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A década de 1990 e o refluxo das lutas sindicais no Brasil

3 AS PARTICULARIDADES DA REALIDADE BRASILEIRA

3.4 A década de 1990 e o refluxo das lutas sindicais no Brasil

Os anos de 1990 foi uma década em que o movimento sindical refluiu. O esvaziamento dos sindicatos e de suas atividades que os deprimiram na Europa na década de 1980, se reproduziu no Brasil.

A derrota eleitoral de Lula em 1989 contribuiu para que o movimento sindical reduzisse suas atividades e a reestruturação produtiva ganhasse um novo impulso. Combinando os novos avanços tecnológicos e organizacionais

77,2 110,2 95,2 99,7 211 233,8 235,1 65 45,8 1037,6 1782,9 0 200 400 600 800 1000 1200 1400 1600 1800 2000 1979 1980 1981 1982 1983 1984 1985 1986 1987 1988 1989 Inflação Anual (IGP/FGV)

Fonte: IGP/FGV, Apud BRESSER-PEREIRA (1991, p. 92) Gráfico elaborado pelo autor

com mais trabalhos precários e também com uma concertação social cada vez mais comum, o toyotismo se estrutura no Brasil, dá um salto qualitativo e adquire proporções sistêmicas.

O toyotismo ganha força com a orientação adotada pelo Brasil após o Consenso de Washington II. As políticas do Consenso de Washington II orientavam os países que aderiam ao projeto neoliberal a implementação de dez pontos53 que iam de políticas de desmonte do Estado intervencionista, com redução dos gastos públicos em áreas sociais e privatizações, disciplina fiscal como meio de controle da inflação, desproteção do mercado interno em relação ao capital internacional, afrouxamento das leis trabalhistas, entre outras. Esta imposição política afetava não apenas o Brasil, mas todos os países de capitalismo periférico: “'Estabilizar, privatizar e liberalizar' tornou-se o mantra de uma geração de tecnocratas que cortou seus dentes no mundo em desenvolvimento e dos líderes políticos que eles aconselharam” (RODRIK, 2006, p. 974).

Em especial, na década de 1990, inspirada no Consenso de Washington, foram anos de reação neoliberal para os trabalhadores: o “novo sindicalismo” foi desmontado; o Tribunal Superior do Trabalho (TST) ampliou as possibilidades de terceirização com a Súmula 331/1993; e houve um enfraquecimento da classe trabalhadora, seja motivado pelos processos de desindustrialização nacional, pelo fortalecimento do sindicalismo pelego, ou ainda pela política de fortalecimento do sistema financeiro-especulativo. Outro elemento que contribuiu para o enfraquecimento da classe trabalhadora foi a estruturação do Toyotismo no Brasil.

O novo complexo da reestruturação produtiva no Brasil implementou não apenas a automação microeletrônica na produção, mas novas estratégias organizacionais. Estas estratégias de produção não só no ambiente interno da empresa, mas também, e principalmente, na relação entre empresas, na qual se desenvolvem novas estratégias de subcontratação, ou de descentralização produtiva, como por exemplo a terceirização (ALVES, 2000).

53 Os dez pontos que foram orientados no consenso de Washington foram: Disciplina fiscal, redução

dos gastos públicos, reforma tributária, juros de mercado, câmbio de mercado, abertura comercial, investimento estrangeiro direto, com eliminação de restrições, privatização das estatais, desregulamentação (afrouxamento das leis econômicas e trabalhistas), direito à propriedade intelectual (RODRIK, 2006, p. 978).

As consequências sobre as relações sociais de trabalho são sentidas a partir de 1993. Enquanto a indústria de automóveis batia recordes de produção no Brasil, os postos de trabalho declinavam. E as consequências ocorriam não só nas montadoras, mas também nas indústrias de autopeças, que viveram um intenso processo de centralização, e concentração do capital, que foram fundidas e adquiridas pelas corporações transnacionais do setor automobilístico mundial.

