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Capítulo 2- A escola em contexto hospitalar

2.1. A criança doente e internada

Experienciar a doença e momentos de hospitalização, implica sentir dor e sofrimento, vivenciar tratamentos invasivos, dolorosos e suas consequências. Implica a mudança de rotinas, a separação dos familiares, amigos e objectos, afastar-se do ambiente seguro até aí conhecido.

O diagnóstico de uma doença grave e/ou crónica é fortemente penalizador para as crianças e suas famílias, que de um momento para o outro se vêem frente ao desconhecido, ficando vulneráveis a inúmeras emoções, sentimentos e dúvidas.

A criança portadora de uma doença penalizante de longo prazo e sujeita aos tratamentos que lhe são inerentes, denuncia insegurança, baixa auto-estima e baixa auto- -confiança, impaciência, tensão, medos e fobias, irritabilidade, tende ao isolamento e à solidão, frequentemente silencia em depressão. São crianças que sofrem pela sua doença, pelas sequelas causadas pelos tratamentos, pelo distanciamento do ambiente familiar e social – a escola, os amigos.

Nos casos de doenças graves, crónicas e vítimas de acidentes graves (como por exemplo as doenças de foro oncológico, imunodeficiências e acidentes politraumatizantes) as crianças podem passar meses seguidos hospitalizadas, sem frequentar a escola, longe de todo o processo de escolarização. Por razões alheias à sua vontade a criança abandona a escola, deixando de ser um indivíduo participante da sua micro-sociedade, comprometendo o seu desenvolvimento psicológico, social e intelectual.

O seu corpo doente causa-lhe estranheza, como que não se reconhecendo em si própria, sentindo-se como que desencontrada intrapessoalmente.

“C1 - Sabias que já tomo banho no quarto-de-banho? P - Não sabia, mas isso é uma óptima notícia! C1 - Mas nunca me vejo ao espelho… P - Então?

C1 - Sabes professora, é que eu não gosto nada de me ver ao espelho… P - Uma menina tão bonita, com uns olhos de fazer inveja a qualquer um... C1 - Não é isso professora… assim sem cabelo… eu, parece que não sou eu!”

(registo de observação participante; C1- criança, P - professora)

Porque a primeira razão de estar internada é a sua saúde, vê-se sujeita a novos conhecimentos (médicos, enfermeiras, técnicos de saúde, auxiliares de acção médica) e situações, muitas das quais dolorosas e até então desconhecidas.

Vê-se o alvo de variadas atenções e preocupações, sendo, por força das circunstâncias, obrigada a lidar com novas condições de viver e estar, bem diferentes do seu anterior ser.

O novo cenário, o hospital, retira-lhe o que até aí conhecia: ser criança que ria, saltava, corria, brincava, ... No hospital, embora criança, as limitações são variadas: está doente, tem dores, rodeada de suportes metálicos e variados perfusores2 monitorizados, de fios que lhe limitam os movimentos (de soro, de sangue, de plaquetas, de fármacos), de sirenes que tocam a chamar cuidados de enfermagem, de fardas estereotipadas.

Grande parte das crianças fica chorosa e tende a agarrar-se aos pais, em especial à mãe, querendo a sua presença, atenção e cuidados ininterruptamente.

Caso a sua patologia exija internamentos prolongados, o seu estado emocional piora - ao sofrimento físico consequente da doença, surge o sofrimento psicológico

2 Perfusores são bombas de administração venosa de fluidos (fármacos, sangue, plaquetas) que

permitem o controlo preciso e exaustivo da administração num tempo e quantidade pré-determinados (1 mililitro de 5 em 5 segundos, por exemplo); os perfusores estão agarrados aos suportes metálicos, que por força das circunstâncias acompanham a criança para todo o lado, sendo por isso apresentados às crianças internadas no Hospital Pediátrico de Coimbra, como o “teu Bobi”.

causado pela hospitalização - a hospitalite3. E este novo sofrimento traz consigo mais fragilidade e insegurança.

Face às circunstâncias, além de assustadas, frágeis e vulneráveis, e como quem procura abrigo e defesa num estado anterior, é frequente regredirem a fases anteriores à sua idade: falam com infantilidade, querem sentir a mão da mãe, peluches na cama para adormecer, comida na boca, …

É frequente mostrarem um forte desejo de falar sobre a sua doença, tratamentos e até intervenções médico-cirúrgicas, sobre a sua história de vida daquele momento. Gostam de sentir que a professora as escuta, se interessa, as questiona (se tem dor, como se sente, se está melhor).

“C2 - Então, nem perguntas como é que eu estou?”

“C3 - Queres saber o que eu senti quando me tiraram os agrafos?” “C4 - Queres ver a minha perna?, a minha cicatriz?”

(registos de observação participante; C2, C3 e C4 - crianças)

Adoram falar do seu mundo exterior ao hospital, do seu ambiente familiar, da sua casa, escola e amigos; ao reviverem como que regressam ao mundo onde se sentiam felizes, quando ainda não tinham doença, nem dor, nem sofrimento.

“C7 passa horas seguidas a ver e rever o filme do casamento da madrinha; C4 conversa diversas vezes sobre a sua escola e colegas, brincadeiras e até dos manos que eram muito preguiçosos;

C1, sempre que pode, fala dos seus Açores e das actividades que costumava fazer com a avó.”

(registos de observação participante; C7, C4 e C1 - crianças)

A assistência integral e humanizada do serviço hospitalar implica atenção, entrega e capacidade de escuta, assegurando entre outros, o acesso às informações médicas, seus procedimentos e cuidados terapêuticos, o acesso ao lazer, ao convívio e ao exercício intelectual.

3 Hospitalite é o termo que caracteriza a criança cansada do hospital e que exterioriza apatia, choro,

De forma a tornar os internamentos mais agradáveis e menos traumatizantes, a humanização hospitalar assume enorme importância, tendo como metas a segurança e confiança, bem como o estabelecimento de vínculos com os profissionais. Por relações seguras e construtivas, é possível ajudar a criança a lidar com a sua doença, consequências e tratamentos inerentes.

É dentro deste quadro que devem ser possibilitadas às crianças hospitalizadas, espaços lúdico-pedagógicos de interacção e socialização com o outro, onde possa recrear-se com prazer e expressar de forma livre os seus sentimentos, experiências e ansiedades.

É na humanização hospitalar que as escolas em contexto hospitalar se encontram inseridas, como mais um elemento promotor e construtor do bem-estar e qualidade de vida da criança, sem esquecer o seu importante papel de elemento formador e informador.