• Nenhum resultado encontrado

CAPÍTULO 2 – A CRUZ E A QUADRA COMO TRAÇADO REGULADOR NA

2.6. A cruz e a quadra no claustro renascentista

O claustro renascentista é decorrente do claustro medieval que por sua vez é decorrente do peristylium greco-romano mas também do claustro muçulmano. Conforme aponta Bicca (1994), seus traçados regulares aplicados no espaço renascentista foram profundamente influenciados pela cultura e pela arquitetura cisterciense.Claraval e os monges de Cister eram construtores por excelência, e dentre as arquiteturas monásticas é uma das mais significativas.

Assim, o claustro renascentista conserva tal como na antiguidade clássica e nos mosteiros de Cister, a vida coletiva, o núcleo central agregador de todo o conjunto. Na forma quadrada ou retangular originária da cruz, o claustro está para a arquitetura, assim como a praça está para o urbanismo, ou seja, o elemento estruturante do conjunto, tendo papel decisivo nos novos assentamentos, assim como faziam os romanos.

Assim, o claustro renascentista tinha uma junção de significados, pois incorporava o espaço sagrado de reclusão e meditação medieval, mas resgatava também a função de distribuição de circulação, espaço de harmonia e sociabilidade, lazer, ponto de encontro de

pessoas, contemplação do céu e da natureza, afinal, apesar de funcional, racional e antropocêntrico, o claustro continuou cristão. Trata-se do caráter racionalizador, modular, plantas regulares com a austera uniformidade da quadrícula. Essa influência se fez também na península ibérica e como consequência na colonização da América.

Com o advento da modernidade, o claustro fechado, medieval, vai sendo mais aberto, mais agregador. É na universidade renascentista que o claustro se transforma num espaço de agremiação, é o nascimento do pátio escolar (figura 20). É nesse contexto do renascimento e em torno desse claustro cristão moderno, ou melhor, desse pátio de agremiação, que surge a Companhia de Jesus. Vale lembrar que os jesuítas nasceram na universidade entre 1528 e 1543 e segundo Menezes (2000, p.50), “o pátio como espaço educativo fora trazida pelos jesuítas da Universidade de Paris, em momento de forte influência renascentista”.

Figura 20 - Pátio da Universidade de Paris – França - Reprodução. Disponível em <http://avenirsorbonnenouvelle.com/> Acesso em 30 Mar.2015

Portanto, a cruz origina os traçados regulares, que por sua vez originam os desenhos e canteiros geométricos, quadrangulares, retangulares ou quadrados, e é um signo universal na arquitetura religiosa ao longo dos tempos. Tem como significado o centro do espaço sagrado, foi assim na arquitetura do homem primitivo, nos peristylium greco-romanos, nos primórdios da arquitetura do cristianismo, nos pátios muçulmanos, nos claustros cristãos e mudéjares medievais e nos claustros e pátios modernos.

Logo, quando Le Corbusier fala dos traçados reguladores nos tempos primitivos e na arquitetura greco-romana da antiguidade, cabe aqui dizer que ele parece se referir também à arquitetura do cristianismo primitivo originária da domus; das mesquitas muçulmanas e dos

mosteiros cistercienses da Idade Média; dos colégios, fazendas, igrejas e capelas jesuítas da idade moderna; ou do modernismo dele próprio, afinal, o ponto em comum entre eles é que a concepção do espaço nasce de um quadrado, consequentemente, da cruz. Claro que os usos sociais foram diferentes de acordo com seu próprio tempo histórico, mas a cruz com seu caminho retilíneo e seus ângulos retos como meio de centralização, ordem, regra, solidez, estabilidade, utilidade, geometria, proporção e harmonia são semelhantes.

Seria então uma falácia pensar que Le Corbusier, um estudioso erudito da história cultural e da arquitetura francesa, onde a cultura é um conceito formador de civilização e de nação, não tivesse observado os jesuítas, que por sua vez, ajudaram a formar o conceito e a ideia da Europa Moderna. Além do mais, a Companhia de Jesus foi fundada na França. A saber, há quem relate que Le Corbusier teria tido influência até mesmo dos próprios jesuítas, por meio de um padre, teólogo, filósofo e paleontólogo francês chamado Pierre Teilhard de Chardin (1881 - 1955), conforme demonstra Samuel (1999):

Você conhece este homem e sua pesquisa (Paleontologia, a condição humana, o futuro)? escreveu o arquiteto [Le Corbusier] para seu amigo e colaborador Andreas Speiser em 22 de dezembro de 1954, e relata que ele passou toda a viagem de volta da Índia lendo obras do sacerdote. "Fiquei muito bem impressionado com ele", escreveu, "Eu preciso entrar em contato com ele antes do tempo”. A questão entre o homem e seu ambiente, posta por Chardin, incidirá sobre o conceito de comunidade, expressa no bloco Unidade de Marselha (1952).

Le Corbusier demonstrou interesse até pela casa dos índios, as casas dos homens, na busca da expressão de um saber popular, quando esteve em Assunción (MARTINS, 2004). Assim como o Brasil, o Paraguai tem impregnado em suas raízes históricas a marca dos padres da Companhia, e é na monumentalidade da paisagem da América do Sul, signo da administração e do agenciamento dos colonizadores do novo mundo, que nasce seus grandes edifícios-cidades-lineares (MARTINS, 2004).

Segundo Dias e Campos (2012, p.11):

o pátio é o espaço aberto ao tempo, às intempéries, ao contato com os céus, seus deuses, espíritos e deidades – a natureza física e a sagrada. Mas é o espaço fechado, encerrado e limitado entre quatro paredes que protege o homem do exterior selvagem, hostil, contra as feras e contra outros homens. É o espaço que marca junto com sua edificação (seja ela de moradia ou de outra tipologia) a presença do homem na terra. É ao mesmo tempo o espaço que se abre a natureza e que a recorta; é o espaço que agrega em si tanto

a natureza como a paisagem. A natureza pode estar ao longe, recortada pelo pátio como paisagem, ou, transportada para dentro do pátio como um jardim, um fragmento, uma reminiscência da natureza, transmutada e transformada pelo homem.

Logo, o peristylium, o claustro e o pátio são tipologias universais. Sua função mais importante é fornecer uma janela para o céu, duto de ar e luz, privacidade visual e espacial, além de ser fácil de ser realizado (ANGELUCCI, 2012). Foi utilizado porque iluminava; em climas quentes ventila, e em climas frios retém o calor; é o elemento central e organizador do espaço; cria espaços dentro do espaço; significava área privada; gerava sociabilidade, era um espaço sagrado, de poder e de controle social. Era também um espaço militar, pois como relata Capitel (2005 apud DIAS; CAMPOS, 2012), “nos palácios e castelos, os pátios se transfiguram tanto como um meio de defesa e organização das tropas e armamentos, como também a representação de um mundo perfeito, um particular centro do mundo”.

Portanto, a cruz da quadra e do pátio, foi o sacramento perfeito entre a arquitetura da Companhia de Jesus e o projeto civilizador do Brasil.

CAPÍTULO 3 – A CRUZ E A QUADRA COMO TRAÇADO REGULADOR NO ESPAÇO ARQUITETÔNICO DOS JESUÍTAS NO BRASIL (1549-1759)

As linhas do desenho da cruz da quadra e do pátio do Colégio Reis Magos, ES. Fotografia e Arte de Rogério Entringer.

“Os traçados reguladores proporcionam a satisfação do espírito” Le Corbusier (1887-1965)