As determinações sócio-históricas do novo complexo de reestruturação produtiva no Brasil são apresentadas por Alves (2000) em três pontos:

1 – O novo complexo de reestruturação produtiva decorreu da nova etapa do capitalismo. Essa etapa, caracterizada pela mundialização do capital, tende a projetar nas subsidiárias das corporações transnacionais novas estratégias de produção, exigências do novo tipo de acumulação flexível.

2 – As políticas neoliberais impulsionaram na década de 1990, no Brasil, a chamada “modernização industrial”. Essa política, por um lado adotou uma “liberalização” comercial abrupta e desregulada. Com isso, criou uma nova ideia de política industrial em que a indústria nacional não é protegida. Por outro lado procurou dar condições para que a indústria localizada no país concorresse no mercado mundial em melhores condições – leia-se: isenções fiscais, sendo esta indústria nacional, ou não.

3 – Por fim, a crise de estratégia política e sindical das organizações socialistas no Brasil. Esta crise decorre da derrota eleitoral do PT, que também foi uma derrota eleitoral da CUT, nas eleições de 1989 e 1994. Soma-se a isso, queda dos países do dito “socialismo real”, que de alguma forma influenciou um setor da vanguarda no movimento sindical e uma parcela da população trabalhadora.

O capital aproveitou a conjuntura desfavorável e o recuo político dos trabalhadores para promover uma nova concepção produtiva no Brasil. Esta nova concepção “manipulou” a consciência da classe trabalhadora para uma ideologia corporativa. Dessa forma, enfraqueceu a consciência de classe que era muito forte na década de 1980.

No Governo Collor54, as políticas neoliberais que marcaram a década de 1990 começam com as Diretrizes Gerais Para a Política Industrial e de Comércio

Exterior (PICE). Essas diretrizes apresentavam uma série de

desregulamentações do comércio exterior e de reduções de alíquotas de importações. Desta forma, o Brasil ficou, gradativamente, mais exposto ao mercado mundial.

A política neoliberal para o comércio exterior continuou com os governos Itamar Franco55 e Fernando Henrique Cardoso56 (FHC) e se tornou uma das principais políticas da década de 1990. Por exemplo, o Plano Real, iniciado no governo Itamar e continuado no governo FHC, transformou, de forma artificial, o valor da moeda brasileira equivalente ao Dólar estadunidense, facilitando a importação de produtos e o estrangulamento da indústria nacional. Ou ainda a política de juros bancários altos, no governo FHC, que reduziu o crédito para os brasileiros, sobretudo os que precisavam de financiamento para adquirir bens de consumo duráveis. Mas os altíssimos juros bancários fizeram crescer as dívidas externas e internas (GONÇALVES; POMAR, 2000).

É importante notar que, se em períodos anteriores, a superexploração do trabalho ocorria para criar melhores condições de competitividade no mercado exterior, a partir da década de 1990, ela acontece, também, para manter a competitividade no mercado interno. Mesmo que o Brasil tivesse, e ainda tem, um mercado consumidor reduzido. Contudo, não queremos afirmar que houve mudanças significativas na política exportadora brasileira, mas a política de exportação neoliberal trouxe consequências negativas para o polo industrial brasileiro (GONÇALVES; POMAR, 2000).

Fernando Henrique Cardoso, fortalecido por uma base de apoio ampla, cumpriu todo o primeiro mandato e conseguiu sua reeleição no pleito de 1998, iniciando seu segundo mandato em 1999. A base de apoio governista contava até mesmo com setores conservadores remanescentes da ditadura civil-militar, como por exemplo de Antônio Carlos Magalhães (PFL), ex-ARENA, partido de

54 Presidente eleito pelo Partido da Reconstrução Nacional (PRN), governou entre 1990 e 1992.

Não terminou o mandato, pois sofreu um impeachment.

