• Nenhum resultado encontrado

2 PRECEITOS TEÓRICOS DA CRIMINOLOGIA FEMINISTA À LUZ DA

2.3 A CRIMINOLOGIA FEMINISTA E O ESTUDO DO SISTEMA PENAL

O movimento feminista nacional contribuiu de forma exacerbada para os estudos da criminologia crítica, uma vez que alcançou uma grande dimensão para os estudos criminológicos críticos, bem como para as reinvidações femininas espalhadas por todo o território nacional.

Deste modo, o Estado, e por conseqüência, o próprio sistema penal passaram a ser analisados criticamente sob a forma de como se estabelecem em

relação as mulheres brasileiras.

Entre as constatações feministas, frisa-se a desigualdade perpetrada entre mulheres e homens dentro do âmbito estatal e legislativo. Em que pese essa disparidade estar intrínseca culturalmente, o feminismo vem através de suas manifestações tentando quebrar todo esse preconceito patriarcal encontrado, até mesmo, dentro do Estado brasileiro, que se diz imparcial.

Carmen Hein de Campos esclarece:

O Estado, ao renunciar sua intervenção, mantém uma relação de poder desigual, implicando, no âmbito da família, deixar a mulher submetida ao marido. Por fim, a não-intervenção do Estado na esfera privada, legitima a naturalidade de uma divisão público-privado, fazendo parecer como natural o que foi socialmente construído no período histórico correspondente ao surgimento do capitalismo. [...] Assim, se não existir o Direito penal prevalecerá o uso do sentido comum que coloca a mulher em situação subalterna (2002, p. 141).

Nesse mesmo diapasão, o feminismo vem trazendo contribuições gratificantes para o movimento de mulheres no Brasil e, por sua vez, para o sistema penal. Segundo Vera Regina de Andrade:

[...] foi o feminismo que trouxe para o conjunto de mulheres brasileiras os novos temas da agenda penal que acabo de referir: a discussão do aborto, da violência doméstica em geral, punição aos assassinatos de mulheres; temas estes posteriormente incorporados e até cooptados pelos partidos políticos. [...] Foi o feminismo que tornou visível, enfim, uma das dimensões da opressão feminina que atinge proporções alarmantes no país, a saber, as diversas formas de violência sexual. Particularmente importante nesse contexto foi a criação, em 1984, das Delegacias das Mulheres, para receber queixas específicas de violência de gênero, pois elas foram mostrando que os maus tratos e a violência sexual contra elas (assédido, estupro e abusos em geral) ocorriam muito mais freqüente do que se pensava (1999, p. 110).

Em que pese o magno texto constitucional, em seu artigo 5º versar os seguintes dizeres “Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza [...]” (BRASIL, 2013), o Código Penal Brasileiro, anterior a Constituição de 1988, não segue especificamente esses ditames em relação as mulheres, uma vez que não se preocupa em proteger os direitos das mulheres e, inclusive, é usado como parâmetro para permear a desigualdade social construída entre os sexos e a hierarquia masculina sobre a feminina.

Segundo Vera Regina de Andrade:

[...] o sistema penal expressa e reproduz a violência estrutural das relações sociais capitalistas e patriarcais criando e recriando estereótipos, principalmente no campo da moral sexual. O sistema penal cumpre funções inversas a que declara, não cumprindo os princípios da legalidade, da culpabilidade, da humanidade e da igualdade jurídica, violando os direitos ao invés de protegê-los. Sua ação é ineficaz para proteger as mulheres porque não previne novas violências, não escuta os distintos interesses das vítimas, não contribui para a compreensão da violência sexual e gestão do conflito e para a transformação das relações de gênero. O sistema penal duplica a vitimação feminina porque, além da vitimação sexual, as mulheres são vitimadas pela violência institucional, que reproduz a violência estrutural das relações sociais patriarcais e de opressão sexista, sendo submetidas a julgamento e classificadas entre as honestas e não honestas. Assim, “o Direito penal é um campo da negatividade que utiliza a violência institucional da pena em resposta à violência das condutas definidas como crime e que tem (re) colocado as mulheres na condição de vítimas” (1998, p. 8).

Nesse sentido, registra-se que não há um consenso entre as feministas acerca da utilização do Direito penal. De um lado, encontra-se a concepção de feministas que reconhecem a desigualdade social garantida através da justiça criminal, mas defendem o uso do sistema penal de forma simbólica, isto é, sustentando a proteção dos mais frágeis e indefesos. Do outro lado, as feministas entendem que não utilizar o Direito penal faz chegar em soluções mais precisas e sem impacto social, uma vez que este próprio sistema valoriza os mais poderosos e não tráz as melhores soluções as vítimas femininas.

Outrossim, importante esclarecer que a criminologia feminista entende que o sistema penal não está constituído nos pilares principiológicos que regem o ordenamento jurídico brasileiro, uma vez que exerce a função de manter a hierarquia masculina sobre a feminina. Nas palavras de Campos:

[...] o sistema penal está estruturado para manter as relações sociais, inclusive as relações hierárquicas de gênero, não sendo por isso, um instrumento adequado à luta de mulheres. O sistema penal tem portanto um caráter conservador. Assim, a codificação não pode ser uma forma de educação moral, mas somente uma fora de regulamentação e uma possibilidade de controle formal (2002, p. 144)

Principalmente no campo da sexualidade que fica evidente toda essa moral masculina, onde retrata-se a fragilidade feminina e a função de reprodutora da mulher. Campos explica:

É no campo da moral sexual que a lei penal mostra toda sua vinculação á ideologia patriarcal, através do controle da sexualidade feminina, o que se dá através de dois tipos penais que tratam a mulher de forma passiva e que defendem a sua função de reprodutora – crimes de sedução, rapto consensual, atentado violento ao pudor, conceito de conjunção carnal no crime de estupro, etc (2002, p.145).

Ademais, sob a ótica da criminalidade feminina, o sistema penal também mantém essa ideia de desigualdade entre homens e mulheres.

Nos dizeres de Bárbara Musumeci Soares e Iara Ilgenfritz, as teorias masculinas tradicionais versam sobre a criminalidade feminina pregando que “a mulher, por suas características físicas e psicológicas, ou mesmo por sua inferioridade mental, é menos propensa a praticar tipos de delitos que caracterizam a criminalidade masculina” (2002, p. 68).

Nesse sentido, cumpre ressaltar que a época em que o Código Penal de 1940 foi criado era um momento que a conduta delitiva feminina era escassa. Apenas décadas mais tarde, especificamente no final do século XX, a criminalidade feminina veio tomando forma dentro da sociedade brasileira, especialmente dentro do comércio de drogas ilícitas.

Nesse mesmo diapasão, Maria Palma Wolf e Márcia Elaine Berbich de Moraes complementam:

A Justiça Penal Brasileira tem uma característica histórica, que é a de ter uma faceta discriminatória e excludente. Tais aspectos se acentuam no caso das mulheres, visto que o papel marginal que possuíam na sociedade brasileira na primeira metade do século XX tornava-as um alvo atípico para a seletividade penal. Em regra, os tipos penais não eram criados visando a seletividade das mulheres, mas sim dos homens com base na pressuposição de que estes seriam, por natureza, violentos, por sua condição física superior (2010, p. 376).

Diante disto, uma vez discorrido acerca do posicionamento da criminologia feminista sobre o Direito penal, passa-se a expor a relação que este sistema sustenta, atualmente, com as mulheres brasileiras.

Documentos relacionados