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A CRISE INSTITUCIONAL BRASILEIRA E O GOLPE DE

3. O CONTEXTO DA DÉCADA DE 1960 NO BRASIL

3.2. A CRISE INSTITUCIONAL BRASILEIRA E O GOLPE DE

antagonismo da Guerra Fria entre os polos URSS e EUA. Somam-se a esse contexto os movimentos de descolonização e independência de países africanos, que resultaram na criação de dezenas de novos Estados, alterando em alguma medida as relações internacionais em nível global, e principalmente o perfil da Organização das Nações Unidas. Ademais, no mesmo período, soavam na América Latina movimentos nacionalistas e populistas em meio a uma crise econômica generalizada.

A revolução Cubana de 1959 agravou o cenário político acirrando os conflitos na região, ao passo que em 1961 o governo Kennedy dos Estados Unidos propõe a Aliança Para o Progresso (ALPRO), um programa de “cooperação mútua” que estabeleceu acordos bilaterais entre EUA e países latino-americanos, com o intuito de promover o desenvolvimento econômico na América Latina (e garantia de alinhamento com o capitalismo liberal estadunidense).

No Brasil, como parte do Plano de Metas de “cinquenta anos em cinco” de Kubitschek – uma expressão do crescente enfoque técnico- científico – a sede do governo federal foi transferida para a recém- construída Brasília. Com o fim do mandato de JK, o país passa por três transições presidenciais no mesmo ano de 1961. O contexto nacional era de crescimento da população urbana e êxodo rural, uma mudança acelerada que acontecia de forma similar nos países vizinhos, e que aflorava as contradições e os conflitos políticos nas regiões menos favorecidas. Com a inflação crescente, alta do custo de vida, baixa dos

salários e elevadas taxas de desemprego, o Brasil passava por uma intensa crise socioeconômica.

Jânio Quadros é eleito com a maior votação registrada até então, ainda no ano de 1960, após uma intensa campanha política de apelo popular. “[…] Aos humildes prometia reforma, à classe média, moralidade administrativa e austeridade, à burguesia, saneamento financeiro. Sua Política Externa Independente empolgava os segmentos da esquerda e do nacionalismo.” (VIZENTINI, 1995, p. 179-180). Tomando posse em 1961, Jânio faz um governo marcado por medidas políticas ineficazes para o controle da crise e que ampliavam o descontentamento com o governo. Ao fim de sete meses de uma tumultuada gestão se vê pressionado por diversos grupos e renuncia ao cargo de presidente da república.

Em meio a crise econômica e política, o vice-presidente João Goulart, eleito com Jânio Quadros31, estava impossibilitado de assumir a

presidência, porque se encontrava em visita oficial à República Popular da China.

[…] A renúncia do presidente Jânio Quadros, sucintamente, representou uma tentativa sua de golpe para governar com poderes excepcionais. […] Estava consciente de que a direita, os militares em particular, não aceitariam a posse de um vice-presidente representante do sindicalismo e da ala radical do trabalhismo, o qual, para completar o estigma, encontrava-se em viagem a um país comunista. (VIZENTINI, 1995, p. 232) No Brasil, forças militares realizaram uma incisiva intervenção que, após um impasse entre aqueles que queriam o impeachment de Goulart e os que defendiam a manutenção da constituição, resultou na adoção de um regime parlamentarista para a gestão federal. Desse modo, a segunda transição tem caráter parlamentarista e diminui os poderes de mando do vice-presidente. Até a volta de João Goulart, o cargo da presidência é atribuído de forma temporária ao então presidente da Câmara dos Deputados, Ranieri Mazzilli.

31 É importante ressaltar que a legislação eleitoral da época permitia a

candidatura em separado de presidente e vice presidente. João Goulart e Jânio Quadros pertenciam a campos poĺíticos opostos, contudo, ambos foram empossados nas eleições por obterem a maior quantidade de votos nos cargos que concorreram.

A terceira e última transição antes do golpe é marcada pelo retorno do vice eleito e natural sucessor do Quadros. João Goulart toma posse em 1961 e assume o governo com poderes limitados em virtude do parlamentarismo em voga, e somente em 1963 um plebiscito restaura os poderes de Goulart, quando a população escolhe o presidencialismo em detrimento do parlamentarismo com larga vantagem de votos. Temerosos por qualquer possibilidade de insurreição popular, os Estados Unidos passaram apoiar sistematicamente organizações e órgãos brasileiros que faziam oposição às frentes sindicais, de esquerda ou nacionalistas.

Além do apoio a políticos, militares e empresários, os EUA financiaram entidades reacionárias como a UDN (União Democrática Nacional), a Igreja, além de entidades do âmbito da sociedade civil como o IPES (Instituto de Pesquisas e Estudos Sociais) e o IBAD (Instituto Brasileiro de Ação Democrática), utilizando-se também de informações recolhidas por estes grupos (ou Aparelhos Ideológicos de Estado, na concepção althusseriana) para o planejamento estratégico de suas ações. Considera-se que o estreito relacionamento entre grupos de poder brasileiros e estadunidenses foi de fundamental importância para a disseminação de ideologias que fundamentaram a legitimação do golpe civil-militar de 1964. A profundidade e a complexidade de tais relações serão exploradas adiante.

