praticou um abuso sexual da criança, pede suspensão de visitas, está a agir no exercício dos seus deveres parentais de proteção.

17.º O abuso sexual e a alienação parental devem ser tratados como questões independentes e não deve aceitar-se que uma acusação de abuso sexual seja interpretada ou avaliada como um indício de alienação parental, pois este conceito tem sido abusivamente usado para atacar a seriedade ou a validade das alegações de abuso, comprometendo à partida a neutralidade da investigação dos factos.

18.º As soluções para uma recusa injustificada de visitas estão limitadas ao reatamento gradual da relação da criança com o progenitor rejeitado e devem centrar-se na audição da criança e no apoio psicológico à família, e não em medidas coativas de imposição de visitas ou na transferência de guarda para o progenitor rejeitado.

19.º O método mais eficaz para proteger as vítimas de violência doméstica e de abuso sexual, nas decisões de guarda de crianças e de visitas, é a criação de tribunais de competência especializada mista, penal e família, em que a regulação das responsabilidades parentais e o processo crime seriam decididos pelo mesmo juiz/a, de preferência pelos juízes da secção penal, com especial vocação para a proteção dos bens jurídicos essenciais à sobrevivência da comunidade e à proteção da dignidade da pessoa humana.

O FENÓMENO "ALIENAÇÃO PARENTAL" − MITO(S) E REALIDADE(S) 2. A "alienação parental" como estratégia defensiva de agressores sexuais de crianças

Vídeo da apresentação

O FENÓMENO "ALIENAÇÃO PARENTAL" − MITO(S) E REALIDADE(S) 3. A alienação parental no quadro das mudanças na família