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A crise decorrente das diretrizes do segundo Governo Vargas

O contexto histórico de inserção do Governo Kubitschek

II.III A crise decorrente das diretrizes do segundo Governo Vargas

Por todas essas razões, para seus opositores, era preciso não deixar Vargas governar e destruí-lo politicamente. Sua volta à Presidência da República motivou a retomada da inflexível campanha oposicionista contra os valores trabalhistas, na imprensa e no Congresso, cujo nome mais destacado era Carlos Lacerda. Tentavam sobretudo cercá-lo, tanto política quanto moralmente.

Aquela oposição

[...] empregou uma retórica agressiva em torno de três pontos: incompatibilidade do ex-ditador com a vida democrática, corrupção na máquina administrativa e subversão [...]. Todos eles combinados com a acusação de esquerdismo, o que estava muito de acordo com aqueles primeiros tempos de Guerra Fria e com a política externa dos Estados Unidos, envolvidos na Guerra da Coréia e que internamente viviam sob as pressões do maccarthysmo. (Duarte e Ferreira, 2004, p. 9).

A oposição era também militar, dividindo desde já as Forças Armadas em dois grupos: um visceralmente contrário a tudo que o trabalhismo de Vargas representava que, embora majoritário na Marinha e na Aeronáutica, contava também com a participação de importantes nomes do Exército; e um outro composto por oficiais que, não sendo necessariamente simpatizantes de Vargas – embora muitos o fossem -, zelavam pela manutenção da ordem constitucional (William, 2005, p. 22). Mas o Exército, seguramente a arma mais numerosa, permanecia dividido, fato que obstruía uma ação unificada das Forças Armadas.

compareceria [...]. Fez uma longa exposição sobre os perigos que representavam as atividades da Aliança, a qual, sob pretexto de fazer política, estava preparando uma revolução com auxílio exterior; desejoso de obter a colaboração de todos para a sua política trabalhista, queria ouvir-lhes a opinião [...] e o que ouviu deu-lhe náuseas: divagaram sobre os propósitos das leis trabalhistas, reclamaram contra os fiscais do Ministério que invadiram as fábricas e provocaram a indisciplina dos operários e sabotaram a autoridade dos empresários, etc. [...] Vargas desinteressou-se da conversa e despediu-se, pouco depois [...]. No automóvel, de volta [...] disse ao ajudante-de-ordens que o acompanhava, o capitão-tenente Ernani Amaral Peixoto: „Estou tentando salvar esses burgueses burros e eles não entenderam‟” (Silva, 1985, p. 207).

40 Essa oposição civil-militar acirrava cada vez mais o combate a Vargas e, talvez por isso, quando em fevereiro de 1954 João Goulart, seu ministro do Trabalho demissionário – porque acusado por um grupo de militares, no

Manifesto dos Coronéis, de comunista - propôs um aumento do salário mínimo

de 100%, Vargas o tenha aceitado, anunciando sua decisão à nação no 1° de maio daquele ano (Id., p. 178). Conquistou desta maneira, e definitivamente, o antagonismo dos burgueses no Brasil e no exterior.

Uma sucessão de graves incidentes culminaram, a 5 de agosto de 1954, no atentado da rua Toneleiros, que resultou – supostamente – num ferimento à bala em Carlos Lacerda, além da morte do major da Aeronáutica Rubens Vaz, seu guarda pessoal (Id., 216-220). Esse episódio disparou uma campanha aberta pela renúncia de Vargas ou, se necessário, pela sua deposição pelas armas. O assassinato de um oficial forneceu a justificativa que aguardavam para aumentar o envolvimento dos militares na vida política. No dia 9, Afonso Arinos de Mello Franco, líder da UDN, exigiu da tribuna do Congresso a renúncia do Presidente (Id., p. 246-249). O vice-presidente, Café Filho – já comprometido com Lacerda a assumir a Presidência em caso de impedimento de Vargas (Id., p. 254) -, tornou público, em discurso no Senado, seu pedido ao presidente para que ambos renunciassem.

Como Vargas se recusava a considerar a renúncia, restava à oposição a opção golpista e, em 22 de agosto de 1954, com Marinha e Aeronáutica em estado de alerta na Capital Federal, tornou-se público o Manifesto dos

Generais, assinado pelos mais altos oficiais do Exército, no qual era exigida

em termos inequívocos a renúncia de Vargas a fim de restabelecer a ordem institucional:

Considerando que o inquérito policial-militar, em andamento na base aérea do Galeão, já apurou, indiscutivelmente, que foi a guarda pessoal do Presidente da República, sob a chefia de Gregório Fortunato, homem de sua absoluta confiança, que planejou e preparou, dentro do palácio presidencial, ou fez executar, o atentado em que foi assassinado o Major- Aviador Rubens Florentino Vaz;

Considerando que depois de haver o Presidente da República assegurado à Nação que o crime seria apurado e os culpados entregues à justiça, elementos de sua imediata confiança, ainda dentro do palácio presidencial, alertaram os criminosos e lhes forneceram os meios necessários à fuga, inclusive vultosa quantia em dinheiro;

Considerando que é, assim, duvidoso que se possa chegar à punição de todos os culpados;

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Considerando que as diligências do inquérito trouxeram à luz farta documentação em que se demonstra a corrupção criminosa nos círculos mais chegados ao Presidente da República;

Considerando que tais fatos comprometem a autoridade moral indispensável ao Presidente da República para o exercício de seu mandato;

Considerando, enfim, que a perduração da atual crise política militar está trazendo ao país irreparáveis prejuízos em sua situação econômica e poderá culminar em graves comoções internas, em face da intranquilidade geral e da repulsa e indignação de que se acham possuídas todas as classes sociais do país;

Os abaixo assinados, oficiais-generais do Exército, conscientes de seus deveres e responsabilidades perante a Nação, honrando compromissos públicos e livremente assumidos, e solidarizando-se com o pensamento dos camaradas da Aeronáutica e Marinha, declaram julgar, em consciência, como melhor caminho para tranquilizar o povo e manter unidas as Forças Armadas, a renúncia do atual Presidente da República, processando-se sua substituição de acordo com os preceitos constitucionais (Id., p. 347-348).

Assinavam o documento generais notoriamente anti-varguistas como Fiúza de Castro, Canrobert Pereira da Costa, Juarez Távora, Alcides Etchegoyen e Humberto Castello Branco; mas, também, Henrique Teixeira Lott (William, 2005, p. 20, 49), que um ano mais tarde seria peça chave no esquema contra-golpista.

Tendo perdido o apoio das Forças Armadas e encurralado pela oposição, no dia 24 de agosto Vargas deu a cartada inesperada, cometendo o suicídio, “[...] ato político que reverteu as expectativas de ganho em curto prazo de seus

inimigos” (Duarte, 2003, p. 7-8). Sem saber, adiou em uma década o golpe

civil-militar que somente viria em 1° de abril de 1964. Assumiu a Presidência o vice Café Filho, já então um aliado dos conspiradores.

Mas a morte de Vargas deu sobrevida ao varguismo. O cerco moral que havia sido fechado sobre Vargas, com acusações de esquerdismo, corrupção e homicídio, foi repentinamente sobrepujado pela reação popular ao seu derradeiro ato. Seu sacrifício pessoal revitalizou o prestígio e a legitimidade dos valores que defendia. As eleições de 1955 confirmariam isso.

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