55 Vice-presidente do Collor de Mello assumiu a presidência após o impeachment de 1992.

Governou entre 1992 e 1994

56 Presidente eleito pelo PSDB, governou por dois mandatos, o primeiro entre 1995 a 1998 e o

sustentação da ditadura. Antônio Carlos Magalhães era conhecido nacionalmente por ser um antigo sustentáculo da ditadura civil-militar no Estado da Bahia. Ele foi um dos principais aliados do Governo FHC.

Fortalecido por essa aliança ampla e conservadora, o governo FHC executa um plano de privatizações, cortes de investimentos em áreas sociais, redução drástica do corpo de funcionários do Estado, redução de direitos previdenciário dos trabalhadores, entre outras medidas (MATTOS, 2009).

Com essa nova realidade política, o movimento grevista que estava em franca ascensão na década de 1980 começa a refluir. Mesmo em 1996, que foi o ano com o maior número de greves na década, contabilizou 1.258 greves, quantidade bem inferior aos últimos anos da década de 1980 (MATTOS, 2009; ALVES, 2000; ANTUNES, 2018).

As entidades sindicais passaram por diversos problemas, entre eles a queda no número de sindicalizações, e em muitas categorias o declínio quantitativo de sua base de trabalhadores, problemas financeiros e indefinições políticas dos dirigentes sindicais são alguns elementos que fizeram parte da nova realidade do trabalho (MATTOS, 2009).

Mesmo com essas adversidades, houve importantes mobilizações na década de 1990. A campanha pelo “Fora Collor” que reuniu uma multidão de trabalhadores e estudantes derrotaram o presidente eleito em 1989. Os desgastes políticos causados por suas medidas, tais como as medidas de combate à inflação com congelamento de salários, o confisco da poupança, entre outras decisões impopulares minou a aprovação do seu governo. Com denúncia de corrupção acusada pelo seu próprio irmão, Pedro Collor, começaram mobilizações multitudinárias no Brasil ao ponto de fazer o presidente da república sofrer impeachment.

Mas as contradições da década de 1990, que refletiam nas organizações sindicais, influenciaram também o movimento “Fora Collor”. Antunes (2018, p. 186) nos lembra que:

Não deve passar sem registro uma mudança de rota na concepção política da CUT durante esse período: sua direção aceitou, pela primeira vez, uma proposta de negociação com o governo Collor, o que não ocorreu sem grandes tensões e polêmicas no interior da instituição.

Outra mobilização importante, nos anos 1990, foi a greve dos petroleiros em 1995. A greve durou 32 dias e para ser derrotada foi organizada uma repressão de guerra, que contou até com a invasão do exército em algumas refinarias, como a de São José dos Campos, em São Paulo (CARDOSO, 2003; MATTOS, 2009; ANTUNES, 2018).

Nem o “novo sindicalismo” da década de 1980 passaria sem sofrer mudanças nos anos de 1990. Ele se tornara mais defensivo e conciliador, pressionado de um lado pela conjuntura neoliberal e por outro lado pressionado pela concorrência de uma central mais sintonizada com o contexto da época, a CUT foi se adaptando para sofrer danos menores em sua estrutura.

A defesa de pautas patronais, tais como a de reduzir tributos à indústria como forma de preservar o emprego, a adesão à política empresarial de composição das “câmaras setoriais”, espaços policlassista de negociação, aceitação de banco de horas sem convocar greve, entre outras políticas, distanciavam a CUT dos seus princípios originais.

Assim, pouco a pouco, o “novo sindicalismo” ganhou contornos neoliberais e aderiu, passo a passo, à prática de concertação social. Assim, a CUT ficava mais parecida com os sindicatos da socialdemocracia europeia. Mas esse processo paulatino de adesão aos princípios do social-liberalismo não atingiu apenas a CUT, pois o PT também foi influenciado pela conjuntura neoliberal, e isso refletiu fortemente em seus governos.

3.5 O PT na presidência: um governo de coalizão do século XXI “à moda