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2 A EXPLORAÇÃO SEXUAL COMERCIAL DE CRIANÇAS E ADOLESCENTES

2.1 LEGISLAÇÃO INTERNACIONAL

2.1.2 A Declaração de Estocolmo de 1996

Já se mencionou no capítulo anterior o significado, a contextualização histórica e a importância da Declaração de Estocolomo de 1996 no que se refere à ESCCA, merecendo aqui a reiteração de que foi por ocasião daquele encontro que se estabeleceu e se definiu no plano internacional, de forma individualizada, as diversas modalidades de ESCCA, figurando dentre elas a prostituição infantil.

Nesse sentido, torna-se importante agora a transcrição e a análise de alguns dispositivos constantes na Declaração, que favorecem não só a compreensão do fenômeno da prostituição infantil em toda a sua dimensão e complexidade, como também indícios de quem são os atores considerados responsáveis pela submissão e favorecimento de crianças e adolescentes à prostituição.

Assim, a Declaração de Estocolmo, em relação aos fatores que contribuem para a ESCCA, estabelece que:

São vários os fatores que contribuem para a exploração sexual comercial de crianças, dentre os mais complexos temos as disparidades econômicas; as estruturas socioeconômicas injustas; a desintegração familiar; a questão da educação, consumismo; a migração rural-urbana; a discriminação de gênero; a conduta sexual masculina irresponsável; as práticas tradicionais nocivas e o tráfico de crianças.

Há neste dispositivo da Declaração uma nítida intenção de ressaltar e posicionar a ESCCA dentro de um contexto específico, sendo necessário para a sua devida compreensão considerar que na ocorrência destas práticas incidem diversos fatores, dentre os quais se destacam as desigualdades sociais e econômicas a que se encontram submetidas as vítimas, o apelo ao consumismo, como também as práticas sexistas e a discriminação de gênero.

É a partir desta compreensão ampliada a respeito dos fatores que concorrem para a incidência da prostituição infantil, inaugurada pelas disposições contidas na Declaração de Estocolmo, que passa a prevalecer nos textos internacionais o enquadramento também ampliado em relação à figura do explorador. Assim, estão incluídos nesta categoria não apenas os agenciadores da prostituição ou aqueles que de forma indireta obtêm algum tipo de vantagem, mas também os que pagam, sem a intermediação de terceiros, para manter relações sexuais com crianças e adolescentes que se encontrem inseridos no mundo da prostituição.

Esta nova concepção a respeito da figura do explorador da prostituição infantil irá alicerçar o caminho e sedimentar as bases para o tratamento diferenciado por parte da legislação penal dos Estados48, que tradicionalmente, na definição dos agentes responsáveis pela exploração sexual seja de adultos ou crianças, sempre isentou de responsabilidade criminal o usuário dos serviços, reservando a responsabilização criminal e a aplicação da pena tão somente aos intermediadores, agenciadores, cafetões, rufiões e demais aliciadores.

Ainda no contexto desta discussão, a Declaração também elenca outros fatores de aplicação específica ao campo jurídico e normativo que favorecem a prática da ESCCA, conforme observado no trecho:

Existem também fatores adicionais que conduzem direta ou indiretamente à exploração sexual comercial de crianças, como: corrupção, ausência de leis ou a existência de leis inadequadas, o descumprimento da lei e a limitada sensibilidade da pessoa encarregada da aplicação dessas leis sobre os efeitos nocivos nas crianças. Isso favorece a exploração sexual comercial pelas redes criminais, por indivíduos e famílias.

Aqui há um destaque importante no que diz respeito à necessidade de consolidação na legislação dos Estados de tipos penais específicos, que contemplem a ESCCA nas suas mais variadas formas. Registra-se também neste trecho a necessidade de haver sensibilidade por parte das autoridades públicas responsáveis pelo julgamento de crimes que envolvam a ESCCA, de compreender o fenômeno em toda a sua complexidade e extensão, de modo que

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Foi com base nesta concepção ampliada de explorador da prostituição infantil que o art. 244-A do ECA foi introduzido na legislação brasileira, através da Lei n° 9.975/2000, visando alcançar não só os aliciadores mas também o usuário dos serviços sexuais de crianças e adolescentes prostituídas.

se evite na apuração deste tipo de delitos e na aplicação da lei penal a revitimização das próprias vítimas.

A esse respeito, também cuidou a Declaração de Estocolmo de estabelecer em suas diretrizes e nas medidas de recuperação e reintegração, dois dispositivos relacionados à necessidade de preservação de crianças e adolescentes vitimizados pela exploração sexual comercial, evitando-se que em processos judiciais que apuram casos de exploração sexual comercial, crianças e adolescentes fossem responsabilizadas por se encontrarem submetidas à prostituição, vejamos:

Diretrizes [...]

Divulgar, como matérias delituosas, criminosas, a exploração sexual e comercial de crianças, assim como outras formas de exploração sexual, condenando e castigando todos os delinquentes envolvidos, sejam estes locais ou estrangeiros, e garantir que as vítimas infantis dessas práticas fiquem livres de toda culpa;

Medidas de Recuperação e Reintegração [...]

Adotar um enfoque não punitivo para as vítimas infantis da exploração sexual e comercial em consonância com os direitos da criança, tendo especial cuidado para que os processos judiciais não agravem o trauma vivenciado pela criança e para que a resposta do sistema esteja acompanhada de medidas de assistência legal, quando necessário, e judiciais para as vítimas infantis.

Como visto, por meio da Declaração de Estocolmo, se estabeleceu uma compreensão ampliada a respeito do fenômeno da ESCCA e dos fatores que concorrem para sua incidência. Nesta nova compreensão, a figura do usuário dos serviços sexuais de crianças e adolescentes submetidas a prostituição ganhou destaque, passando estes atores a serem considerados, juntamente com os agenciadores e aliciadores, como os agentes responsáveis pela manutenção da prostituição infantil e, portanto, sujeitos à responsabilização criminal.

A partir desta resignificação de sentidos se disseminou no Brasil discussões no sentido de aprimoramento da legislação criminal referente aos casos de ESCCA.