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4. LA TRAVIATA À BRASILEIRA

4.2. A Dama das Camélias

A ópera La Traviata é baseada na obra de Alexandre Dumas Filho (1824- 1895) "La Dame aux Camélias", de cunho autobiográfico. A protagonista da novela de Dumas Filho, Marguerite Gauthier, foi inspirada em uma das maiores cortesãs de Paris: Alphonsine Plessis. Após uma infância pobre e sofrida, Aphonsine conheceu o Duque de Guise, que a acolheu e cuidou de sua educação. Posteriormente ela mudou seu nome para Marie e introduziu a partícula du antes do sobrenome, conforme os moldes aristocráticos. Marie Duplessis teve muitos amantes e

admiradores, entre eles o pianista e compositor Franz Liszt. Dumas Filho a conheceu em 1844 e os dois tiveram um romance que durou três meses, mas Dumas, alegando não ter dinheiro para manter o padrão de vida com o qual ela estava acostumada, terminou o relacionamento. Marie morreu em 1847 de tuberculose.

Um ano após a morte de Marie, Alexandre Dumas Filho escreveu sua primeira novela, "A Dama das Camélias", que conta a história de amor entre a cortesã parisiense Marguerite Gauthier e o jovem Armand Duval (o autor preservou as iniciais de seu nome para o protagonista). Ao final, Marguerite morre de tuberculose nos braços de Armand. Dumas transformou sua novela em peça de teatro, e a estreou em 2 de fevereiro 1852, no Théâtre de Vaudeville; entre os espectadores das primeiras apresentações estavam Verdi e sua então companheira Giuseppina Strepponi.

Verdi "comoveu-se com a história da alma delicada da cortesã de luxo, condenada a morrer sozinha pela mesma sociedade que lhe nega a redenção de seu passado através do amor verdadeiro" (CASOY, 2008:8) e decidiu adaptá-la, encarregando Francesco Maria Piave como libretista. É possível que Verdi tenha encontrado na peça de Dumas Filho alguma semelhança com sua amada Strepponi, por todo o preconceito que ela sofreu em Busseto.

No libreto de Piave, Marguerite passou a se chamar Violetta Valéry, e Armand virou Alfredo Germont. A empreitada de Verdi foi audaciosa, já que o lançamento da novela e da peça de Dumas provocou grande escândalo nas camadas mais conservadoras de Paris do século XIX pelo argumento utilizado. Levar à cena um drama tão contemporâneo, em que uma prostituta morre de tuberculose e mesmo assim é elevada ao status de "heroína trágica" (SUHAMY, 1995:123) foi um "soco no estômago" de uma sociedade governada pelo convencionalismo e os bons costumes. Em vez de apresentar um tema épico com personagens nobres e imaginários, o compositor escolhe mostrar o universo cotidiano da burguesia do século XIX, com personagens de carne e osso, vestidos semelhantemente ao público; e assim denuncia o falso moralismo dessa sociedade.

A ópera passou pelos censores, mas precisou mudar de título, que inicialmente era Amore e Morte (CAMÓN, 2006: 16). La Traviata estreou no Teatro La Fenice, em Veneza, no dia 6 de março de 1853, e foi, segundo o próprio Verdi, um fiasco. Além de toda a polêmica do tema, o elenco não foi escolhido de forma

apropriada. O tenor e o barítono, respectivamente os intérpretes de Alfredo e Germont (pai de Alfredo), cantaram mal. A protagonista, Fanny Salvini-Donatelly, não possuía o vigor da juventude nem o físico adequado para a Violetta que Verdi idealizou. Ele insistiu na mudança do elenco, mas foi voto vencido. Assim, na estreia da ópera, no momento que a corpulenta Violetta foi desenganada pelo médico, o público começou a rir e não parou mais. No dia seguinte Verdi escreve ao seu amigo Emanuele Múzio: "Traviata ontem à noite - um fiasco. Foi culpa minha ou dos cantores? O tempo dirá." (VERDI, in CASOY, 2008: 10). Um ano depois La Traviata é novamente apresentada em Veneza, com enorme sucesso.

Resumidamente, La Traviata conta a história de uma cortesã parisiense, Violetta, que renuncia a sua fortuna para viver um grande amor com o apaixonado Alfredo. Mas Germont, pai de Alfredo, pede a Violetta que se afaste de seu filho, pois o relacionamento dos dois está por denegrir a honra da família, colocando em risco o casamento de sua outra filha, irmã de Alfredo. Sacrificando esse amor, Violeta volta a Paris e a sua antiga vida. Ao reencontrá-la, Alfredo a humilha, sem saber o real motivo de seu afastamento. Germont, arrependido, conta a verdade ao seu filho, que vai ao encontro da amada. Mas Violetta, abandonada por todos, se encontra em seus últimos suspiros, debilitada pela tuberculose. Depois de fazerem juras de amor, Violetta morre nos braços de Alfredo.

Essa obra marca também uma mudança na própria escrita musical de Verdi. No início de sua carreira, ele foi influenciado por outros italianos que compunham ópera, como Rossini, Bellini e, notadamente, Donizetti. Suas primeiras óperas

Fig.7 - Cartaz de estréia de La Traviata, anunciando a ópera no teatro La Fenice de Veneza, no dia 6 de março de 1853.

enquadravam-se na estética vigente à época, o bel canto. Contudo, após sua estadia em Paris, Verdi sofreu grande impacto do teatro, particularmente do melodrama francês. Teve contato também com o estilo da escrita francesa, que diferia do italiano, o que expandiu as possibilidades de utilização de vários elementos, principalmente da harmonia. Em La Traviata ele começa a abandonar os efeitos de virtuosismo gratuitos do bel canto e a manipular as formas musicais de maneira não convencional, buscando realizar o drama musical de um jeito mais natural.

Verdi sempre colocou sua extraordinária inspiração melódica a serviço da ação e da expressão dramática, a ponto de subverter os hábitos do bel canto e as categorias vocais tradicionais (...). Seu instinto teatral, seu gosto pelas situações contrastadas e as paixões violentas, sua capacidade de compreender e de interessar a humanidade inteira lembram o maior autor dramático, Shakespeare (SUHAMY, 1995:114).

A Violetta de Verdi continua a emocionar ainda nos dias de hoje – mais de um século e meio depois de sua conturbada estreia. Suas melodias estão entre as mais conhecidas da história da ópera. Como Verdi previu, o tempo mostrou o lugar de La Traviata na história.