O governo João Goulart aconteceu em um momento histórico crítico em que o Brasil se encontrava estruturalmente vulnerável entre a construção de estruturas para produção de bens de consumo como parte da política de substituição de importações; e a finalização do processo de industrialização nacional, que fazia crescer a subordinação externa.

Para tentar estabilizar a economia, Goulart instaurou políticas econômicas que controlavam rigidamente os investimentos estrangeiros das multinacionais e subsidiavam o capital privado nacional. Pressionado tanto pelo setor trabalhista – que outrora constituiu sua mais importante base política – quanto pela comunidade empresarial, acabou recuando em relação à sua própria política.

[…] O governo, assim, volta a aumentar os gastos públicos, a inflação cresce aceleradamente e os permanentes conflitos sociais contribuem para desorganizar uma economia também sabotada pela oposição conservadora, desejosa de inviabilizar o governo JG. Os investimentos estrangeiros, tanto devido ao confuso contexto

econômico e social, quanto à estratégia desestabilizadora, vão decair continuamente e colocar o governo numa situação insustentável. (VIZENTINI, 1995, p. 242)

Diante de tais condições, a crise geral se agravava. A instabilidade econômica causada pelo fracasso do Plano Trienal para o combate à crise econômica foi intensificada pelo movimento de desestabilização do governo Goulart, viabilizado pela ação política organizada das classes capitalistas, por meio de intensa propaganda comum da grande imprensa, latifundiários, figuras políticas e dos meios militares contra o presidente e o Plano de Reformas de Base. A propaganda para a desestabilização do governo se baseava nas críticas a Goulart e à instabilidade econômica, diariamente publicadas nos veículos de imprensa e na mídia, apoiando-se também no espectro de uma ameaça comunista que ameaçava a segurança da nação e era nociva aos valores morais das “pessoas de bem”. Tal campanha tinha como objetivo sedimentar uma compreensão comum contra o governo Goulart e a favor de uma mudança significativa no país, com a tentativa de alcançar setores da população tradicionalmente conservadores em termos políticos para que assumissem as críticas contra o presidente e se manifestassem nas ruas sucessivas reivindicações a favor da democracia, contra a corrupção e o comunismo.

Evidentemente, estavam em jogo objetivos mais complexos do que a simples deposição de João Goulart: a instabilidade política e econômica causada pela titubeante política do presidente ameaçava os interesses do capital multinacional associado e das classes capitalistas brasileiras. A Doutrina de Segurança Nacional, que forjava a existência de uma ameaça ao bem comum se calcava em uma imagem de nação, tratando-se de mais um recurso ideológico para ampliar a efervescência das manifestações contra o governo. O comunismo não representava uma possibilidade real no Brasil. Nem pelas vias revolucionárias, uma vez que o proletariado não concentrava naquele momento condições objetivas e subjetivas para tal ação, tampouco a via reformista adotada pelo governo João Goulart tinha algo parecido com comunismo, já que o próprio presidente Goulart era um representante dos interesses do capitalismo nacional32.

Os anos anteriores ao golpe civil-militar acumularam, portanto, um grande volume de contradições na esfera institucional, seja pelas

sucessivas transições presidenciais, seja pelas medidas políticas que não contentavam os militares, o capital multinacional, o setor trabalhista e a burguesia interna brasileira, isolando politicamente o presidente Goulart pela esquerda (dos interesses das camadas proletárias) e pela direita (dos interesses multinacionais e associados), configurando uma crise institucional que se resolveria com a imposição da ditadura civil-militar. Segundo Alves (2005), é nesse momento que as classes clientelísticas do país puderam desenhar o projeto de capitalismo de Estado autoritário que é colocado em prática a partir de 1964:

[…] E é nesse contexto que podemos compreender a ideologia de segurança nacional: um instrumento utilizado pelas classes dominantes, associadas ao capital estrangeiro, para justificar e legitimar a perpetuação por meios não democráticos de um modelo altamente explorador de desenvolvimento dependente. (ALVES, 2005, p. 27)

Após o golpe civil-militar, Ranieri Mazzilli assume a presidência por breve período e depois é substituído pelo General Humberto de Alencar Castello Branco. A política externa destes primeiros anos de ditadura em grande parte abandonou a linha diplomática da Política Externa Independente e adotou o princípio das “fronteiras ideológicas”, formulado pela ESG, de alinhamento automático aos Estados Unidos e de ruptura com quaisquer empecilhos para o desenvolvimento capitalista mundializado.

No plano da política interna, os setores que se opunham ao regime sofreram repressão. “[…] Não se tratava apenas do “saneamento” e abertura econômicos, mas da “restauração da ordem”. Esta tarefa abarcou especialmente o governo Castelo Branco, mas também Costa e Silva e Médici.” (VIZENTINI, 1995, p. 309).

Apresentado o contexto geral da primeira metade da década de 1960, cabe agora resgatar e analisar com melhor profundidade os papéis dos atores e grupos sociais mais atuantes para as transformações ocorridas na sociedade brasileira neste período, bem como os discursos ideológicos propagados que promoveram a mobilização generalizada da sociedade civil em defesa da derrubada do presidente Goulart e do reestabelecimento da suposta ordem.

4. FUNDAMENTOS IDEOLÓGICOS E SUAS EXPRESSÕES

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